De Olho na História
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

A ditadura militar no Brasil em 5 atos - 07/06/2018
João Luís de Almeida Machado

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de olho na história

A recente divulgação de arquivos secretos mantidos pelo governo americano a respeito da ditadura militar no Brasil e o surgimento de movimentos que advogam o retorno dos militares ao comando político da nação tornam necessária a retomada de dados e informações sobre aquele período da história do país. Neste sentido é preciso trazer novamente à tona o assunto e, por isso, destacamos a seguir alguns termos relacionados a história do governo militar no Brasil no período entre 1964-1985. É certo que, por ser assunto extremamente abrangente, somente foi possível elencar alguns verbetes relativos a este período histórico brasileiro, enfatizando alguns dos mais importantes elementos do período para que seja possível a compreensão pelos interessados.

AI-5

O Ato Institucional número 5, colocado em vigor em dezembro de 1968, pelo governo do general Costa e Silva, estabeleceu o cerceamento de liberdades individuais e políticas, restringiu a ação dos poderes legislativo e judiciário, determinou a perseguição a inimigos do regime, levou opositores ao exílio ou ao cárcere, iniciou de forma mais célere e organizada as ações relativas a tortura e extermínio de qualquer pessoa contrária ao governo militar.

Com esta determinação estabelecida pelo presidente, com o apoio dos ministros de estado e das autoridades militares, iniciou-se o período mais duro e violento da ditadura brasileira, mantido até 1978, quando o AI-5 deixou de vigorar. Entre outras medidas previstas no AI-5, constavam:

- O presidente passava a ter o poder de decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e Câmeras de Vereadores, que só voltariam a funcionar quando determinado pelo próprio presidente da república.

- Seria possível a intervenção do governo federal nos estados e municípios sem qualquer elemento limitante, nem mesmo a Constituição.

- O governo poderia suprimir os direitos políticos de qualquer cidadão por até 10 anos e cassar mandatos de políticos de qualquer instância.

- Adotar medidas de segurança como realizar o monitoramento de opositores, proibição de ida e frequência em lugares especificados, proibição de manifestações políticas;

- O presidente tem o poder de decretar estado de sítio quando considere apropriado, definir seu prazo e prorrogá-lo se assim considerar necessário;

- Pelo AI-5 suspende-se o direito de Habeas-Corpus em casos de crimes políticos, contra a segurança nacional e a ordem econômica e política.

Ditadura

De acordo com o Dicionário Michaelis, o verbete Ditadura pode ser assim explicado: “Governo autoritário, unipessoal ou colegiado, caracterizado pela tomada do poder político, com o apoio das Forças Armadas, em desrespeito às leis em vigor, com a consequente subordinação dos órgãos legislativos e judiciários, a suspensão das eleições e do estado de direito, com medidas controladoras da liberdade individual, repressão da livre expressão, censura da imprensa e ausência de regras transparentes em relação ao processo de sucessão governamental”. Foi exatamente isso que aconteceu no Brasil entre 1964 e 1985 ao que se devem adicionar elementos de repressão aos opositores que incluem a tortura sistemática, o exílio involuntário, o aprisionamento sem qualquer tipo de julgamento ou suporte jurídico por parte de representantes legais, o desaparecimento de inimigos do regime e a morte no cárcere. O empoderamento dos líderes militares que, amparados por rede de combate aos opositores, nomeados como subversivos, levou ao surgimento dos porões (esconderijos em instalações militares ou não em que se realizavam as sessões de tortura) e de operações como a OBAN (Operação Bandeirantes), elementos que consolidaram as ações repressoras e de extermínio ou opressão aos homens e mulheres que se atreviam a desafiar o regime.

Golpe Militar

Apesar de ainda existirem historiadores que, alinhados com a visão oficial, denominam a derrubada do governo de João Goulart, ocorrida entre os dias 31 de março e 1º de Abril de 1964 como tendo sido uma “revolução”, o ocorrido é interpretado pela maioria dos analistas e estudiosos do tema como tendo sido um golpe de estado e, especificamente, um golpe militar. O que, para muitos leigos é, aparentemente, apenas uma questão terminológica, encerra uma diferença considerável entre tais expressões. Há, em “revolução”, uma conotação de mudança não apenas de governo, mas de regime e de sistema produtivo ou modo de produção. Ao se atribuir o termo “revolução” a um determinado evento histórico, como a Revolução Francesa ou Revolução Russa, por exemplo, o que se define quanto a tais movimentos, é que ocorreu uma alteração de vulto, com a modificação dos parâmetros que definiam as bases políticas, econômicas e sociais com amplas modificações, a médio e longo prazos, da própria base cultural vigente.

No caso do Brasil, no ano de 1964, quando foi deposto o presidente João Goulart, eleito democraticamente no pleito realizado em 1960, como vice-presidente e sucessor legítimo do presidente então eleito, Jânio Quadros, que renunciou ao cargo em 1961, não há alteração das bases sociais, econômicas e, politicamente, apesar dos desmandos e da ditadura que se estabeleceu, os parâmetros e bases continuaram sendo liberais, relacionadas ao sistema ou modo de produção capitalista, sem repercussões de âmbito cultural amplo. Tratou-se de um golpe de estado, organizado e realizado pelos militares, com apoio externo, notadamente dos Estados Unidos, preocupados com o avanço do socialismo na América Latina, especialmente após o estabelecimento do governo esquerdista de Fidel Castro em Cuba, que contava com o apoio da União Soviética. Golpe militar, pois, apeou do poder um governo eleito de acordo com o modelo eleitoral democrático, usando da força, cerceando liberdades individuais e políticas, levando ao exílio o mandatário anterior (João Goulart se exilou no Uruguai), colocando os tanques nas ruas e, evidentemente, contrariando o que era legalmente legitimado por meio da Constituição Federal para estabelecer no mais alto comando político da nação, militares de carreira.

Milagre Econômico

Durante o período de vigência dos governos militares no Brasil, em especial entre os anos 1964 e 1973, como parte do apoio dado pelo governo dos Estados Unidos ao alinhamento político e ideológico brasileiro em relação aos norte-americanos no contexto da Guerra Fria, então vigente, foram feitos acordos econômicos e empréstimos vultosos visando a continuidade de investimentos, iniciada no governo de Juscelino Kubistchek, em infraestrutura para promover a industrialização do país e seu crescimento. Com os orçamentos internos inflados tendo por base os montantes enviados pelos americanos para o governo, durante os 10 primeiros anos da ditadura militar, foi possível investir maciçamente em estradas, telecomunicações e energia. Ao mesmo tempo, como forma de garantir a entrada de grandes empresas multinacionais no país, foram criadas condições especiais por parte do governo brasileiro para que tais corporações contassem com benefícios fiscais a médio e longo prazo, cessão de terrenos em locais estratégicos, criação de cursos para preparar a mão de obra local para o trabalho que seria realizado, entre outras benesses. A contrapartida seriam os investimentos, a alocação de tecnologias e saberes específicos, a geração de empregos e o progresso social decorrente. Todo esse processo que ocorreu no país veio a ser chamado de “Milagre Econômico”. Os índices de crescimento do Brasil foram, até a crise mundial do petróleo em 1973, os maiores do mundo, permitindo que a economia local praticamente dobrasse de tamanho no período e que, a base social migrasse do campo para as cidades, deixando a população brasileira de ser eminentemente rural para se tornar urbana. A crise do petróleo e suas consequências a curto e médio prazo, como a radicalização dos regimes islâmicos em nações como o Irã e o Iraque, nas décadas seguintes, encareceu os compromissos de dívidas acumuladas pelo Brasil nos anos 1960 e 1970, gerando a maior dívida externa do mundo. Os juros subiram a patamares altos, nunca antes aplicados no mercado internacional, com isso, nos anos 1980 o país entrou em processo de estagnação econômica, hiperinflação, aumento nas taxas de desemprego e desvalorização da moeda, entre outras consequências. A face nefasta do “Milagre Econômico” veio, então, à tona.

Tortura

O pau de arara é, certamente, um dos mais expressivos símbolos do processo de repressão do estado brasileiro a seus opositores no regime militar ditatorial estabelecido entre 1964 e 1985. Este instrumento era, basicamente, a apara no qual o corpo nu e muitas vezes molhado do torturado ficava preso para que seus algozes aplicassem violências de diferentes naturezas, passando pelos triviais socos e pontapés, com apoio de instrumentos como cassetetes, queimaduras em diferentes graus (a começar com as bitas de cigarros dos torturadores) a choques elétricos. Além das violências físicas aplicadas aos opositores do regime, os órgãos repressores do estado militar brasileiro, realizavam também sessões de tortura psicológica aos mais resistentes, que mesmo apanhando muito, não cediam as informações por eles buscadas em suas “entrevistas” nos calabouços da ditadura. Nestes casos, em salas a parte, expostas por vidros que não permitiam a visão de quem era surrado, membros da família dos “subversivos” eram ameaçados ou espancados diante destes inimigos do regime, para que as informações fossem reveladas, quer elas de fato fossem reais ou não, partindo-se sempre do princípio de que, entre os muitos torturados, também inocentes foram vítimas desta brutalidade. A tortura, de acordo com o dicionário Michaelis, significa “sofrimento físico ou moral imposto a alguém, geralmente para obter alguma revelação; suplício, tormento”. No caso brasileiro, o grau de excelência dos torturadores da ditadura militar local era reconhecido internacionalmente e, sendo assim, tais representantes do regime foram cooptados para “dar aulas” de tortura para algozes de outros países latino-americanos, como argentinos e chilenos, que nos anos 1970, também viveram regimes de exceção. Há, por conta da ação de grupos que lutaram contra o regime militar que vigorou no país, relatos de vítimas da tortura, das técnicas usadas pelos torturadores e da estrutura de apoio a tais ações em algumas publicações, entre as quais, a destacar, o projeto “Brasil Nunca Mais”.


Obs. Para uma compreensão mais ampla destas tristes páginas da história nacional, recomendo os seguintes livros e filmes.

- Brasil Nunca Mais (Prefácio do Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, já falecido, um dos mais destacados opositores ao regime militar no Brasil).

- A série de livros sobre a Ditadura escritos pelo jornalista Elio Gaspari (Começa com o volume “A Ditadura Envergonhada” e segue até o 6º volume que aborda “A Ditadura Acabada”, todos excelentes, detalhados, de leitura agradável apesar do tema difícil e doloroso).

- Os filmes “O que é isso, Companheiro”, baseado em livro homônimo de Fernando Gabeira, e “Pra Frente Brasil”, dirigido por Roberto Farias.



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