Distribuição desigual de renda aumenta no Brasil e no mundo - 21/11/2017
João Luís de Almeida Machado
O que você consegue comprar com menos de 7 reais por dia? É possível alimentar-se, vestir-se, ter acesso a transporte coletivo, ter condições de frequentar a escola ou, mesmo, de comprar medicamentos em caso de real e extrema necessidade com rendimento tão baixo?
Segundo o relatório “A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras”, há hoje no mundo, cerca de 700 milhões de pessoas que vivem com menos de 2 dólares por dia, ou seja, o equivalente a uma quantia que não chega a 7 reais...
Isso significa, na prática, que estas pessoas não somente carecem de dinheiro para suas necessidades básicas, mas que elas vivem em condições desumanas e degradantes. Em favelas, cortiços ou dormindo ao relento, famílias inteiras ou indivíduos sozinhos, esquecidos pelo mundo, sem perspectivas de melhorias a curto, médio ou longo prazo, fora das estatísticas e, muitas vezes, oficialmente nem registrados como cidadãos de seus países ou das áreas para as quais migraram...
Consomem água putrefata, convivem com esgotos a céu aberto, remexem lixões em busca de víveres, esmolam pelos sinais das grandes cidades, aumentam os índices de violência urbana quando desesperados são levados as últimas consequências, ou seja, a praticar crimes.
A pesquisa conduzida pela Oxfam Brasil, organização não governamental, no entanto, vai além destes primeiros dados, já bastante reveladores e duros para quem ainda se sensibiliza ao ver alguém passando fome, dormindo embaixo de viadutos ou agonizando por doenças sem qualquer tipo de socorro.
A revelação mais contundente, no entanto, é aquela que nos informa a grande desigualdade no que tange a distribuição de renda no Brasil e no mundo. Segundo o relatório, no mundo de hoje, “oito pessoas detêm o mesmo patrimônio que a metade mais pobre da população”. No Brasil, a situação é ainda pior, pois apenas 6 pessoas têm “riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões de brasileiros mais pobres”.
Dados como estes já eram alardeados por estudiosos e especialistas como Josué de Castro, autor de obras célebres, como “Geografia da Fome” (1946) e “Geopolítica da Fome” (1951), ou, mais recentemente, por outro grande humanista e acadêmico brasileiro, Milton Santos, que abordou em vários livros e artigos a necessidade de um mundo mais justo, ético e solidário.
No mundo de hoje, a riqueza é celebrada, os milionários são festejados, alguns deles atuam como filantropos, grandes corporações criam projetos sociais e, mesmo o cidadão comum, de classe média, assalariado, ou empreendedores locais, com recursos modestos, tentam de algum modo ajudar as pessoas pobres e desassistidas que vivem em seu entorno.
Projetos governamentais, como o Fome Zero ou o Bolsa-Família, ambos aplicados no Brasil, que obtiveram repercussão mundial, constituem iniciativas que tiveram bons resultados, mas que, apesar de propagandas partidárias insistirem na ideia de que a pobreza havia sido extirpada do país, efetivamente, solucionaram apenas de modo parcial o problema pois focam na solução imediata destas importantes questões sociais.
O alcance tem que ser mais amplo. Nações em que a pobreza foi dirimida ou praticamente extinta, como a Finlândia, a Dinamarca, a Noruega ou a Suécia, se caracterizam por um cenário em que a distribuição de renda é mais equitativa, sem grandes diferenças entre o que ganham, por exemplo, um médico e um gari, um empresário e um professor, uma autoridade política e um policial...
A nefasta concentração de renda é um indicativo de que os mecanismos sociais existentes, entre os quais se incluem os elementos jurídico-políticos, privilegiam alguns em detrimento de milhões. Isso não significa que o esforço individual, o empreendedorismo, a iniciativa privada ou mesmo a propriedade particular tenham que ser extintas, conforme pregam algumas linhas extremas de pensamento político e social.
A história já registrou tentativas como estas e, infelizmente, a ganância humana, mesmo num sistema como o socialismo, se faz presente, garantindo por meio da opressão política, utilizando-se do aparato estatal, benefícios para poucos enquanto a maioria vive em condições ruins ou, na melhor das hipóteses, satisfatórias em termos materiais tendo que, no entanto, sacrificar liberdades e abrir mão de princípios essenciais, relacionados ao estado democrático de direito.
Nações em que os princípios norteadores são baseados na social democracia, como os mencionados países nórdicos, tem qualidade de vida comprovada para praticamente toda a população local sem que a liberdade dos cidadãos seja sacrificada em nenhum quesito, como o direito de expressão livre de ideias ou a circulação sem restrições por todo o país.
Isso implica, é claro, rever leis, sistema tributário, previdência, regulação do mercado produtivo, relação entre patrões e empregados, papel do estado na vida dos cidadãos e, em especial, trabalhar fortemente a construção, pela educação e cultura, de um sistema de valores em que se privilegie o comportamento ético, solidário, sustentável e cidadão.
Tais alterações são extremamente difíceis e devem ser realizadas a longo prazo, como se vê no Brasil de hoje, em que a luta pela manutenção de privilégios quando se discutem ou se propõem mudanças nas leis trabalhistas, na previdência social ou nas regras do jogo político-partidário é feita as claras, com todos os grupos e lobbies interessados mostrando os dentes e mordendo com força e sem escrúpulos o que pensam lhes caber naquilo que a nação é capaz de produzir em termos de riquezas...
Não há, no entanto, no cenário global, outro caminho que não seja aquele pautado por compromissos coletivos, de longo prazo, pensando não apenas nas gerações atuais, mas especialmente nas vindouras, trabalhando de modo sustentável, agindo de forma ética e solidária e, em especial, construindo cultura e prática social de compartilhamento, para que a distribuição de renda seja mais igual e justa.
Viver num mundo em que é possível contar nos dedos a quantidade de pessoas que concentra tamanha riqueza em detrimento da fome e da miséria, da penúria e da doença de milhões de pessoas é algo que devemos não somente lamentar, mas que deve nos mobilizar para pressionar as autoridades, as corporações, os empresários e, ao mesmo tempo, sensibilizar a sociedade civil para que atue em prol das prementes e irrevogáveis mudanças neste cenário desolador.
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