Cinema e Educação - 04/11/2004
Quer conhecer melhor essa relação?
Uma enorme biblioteca é o cenário central de uma trama fantástica envolvendo monges medievais em busca da solução de um crime assustador. O elemento decisivo para que os assassinatos em questão sejam resolvidos é o rico acervo (onde há livros proibidos), definitivamente fechado à pesquisa por estranhos e rigidamente controlado por um bibliotecário fidelíssimo as ordens do bispo que comanda o mosteiro.
Da tela de um cinema, num bairro suburbano de uma grande cidade dos Estados Unidos brotam os sonhos que alimentam o imaginário de Cecília e que dão a ela a esperança de superação dos amargos dias da recessão iniciada em 1929. Os protagonistas das aventuras apresentadas na tela vivem em ambientes exóticos, muitas vezes luxuosos, estabelecem relacionamentos que evocam prosperidade, amor verdadeiro, heroísmo e altruísmo em contraposição ao egoísmo, as ambições desenfreadas e a falta de caráter dos vilões do filme. Como num passe de mágica, depois de ter assistido o filme algumas vezes, Cecília vê o mocinho do filme sair da tela e vir para o mundo real...
As seqüências apresentadas acima são trechos de dois grandes sucessos do cinema, os filmes “O Nome da Rosa” e “A Rosa Púrpura do Cairo”, dirigidos respectivamente por Jean-Jacques Annaud e por Woody Allen. Fazem parte do imaginário coletivo de muitas pessoas que freqüentam os cinemas desde a década de 1980, ou ainda, daqueles que se apaixonaram pela sétima arte e que adotaram a sistemática de assistir sessões de filmes apresentadas pelos canais de televisão nos horários mais esdrúxulos e menos convencionais (como aquelas que acontecem de madrugada).
Aprendemos com as sessões de cinema, como aquelas assistidas por Cecília
(Mia Farrow) em “A Rosa Púrpura do Cairo” e também nas bibliotecas, como
no caso do
aficionado monge
William de Baskerville (Sean Connery) do
filme “O Nome da Rosa” (baseado no best-seller de Umberto Eco).
Cem contar os cinéfilos de plantão que se aproveitaram do advento dos videocassetes e, posteriormente dos DVDs, para assistir aos novos e aos velhos sucessos produzidos pela indústria dos sonhos que atende pelo nome de cinema.
O mais interessante é perceber que, apesar do cinema conseguir relacionar toda uma série de conhecimentos, técnicas e procedimentos, envolvendo uma grande quantidade de pessoas em seu processo de elaboração, e dispor de diversificadas formas de comunicação de idéias, há ainda uma grande rejeição por parte dos educadores em utilizar de forma consistente os filmes em sala de aula.
Ao escolhermos os filmes “O Nome da Rosa” e “A Rosa Púrpura do Cairo” para falar inicialmente a respeito dessa relação estabelecida entre cinema e escola, assim o fizemos por imaginar que as seqüências mencionadas se passavam em dois ambientes aparentemente muito distintos, uma biblioteca e uma sala de cinema.
Gostaríamos que os leitores dessa coluna atentassem para esse fato e pensassem justamente o contrário da afirmação anterior, afirmando que há muito mais pontos em comum entre a biblioteca e um cinema do que poderíamos imaginar a princípio.
Podemos aprender com ou sem os filmes, mas a utilização do recurso fílmico em sala de aula
nos coloca diante de recursos que nos mobilizam e nos sensibilizam e nos levam a discutir
valores, ética, história, ciência e a própria vida, como no filme “O Clube do Imperador”.
Por exemplo, por mais que tentemos dissociar esses dois espaços, o elemento que mobiliza as pessoas em sua direção é, basicamente, o mesmo. Busca-se informação. As formas apresentadas são um pouco distintas, mas fundamentalmente prevalece o contato entre leitores e espectadores com dados como personagens, contextos, explicações, narrativas, conceitos científicos, emoções, descobertas,...
O mais interessante de tudo é perceber que a forma de atingirmos essa informação também é aparentada. Realiza-se através da comunicação que se estabelece primordialmente a partir de diálogos, frases, idéias e, em síntese, palavras, muitas palavras. Nos livros, através da impressão qualificada que nos permite encontrá-las a cada nova página ou enredo pelo qual enveredamos. Nos filmes, de forma mais amplificada, com o auxílio da tecnologia, vemos as palavras nos diálogos que desencadeiam as tramas, envolvem os personagens, criam os romances ou suspenses e, ainda, nas músicas que embalam todos esses acontecimentos.
Se formos um pouco além, perceberemos que muitas vezes os filmes são baseados em livros de sucesso, escritos por autores recomendados por autoridades especializadas em literatura, como é o caso de Umberto Eco, autor do celebrado romance policial ambientado num mosteiro medieval, “O Nome da Rosa”...
Os professores têm que despertar a curiosidade de seus alunos, para isso devem utilizar
todas as ferramentas disponíveis, entre as quais os filmes e todas as formas de
produção
cultural criadas pela humanidade (acima: fotografia de divulgação do filme “O Sorriso de Monalisa”).
Tantas outras ficamos sabendo que dos filmes surgiram subprodutos culturais, entre os quais livros, que devorados pelos fãs, permitem que os mesmos aperfeiçoem suas habilidades no trato com a língua...
E as relações vão se tornando ainda mais intensas ao percebermos que o trabalho por trás das câmeras é orientado por estudos, técnicas que são referendadas após a produção de manuais de orientação escritos pelos maiores especialistas em cada um dos setores das produções. Verifica-se nesse caso um novo ponto de encontro entre livros e filmes, entre bibliotecas e salas de projeção...
Por que os educadores ainda temem o encontro com os filmes, parecendo imaginar que a adoção de longas-metragens em suas aulas irá impedi-los de utilizar livros e que irá lhes encaminhar para um vazio de propostas, conceitos e idéias?
Há muitas possibilidades de crescimento a partir dos filmes. A maior parte das pessoas nascidas nos últimos 30 ou 40 anos no mundo ocidental sequer consegue imaginar a existência do mundo sem a possibilidade dos registros fílmicos. Muitos são aqueles que se lembram com exatidão de trechos e mais trechos de seus filmes favoritos, sendo capazes de recordá-los e discuti-los a qualquer momento, com qualquer pessoa.
Rosália Duarte cria, em “Cinema e Educação”, um livro que coloca em discussão algumas questões fundamentais acerca dessa relação ainda conturbada e cercada de dúvidas por parte de muitos educadores em nosso país.
Estuda o encontro entre a pedagogia e o cinema reconhecendo o valor dessa nova e poderosa ferramenta, estipulando o que para muitos pode ser considerado até mesmo um sacrilégio, um comparativo entre os filmes e os livros em que não há evidencia de desvantagem para o primeiro em relação ao segundo como elementos que referendam o conhecimento e estimulam a curiosidade ou o crescimento intelectual das pessoas.
Afinal de contas, criamos tantas ferramentas e descobrimos a cada momento que elas possuem
mais aplicações do que imaginamos a princípio. O cinema, visto por muitos como entretenimento,
é, também,
possibilidade de aprendizagem, de conhecimento...
Analisa a história do cinema e lança luzes sobre algumas das principais escolas cinematográficas surgidas no mundo a partir do advento da invenção dos irmãos Lumiére, no final do século XIX. Fala sobre o Expressionismo Alemão dos anos 1920; da produção revolucionária de D.W. Griffith e de Charles Chaplin; do inovador e provocativo movimento neo-realista italiano a partir da segunda metade do século XX; ou ainda do estabelecimento do Cinema Novo brasileiro, onde eram necessários apenas “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça” para se produzirem novos libelos contra as injustiças e a opressão...
Esclarece a linguagem cinematográfica e a relação que se estabelece entre os espectadores e a projeção dos filmes, vislumbrando o cinéfilo não apenas como aquele que se senta na cadeira dos cinemas e assiste de forma impassível a projeção, mas como aquele que se insere no debate, aprende e advoga idéias ali apresentadas, que movimenta o conteúdo ao levá-lo para seus amigos ou parentes, que cria sua própria interpretação do que foi visto...
Para finalizar, Rosália discute o Cinema na Escola e os Filmes como objeto de pesquisa. Esclarece que não apenas a utilização desses novos referenciais deve ser confirmada para que consigamos, enquanto educadores, afirmar ações propositivas que sejam eficientes para o esclarecimento e formação de nossos alunos, mas também que o cinema tem elementos que em conjunto com a literatura, a fotografia, as obras de arte, a música, a dança e todas as formas de expressão criadas (ou que venham ainda a ser inventadas) pelos homens, formam a força vital que há de ser reconhecida, apreciada e utilizada para firmar a educação no Brasil e no mundo.
Com o cinema viajamos pelo tempo e pelo espaço, apreciamos olhares que jamais utilizaríamos se baseássemos nossa experiência exclusivamente nos nossos parâmetros, convivemos com uma grande diversidade cultural, apreciamos contextos e paisagens completamente diferentes daqueles com os quais estamos habituados, verificamos conceitos filosóficos, éticos e religiosos, presenciamos acontecimentos hediondos e também engrandecedores, chegamos a planetas distantes ou as profundezas dos oceanos, damos voz à natureza e cores esfuziantes a existência humana...
Como não aprender com toda essa força a nossa disposição?
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