Relatos que ajudam a construir o conhecimento - 12/11/2004
Coluna Diário de Classe
De acordo com o dicionário Houaiss da língua portuguesa, um relato é a exposição escrita ou oral sobre um acontecimento; ou ainda uma narração, descrição ou concessão de informação acerca de um fato ou acontecimento que tenha sido relevante para quem narra, descreve ou informa (e também para quem escuta ou lê).
E como essa conceituação de relato, dada por um dicionário, pode auxiliar o trabalho realizado em sala de aula pelos professores?
É preciso apenas usar um pouco da nossa imaginação para perceber que os relatos constituem a principal ferramenta de trabalho para vários profissionais, tanto para os que trabalham especificamente com educação e pesquisa quanto para pessoas que atuam em vários outros campos de atuação (advogados, jornalistas, médicos, arquitetos, engenheiros, agrônomos,...).
Podemos nos apropriar dessa interessante ferramenta e transportá-la para a sala de aula, onde seria possível adequá-la ao uso com qualquer matéria, seja ela da área de ciências exatas, humanas, biológicas ou códigos e linguagens.
Por exemplo, para o trabalho com matemática, poderíamos buscar informações sobre a construção de um prédio, os cálculos estruturais, a projeção geométrica da edificação e tantos outros aspectos específicos desse trabalho. Onde? Diretamente na fonte, ou seja, a partir de entrevistas com engenheiros, arquitetos, mestres de obra ou mesmo com os pedreiros. As informações obtidas, provenientes de diferentes profissionais, algumas mais técnicas, outras mais relacionadas a produção e ao cotidiano da construção, podem ser agrupadas pelos estudantes e, a partir desse ponto, iniciar-se uma nova etapa desse projeto de relatos...
Entrevistas com especialistas, profissionais ou acadêmicos são essenciais para manter o interesse
dos alunos e a atualidade na pesquisa dos temas propostos para os relatos.
Que etapa seria essa? Imaginem que com todo esse manancial de dados, os estudantes tivessem que transformar as informações em relatos pessoais, como se eles fossem os construtores do prédio em questão (fundindo os elementos disponibilizados a partir das conversas com todos os profissionais envolvidos na obra e criando um ponto de vista próprio, particular). A transposição dos depoimentos dados por quem efetivamente realiza a construção poderia se tornar um relato de um estudante de matemática que se imaginasse no lugar dos profissionais que estão no batente, seja na prancheta ou virando massa...
Para realizar tal proposta, o professor de Matemática teria que estar trabalhando temas correlatos, passíveis dessa aproximação com a construção, que pudessem ser averiguados no decorrer da obra e explicados na composição dos relatos produzidos pelos alunos. A conversa entre os estudantes e os profissionais teria que levar necessariamente a percepção desses conceitos na prática.
Se quisermos podemos pensar no uso dos relatos em Biologia. Nesse caso, a alternativa para respaldar um relato pode ser a utilização de documentários, revistas científicas, artigos publicados em jornais ou mesmo as entrevistas com especialistas. O ideal talvez seja a utilização de todos esses recursos e possibilidades ao mesmo tempo. Uma forma interessante de realizar esse projeto seria pedir a diferentes grupos de alunos que obtivessem os dados para os relatos a partir de fontes diversas, para cada um dos grupos uma ferramenta ou instrumental (livros, revistas, internet, entrevistas, documentários,...).
Filmes e documentários também são boas fontes de pesquisa e consulta para informar os
estudantes e dar-lhes argumentos e conceitos que podem ser utilizados em seus relatos.
Definida a forma de atuação dos grupos, dê-lhes um prazo para efetuar essa parte do trabalho (de acordo com a dificuldade do tema, conceda uma ou duas semanas para essa primeira etapa). Depois da prospecção, passe para a socialização da informação, momento em que os grupos se misturam e falam, uns para os outros o que obtiveram com as pesquisas que realizaram a respeito daquele tema (biodiversidade, transgênicos, transfusão de sangue, preservação das espécies, ambientalismo,...).
Num terceiro e decisivo momento, peça aos estudantes que produzam um relato, utilizando as informações conseguidas pelos grupos, imaginando-se na posição de um biólogo, veterinário, agrônomo ou engenheiro florestal. Eles teriam que redigir um texto, no formato de uma descrição ou narração, como se tivessem vivido as situações lidas, apresentadas por profissionais da área, visualizadas a partir de documentários ou mesmo, pesquisadas através da internet.
Tanto no caso da Matemática quanto no da Biologia (ou de qualquer outra matéria em que se utilize essa possibilidade de trabalho), além de toda a pesquisa, da socialização das informações obtidas e do próprio exercício realizado com a produção escrita de um novo material, há um grande esforço sendo realizado levando-se em conta que os estudantes tem que adaptar os dados conseguidos a um formato em que eles são os protagonistas daquela profissão, os conhecedores daquele ofício e que, como tal, estão descrevendo o que para eles seria o seu cotidiano de trabalho e produção...
A etapa mais importante do trabalho é a redação, abastecida por todos os insumos possíveis,
e dotada do máximo de criatividade, para a elaboração do melhor e mais realista relato,
como se tivessem vivido tudo o que estudaram...
Realizei atividades como essas com meus alunos de Ensino Médio tanto para Filosofia quanto para História. Em ambos os casos obtivemos bons resultados. A última vez que utilizei a estratégia dos relatos estávamos estudando a Segunda Guerra Mundial e, para colocá-los no clima do assunto usamos recursos variados, como o material de sala de aula, revistas sobre o assunto e filmes (longa-metragens).
Introduzimos o tema em sala de aula apresentando alguns dados essenciais sobre o conflito, especialmente os antecedentes da guerra, como a ascensão do Nazi-Fascismo, a crise mundial do capitalismo ou o expansionismo territorial das potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) ao longo da década de 1930.
Depois disso lemos alguns artigos publicados numa edição especial da revista Superinteressante sobre a Segunda Guerra Mundial (essa publicação extra se transformou numa revista periódica sobre os maiores conflitos bélicos da humanidade e já teve edições sobre a Primeira Guerra Mundial e também sobre a Guerra do Vietnã). Poderíamos ter utilizado livros paradidáticos publicados por editoras como Moderna, Ática, Scipione, Atual,...
Num terceiro momento organizamos uma Mostra de Filmes, dividindo os alunos em pequenos grupos (2 ou 3 alunos) e dando a eles dois títulos de filmes relacionados a guerra que estávamos estudando (desde clássicos como “Casablanca”, “A Ponte do Rio Kwai” ou “A um passo da Eternidade” até produções recentes como “A lista de Schindler”, “O Início do Fim” ou “Círculo de Fogo”, só para mencionar alguns exemplos).
Os grupos deveriam assistir os filmes, selecionar um trecho que tenham achado relevante para explicar a temática central do filme e sua relação com a história, distribuir explicações escritas para os outros colegas, produzir uma ficha com os dados técnicos da produção e apresentar essa seqüência (de no máximo 15 minutos) em sala de aula para o restante da turma.
Depois dessa overdose de informações pedimos aos estudantes que produzissem relatos em que se imaginassem como soldados (das tropas aliadas ou do eixo), prisioneiros de campos de concentração, espiões, diplomatas ou cientistas. Eles tinham que se colocar no papel dos personagens que haviam visto nos filmes e adicionar informações obtidas a partir das aulas e textos lidos. O resultado foi ótimo, eles se sentiram como soldados que desembarcaram na Normandia no dia D ou mesmo como sobreviventes do Holocausto...
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