Assistentes de voz, amigos imaginários e grilos falantes... - 12/12/2017
João Luís de Almeida Machado
- Olhem para vocês – disse ele por fim. – Não digo isso com desdém, mas olhem para vocês! A matéria de que são feitos é macia e flácida, sem resistência nem força, e depende de uma oxidação ineficiente de energia... (...) – De tempos em tempos, vocês entram em coma e a menor variação de temperatura, pressão do ar, umidade ou intensidade radiativa prejudica a sua eficiência. Vocês são provisórios. Eu, por outro lado, sou um produto acabado. Absorvo energia elétrica de forma direta e a utilizo com uma eficiência de quase 100%. Sou composto de um material resistente, meu estado de consciência é ininterrupto e posso suportar as condições extremas do ambiente com facilidade. Esses são os fatos... (Isaac Asimov em sua clássica obra “Eu Robô”).
Iniciei este artigo trazendo trecho de Isaac Asimov, em seu clássico livro “Eu robô”, em que um autômato tenta por meio da razão convencer os engenheiros que o criaram sobre a sua inferioridade; ele tenta, portanto, demonstrar o quanto a tese de que aqueles seres humanos teriam sido seus criadores não teria sentido pois, em sendo superior a eles e partindo do princípio de que alguém inferior não pode criar algo superior e melhor, tais ideias seriam apenas mitos ou lendas destinados a acomodá-los em sua posição subserviente.
A literatura e o cinema, por meio da ficção de grandes autores como Asimov, Philip K. Dick, William Gibson, Arthur C. Clarke, George Orwell, entre outros, estimula a criatividade humana e leva ao surgimento de universos, inicialmente localizados na imaginação dos leitores e dos realizadores dos filmes, que tantas vezes, tem se tornado realidade, por meio de recursos e serviços que entram nas casas das pessoas sem que, em muitas casos, elas nem ao menos se deem conta de como, quando ou porque aderiram a tais meios.
Em artigo publicado pelo Washington Post, do jornalista Hayley Tsukayama, cujo título é “When your kid try to say ‘Alexa’ before ‘mama’”, somos informados que nos Estados Unidos uma destas tecnologias previstas por livros como “2001 – Uma odisseia no espaço”, por meio do personagem Hal, o cérebro eletrônico que controla a estação espacial onde se passam as ações – já faz parte da vida cotidiana de 10% dos lares naquele país e, certamente, irão ampliar este percentual tanto nas terras do Tio Sam quanto em todo o restante do mundo, inclusive no Brasil.
Alexa, mencionada no título do artigo de Tsukayama, não é uma pessoa, uma baby-sitter (babá) ou alguém especializado em cuidar de crianças, é um serviço digital que atua como um assistente de voz, criado pela Amazon, que assim como o Google Assistant, por meio da internet, dentro do ambiente doméstico, uma vez em que esteja devidamente instalada, responde a conversas e perguntas iniciadas pelos habitantes daquele espaço familiar.
Em se considerando que muitos pais saem para trabalhar e seus filhos ficam em casa, durante parte de seu dia, sob os cuidados de alguém da família ou, dependendo de sua faixa etária, muitas vezes ficam sozinhos, serviços como Alexa, acabam sendo para os usuários como uma companhia autêntica, com quem podem conversar, buscar informações, criar vínculos, sentir alguma segurança (como se tivessem alguém por perto) e não se sentirem sós...
Estão, na prática, sozinhos, pois não contam com a presença de outro ser humano, sua interação, nestes casos, é com sistemas computadorizados programados para responder, que acabam se tornando amigos imaginários. Se inicialmente tais sistemas, quando criados, pareciam rudimentares e incapazes de fazer a leitura lógica daquilo que lhes era direcionado por meio de uma pergunta ou manifestação qualquer de voz, o que temos hoje são recursos com grau bastante avançado que, é certo, serão ainda mais aperfeiçoados para que pareçam, o máximo, com uma presença humana efetiva.
Segundo alguns pais mencionados na matéria do Washington Post, os assistentes de voz ajudam as crianças pequenas na construção de sua fala, enriquecimento do vocabulário e articulação de ideias, além de gerar esta impressão de segurança. Se pensarmos neste sistema associados a webcams espalhadas pela casa, com acesso direto por computadores, tablets e smartphones pelos pais ou responsáveis, talvez estejamos caminhando para o que muitas famílias anseiam neste mundo inseguro em que as pessoas não confiam mais umas nas outras. A tecnologia responde a tais desejos e oportunizam, por meio de serviços e recursos digitais tanto algo como a consciência eletrônica de Hal quanto o conforto de monitorar a distância seus filhos.
O Grilo Falante de Pinóquio ressurge, então, das cinzas, anos depois, como Alexa e similares, dando acesso ao espaço doméstico ainda mais amplo para que as empresas não apenas acompanhem os passos de seus usuários mas que, também, sejam capazes de vender suas ideias, fazendo com que a nova geração as assuma gradualmente, em doses homeopáticas, diárias, colherada após colherada...
Num mundo em que as pessoas parecem estar mais conectadas a seus dispositivos do que umas às outras, o advento de Alexa e do Google Assistant é celebrado pela maioria das pessoas, muitas das quais, reitero esta afirmação, nem ao menos se questionam como, quando ou porque aderiram a tais recursos e serviços, enquanto alguns especialistas e estudiosos se debruçam sobre o tema para entendê-lo e perceber suas possibilidades e problemas...
A questão é que, quando os dados de pesquisas e as constatações quanto as anomalias e problemas associados a esta overdose de tecnologia vierem à tona, se por acaso vierem, qual será o real alcance destas informações?
Provavelmente restrito aos círculos acadêmicos. Talvez um ou outro dado ou informação venha a ter alguma repercussão, caso seja divulgado por mídia de grande alcance ou por alguma personalidade, sendo lido e logo esquecido por alguns milhares ou milhões de pessoas com acesso as páginas de tais publicações ou pessoas de vulto...
O que preocupa, no entanto, é saber o quanto, como e de que modo crianças e adolescentes que venham a conviver de forma constante com tais assistentes de voz e com sistemas computadorizados por meio de seus dispositivos, vão apresentar dificuldades para se relacionar com outras pessoas e com o mundo exterior, aquele que não lhes é acessível somente por meio de telas...
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