Excesso de sensibilidade - 17/05/2017
Wanda Camargo
É inegável o avanço que as novas tecnologias trouxeram ao dia-a-dia da maior parte das pessoas em países desenvolvidos ou emergentes, nunca antes a raça humana contou com tanta comida – embora ainda mal distribuída – e tanto conforto material.
A vida parece ter se tornado mais fácil para um grande número de pessoas, e como resultado a resistência psicológica em face de eventos desagradáveis parece tornar-se menor; ocorrências trágicas, tanto em questões materiais – desastres ambientais como inundações, ciclones, incêndios, perdas patrimoniais – quanto nas emocionais, como mortes de pessoas queridas, doenças graves ou situações estressantes, tornam indispensável certa resiliência, tais acontecimentos precisam ser vivenciados e ultrapassados, por mais graves que sejam.
Psiquiatras, psicólogos e médicos relatam a existência de um desejo de fuga de nossas responsabilidades, sob a égide do “sou muito sensível para suportar isso”, “isso” podendo ser uma doença grave na família, algum amigo com Alzheimer, problemas financeiros, o reconhecimento de nossa incapacidade em algumas áreas.
Estamos, como comunidade, sofrendo o que parece ser um excesso de suscetibilidade: não toleramos a menor crítica, não podemos ouvir que cometemos alguma falha, por menor que esta seja; achamos que somos perfeitos, e não admitimos descensos em nossa autoestima. Nas redes sociais apenas mantemos pessoas que pensam exatamente como nós, tem as mesmas opiniões políticas e iguais gostos, e relacionamentos amorosos são desfeitos com incrível celeridade ao menor sinal de “imperfeição” do outro.
Nas atividades profissionais, onde problemas reais podem existir, e muitas vezes são sérios, somos o país com mais demandas jurídicas no planeta, a um ponto de hoje, ao mais ínfimo deslize, alguns empregadores preferirem demitir a tentar conversar com o funcionário sobre o distúrbio acontecido, pois isso pode caracterizar assédio, que existe, e é muitas vezes preocupante, mas será que estamos efetivamente distinguindo o verdadeiro assédio da possibilidade de melhoria que poderia advir da análise dos fatos, com assumpção de eventuais dolos e culpa?
Nas escolas torna-se cada vez mais difícil um professor repreender alunos por comportamentos indevidos ou demonstrações explícitas de mau aproveitamento escolar, a culpa será debitada a ele por supostamente não haver ensinado adequadamente. Estudar, dedicar-se às leituras complementares, esforçar-se para aprender tornam-se ações penosas ou de realização impossível. Preservar o amor próprio do estudante parece mais relevante do que estabelecer como meta a sua aprendizagem, já que ninguém aprende sem acrescentar às aulas um tanto de esforço pessoal. Tal comprometimento está em relação direta com o reconhecimento da própria necessidade de melhoria, ou seja, de que somos imperfeitos e carentes de conhecimento.
Docentes tem sido censurados por abordarem em sala obras de autores reconhecidos, porém escritas em outras épocas, e que hoje, descontextualizadas, são consideradas ofensivas a minorias. É quase como se desejássemos mudar o passado, criando um em que todos éramos irmãos, em tudo harmônicos e solidários, praticando a mais absoluta inclusão sem distinção religiosa, de cor ou de sexo, mulheres sendo ninjas da idade média, com instrução até em artes marciais, autônomas e poderosas, numa realidade em que raras sabiam ler e escrever.
Não é alterando o passado que construiremos o futuro, isso apenas colabora na criação das “verdades alternativas” que tanto combatemos hoje. Ensinar o que verdadeiramente aconteceu implica em discernir os avanços, discutir o caminho percorrido, apontar novas perspectivas.
Aprender não é fácil nem rápido, exige empenho, persistência e correta avaliação das dificuldades a serem enfrentadas, reconhecimento de nossas deficiências, vontade de minorá-las; a ignorância é confortável e nada postula.
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