Reengenharia - 26/07/2017
João Luís de Almeida Machado
“Reengenharia é uma estratégia de mudanças que visam tornar a empresa mais competitiva, através da adoção de medidas que alteram todas as operações e processos, como também em alguns casos, a própria estratégia empresarial. Ocorre a substituição dos processos manualizados por informatizados, e eles são integrados numa única cadeia. Processos que não se adequam as mudanças, são substituídos ou até eliminados. A estrutura organizacional baseada em funções e com vários departamentos e níveis hierárquicos é substituída por um modelo mais ágil e menos burocrático. A reengenharia introduz mudanças em três níveis da empresa: o operacional, o de gestão de processos e o de gestão de negócios.”
Empresas em crise, buscando soluções para seus problemas, passaram a adotar a partir dos anos 1980 e 1990, a chamada reengenharia, ou seja, uma revisão total de processos, meios, ações e, mesmo, realinhamento de seu pessoal, para superar as dificuldades.
E quando se pensa em crise, não se deve pensar apenas em problemas de caixa, financeiros, com queda de arrecadação e dificuldades para realizar pagamentos e promover novos investimentos. Na maior parte dos casos, é certamente a dificuldade financeira que mobiliza as empresas a buscar a reengenharia, mas há também situações em que a empresa percebe antecipadamente o esgotamento de seus mercados e iniciativas, com a possibilidade cada vez mais reduzida de crescer, o impacto de novos competidores trazendo soluções diferenciadas e como o passar dos anos acomodou sua passada e dificultou a sua participação competitiva no mercado. Em outros casos há redefinição de filosofia, estudo de mercado e percepção de novos modelos de gestão, mais ágeis e eficientes, capazes de promover crescimento mais rápido, melhora na entrega de produtos e serviços, redefinição de linha de mercadorias a entregar, enxugamento na oferta de bens para acomodar apenas aquilo que de fato interessa e gera lucro…
Quando pensamos, por exemplo, na Apple no início da década de 1990, pouco antes do retorno de Steve Jobs ao comando da empresa, passando por uma grave crise motivada pela má gestão, com inúmeros produtos e linhas em operação mas sem nenhum diferencial em relação aos competidores, sem que sua marca, que durante o seu início chegou a ser cultuada pelos consumidores, tivesse o mesmo brilho e aceitação, não conseguimos enxergar a mesma empresa que hoje tem seu valor de mercado multiplicado várias vezes e que, ao lançar novos produtos ou versões atualizadas de linhas de sucesso, brilha com grande intensidade.
O que houve? Como a Apple superou seu martírio nos primeiros anos da década de 1990 e retornou ao topo? Foi tudo resultado da ação do gênio Steve Jobs?
Não. Jobs certamente fez diferença por sua criatividade e carisma, mas a empresa voltou a crescer por conta da revisão dos processos, da definição de uma estrutura de trabalho mais enxuta quanto aos produtos ofertados, focando em alguns produtos, cortando uma série de projetos e linhas de produção inócuas que gastavam muito e retornavam pouco ou nada para a empresa. Revisou processos de gestão e também de produção, realocando núcleos produtivos para países onde os custos seriam menores e mantendo nos Estados Unidos o centro nervoso da empresa, no qual as decisões estratégicas e o desenvolvimento de produtos acontece.
Jobs colocou em prática um processo de reengenharia que foi estratégico, minucioso, silencioso e muito eficiente. A Apple não é mais apenas uma empresa do segmento de tecnologia, é “a empresa”, icônica, criativa, celebrada, cujos produtos são amados pelo público, ocasionando filas quando ocorrem novos lançamentos de iPhones, iPads e outros devices.
Conforme explicado no início deste texto, em artigo publicado no site “Administradores”, a reengenharia revê procedimentos em todos os segmentos, em ação orientada por gestores e especialistas, de preferência supervisionada por alguma consultoria externa (isenta e distante do cotidiano, das pessoas, das disputas internas, das preferências e mesmo dos produtos e serviços que fazem parte do cardápio de soluções oferecidas até o momento desta transição), atentos ao que o mercado apresenta como contexto, tentando olhar para o futuro, vislumbrando soluções que respondam não emergencialmente a alguma situação específica, mas para um amanhã de longa duração para a empresa, seus investidores e todos aqueles que ali trabalham.
Neste sentido, a superação de práticas regulares, legitimamente constituídas para o bom funcionamento da empresa em outros contextos, que não mais respondem ao que a empresa, os consumidores e o mercado como um todo esperam, precisam ser, muitas vezes, desativadas; linhas de produtos e serviços, desgastados pelo tempo, necessitam revisão e reestruturação; processos de gerenciamento interno, verticalizados, hierarquizados ao extremo, igualmente acabam sendo revistos e substituídos; o processo de comunicação interno, invariavelmente poluído e cheio de ruídos ao longo do caminho, passa por uma modernização; a atenção ao consumidor, direta ou indireta, com o uso da informação prestada via redes sociais e a constituição de um big data analisado de forma diária, entra no cotidiano das empresas; o fator globalização, que permite visualizar como empresas do mesmo segmento operam em outras nações passa a ser utilizado; os processos decisórios unidirecionais entram em questionamento e colapso, com a atribuição de responsabilidades a equipes e trabalho por projetos e unidades focadas; o atendimento final ao cliente ganha maior destaque, com o uso de expedientes de personalização e respeito a individualidade.
Acima de tudo, como pregam alguns especialistas, o que se oferece ao mercado tem que não só atender as demandas, por vezes até gerar novas necessidades no público, como foi o caso do próprio iPod, criado por Jobs, ou do iPad, lançando mercados que não existiam ou que precisavam de uma reformulação total (o iPod, por exemplo, substituiu os Walkmans, lançados com estardalhaço e grande sucesso pela Sony e outras gigantes do segmento nos anos 1980; o iPad, por sua vez, lançou um novo mercado pois não existiam produtos semelhantes na praça).
É preciso realizar a reengenharia mas, a ela, aliar a criatividade, a coragem, a ousadia, a capacidade de fazer com que todos os envolvidos nos novos procedimentos da empresa em reestruturação entendam, participem, se sintam parte da equipe, vistam de fato a camisa. É preciso que sintam orgulho de estar ali e que percebam seu movimento para além do simples cumprir ordens, bater cartão e receber o salário no final do mês. Quando não há este engajamento, nem mesmo a melhor reengenharia do mundo pode suster uma empresa em seu processo de revisão e reestruturação. Jobs sabia disso e criou uma nova empresa que não é percebida por seus colaboradores e consumidores meramente como uma empresa, mas como algo acima disso, que é cultuado por quem adere aos produtos. Vendem-se não produtos ou serviços, mas estilo de vida, oferecendo algo mais, além de gadgets eletrônicos que muitas empresas assemelhadas igualmente disponibilizam no mercado, há uma experiência superior ao seu utilizar algum produto cujo logo é a maçã de Jobs. Não se devem vender livros, carros, CDs, filmes, comida, remédios ou aulas… Num processo de reengenharia mais amplo e inteligente, as empresas passam a representar e possibilitar acesso a seus “amigos” ou “seguidores” a cultura, mobilidade, música, cinema, gastronomia, saúde, conhecimento…
Nos anos 1980, o circo já estava em crise como segmento de entretenimento, abatido por concorrentes que permitiam outro tipo de experiência, mais acessível e personalizada ao público, como o acesso ao cinema em casa oferecido pelo advento dos videocassetes, por exemplo. A fórmula desgastada havia feito com que várias lonas e picadeiros fossem desativados e que artistas e animais circenses saíssem de cena. O cenário era desolador e muitos empreendedores abandonaram o mercado e foram atuar em segmentos mais promissores, vendendo carros ou remédios, investindo no mercado imobiliário ou tratando de estudar para se realocar dentro do novo contexto. O Cirque de Soleil, surgido em 1984, deu uma incrível guinada neste segmento circense, criando uma nova opção de espetáculo, com artistas sendo recrutados no mundo inteiro, compondo variadas apresentações, assumindo uma postura de empresa globalizada, oferecendo espetáculos fixos em alguns locais (como Orlando ou Las Vegas, por exemplo), adotando a máxima de que o que oferecem deve ser inesquecível para os espectadores e, com toda esta leitura de mundo baseada numa reengenharia do centenário negócio circense, virou uma empresa de grande porte, admirada mundialmente. Reengenharia estruturada sob forte e competente gestão de negócios, com grande criatividade, num segmento aparentemente esgotado, que fez com que malabaristas, palhaços e acrobatas voltassem ao centro do picadeiro e fossem aplaudidos de pé.
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