Palestina – Uma Nação Ocupada - 17/12/2004
Tragédias traduzidas para quadrinhos
Quantas pessoas já se deram conta da forma como as informações nos são apresentadas através da imprensa? Quem entre nós consegue perceber com clareza que as notícias que são destaque em jornais diários e noticiários televisivos são apenas recortes, selecionados de acordo com critérios pessoais ou políticos? Vivendo no Ocidente, raramente percebemos a enorme influência dos Estados Unidos sobre nossas vidas. Não conseguimos dissociar nossas escolhas e preferências de modelos ou parâmetros que são, em grande parte dos casos, definidas a partir da ação do Tio Sam e de seus agentes (comerciais, industriais, culturais, econômicos,...).
A esfera de influência dos norte-americanos é tão grande que é definidora, por exemplo, das pautas discutidas nas redações dos grandes jornais do Brasil e de praticamente todos os países do mundo ocidental que possuem um estreito contato cultural com os ianques.
Por conta desse intercâmbio tão desigual (há muitas informações vindo de lá e poucas indo na direção contrária) e direcionado (as notícias são estruturadas dentro dos conformes das redes que as editam ou colocam nas telas das emissoras ou, mais modernamente, na internet), tendemos a olhar, por exemplo, para a Palestina como uma região de árabes radicais, sedentos por conflitos, religiosos ultra-ortodoxos...
A aliança entre americanos e israelenses é definidora de boa parte das imagens fixadas no imaginário coletivo internacional no que tange a situação da Palestina. Revoltas, incêndios, conflitos, mortes e derramamento de sangue podem ser a tônica se os jornalistas encarregados de cobrir a região resolverem (no cumprimento de ordens) direcionar suas câmeras e microfones para os disparos de armas de fogo, explosões de granadas ou atentados terroristas. A paz e a harmonia também podem estar em destaque se isso for interessante para Washington ou para Jerusalém. O maior problema para todos aqueles que acompanham os dramas que afligem o povo palestino é perceber como a bandeira da paz é tremulada tão poucas vezes. Isso não significa que os pecados da guerra sejam cometidos apenas por quem representa os interesses da comunidade judaica, seria ingenuidade pensar dessa forma. Erros e desacertos são provenientes dos radicalismos existentes em ambos os lados desse interminável front... O que não pode ser esquecido, em particular, é que há vítimas inocentes de ambos os lados. Pessoas comuns, do povo, tentando levar adiante suas vidas e que, a qualquer momento, podem estar sob a mira de canhões e metralhadoras. Tragédias do cotidiano que se tornaram tão corriqueiras que já não sensibilizam. Crianças, idosos, homens, mulheres, estrangeiros, civis e soldados morrem todos os dias sem que as medidas necessárias para o estabelecimento da paz aconteçam. |
O livro de Joe Sacco, “Palestina – Uma Nação Ocupada”, traz a tona questões importantes para quem pretende entender melhor uma das mais explosivas situações do mundo em que vivemos. A manipulação da mídia, por exemplo, é discutida na introdução da versão brasileira do livro pelo competente e consagrado geógrafo e articulista José Arbex.
O enfoque central do livro de Joe Sacco é, no entanto, a história de vida dos palestinos, oprimidos pelas dificuldades, pela violência e também pelo descaso mundial provocado pelo próprio direcionamento das notícias da região pela mídia norte-americana em prol de uma visão que favoreça seu mais forte aliado na região, o estado de Israel.
Para compor seu livro, Joe Sacco esteve na região e pôde, dessa forma, retratá-la da forma mais fidedigna possível. Baseou sua história nas andanças, nos depoimentos e nos contatos que estabeleceu. Conversou com pessoas simples, pesquisou as origens do conflito, colheu declarações de pessoas do lado palestino e israelense e deu um verdadeiro show ao traduzir sua história para o formato de quadrinhos (como algumas das imagens que ilustram esse artigo).
Nesse ponto, vale destacar que Joe Sacco contribui também para que possamos estabelecer pontos de contato com outras formas de comunicação quando falamos de história e educação. A utilização de histórias em quadrinhos para contar um drama tão pesado quanto aquele que é vivido pelos palestinos nos faz ousar e pensar na aplicação dessa poderosa ferramenta para ilustrar tantas outras fantásticas tramas e narrativas que fazem parte da história da humanidade.
O próprio Joe já nos fez esse grande favor ao levar sua arte para outros projetos pioneiros na área como “Palestina – Na Faixa de Gaza” e “Gorazde – Área de Segurança”. No Brasil esse tipo de articulação entre quadrinhos e educação já tem sido realizado com algum sucesso (e muito bom humor) pela dupla Vilmar Rodrigues e Carlos Eduardo Novaes, como no caso do já clássico “Capitalismo para Principiantes” e também na obra “História do Brasil para Principiantes”. A dobradinha entre cultura e educação tem que ser cada vez mais estimulada. Na verdade isso tem que ser constante. Quadrinhos, cinema, música, teatro, dança, pintura e escultura são recursos valiosíssimos que podem realçar as aulas, promover encantamento e maturação de idéias. Quem entre nós pode dispensar a produção de grandes cineastas, literatos, artistas plásticos, dançarinos, coreógrafos, quadrinistas, músicos ou atores e atrizes? Contar com a presença de Machado de Assis, Walter Salles Jr., Maurício de Souza, Brecheret, Tarsila do Amaral, Fernanda Montenegro, Ivan Lins e tantos outros magníficos representantes da produção cultural brasileira ou ainda mundial como aliados para a realização de aulas mais empolgantes e interessantes é um trunfo com o qual devemos contar. |
Nesse aspecto, através dessa resenha, trago ao conhecimento de nossos internautas o trabalho de mais um talentoso e perspicaz artista e autor, Joe Sacco. Além dessa contribuição ao trabalho pedagógico com o estabelecimento de uma relação de maior proximidade e profundidade com os quadrinhos, Sacco também merece muitos créditos pela coragem ao abordar um tema tão complexo e polêmico como a questão palestina. E esse é, definitivamente, um dos assuntos mais urgentes a respeito do qual carecemos de maiores informações...
Obs.: Gostaria de agradecer aos meus estimados alunos do 3º ano do Ensino Médio, recém formados pelo Colégio Cecília Caçapava (turma de 2004), por terem me presenteado com esse livro, fonte de inspiração para esse artigo. Lembro-me com carinho da frase deles ao me darem o livro: “Olha profo, escolhemos esse livro porque achamos que ele é a sua cara. Tem tudo a ver com o seu trabalho!”. Foi um presente formidável e um elogio notável. Um duplo obrigado para vocês!
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