Cinema na Educação
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Capitão Fantástico - 02/05/2017
João Luís de Almeida Machado

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Capitão Fantástico, Viggo Mortensen

O homeschooling é hoje uma realidade nos Estados Unidos. Há mais de 2 milhões de alunos estudando fora da escola, em suas próprias casas, com seus pais como professores ou tutores. A principal causa, segundo a maioria dos usuários desta modalidade de ensino legalmente sustentada naquele país e em tantos outros, é a deficiência do sistema educacional norte-americano. Há outros problemas, é claro, como as questões relativas a bullying, o acesso a drogas ou ainda a propagação de valores não aceitos por estas famílias. O que se percebe, no entanto, é que, com isso se consolida a rejeição por expressiva quantidade de famílias e estudantes em relação aos métodos e processos das escolas nos Estados Unidos e, também, em outras nações onde o movimento já chegou e ganha força, inclusive no Brasil.

Resgata-se, com isso, práticas ancestrais, que vigoraram, por exemplo, na Antiguidade, entre gregos e romanos, quando tutores eram contratados pelas famílias abastadas, de patrícios ou nobres, para ensinar matemática, latim, ciências e filosofia para seus descendentes.

Educar em casa, dentro deste sistema, proporciona maiores liberdades e oportunidades, apregoam seus defensores e entusiastas, livrando as crianças das amarras de um sistema educacional atrelado a grades, autores, livros e aulas que apenas fazem com que se acomodem e repliquem os valores dominantes.

Por outro lado, o homeschooling pode, no entanto, apesar de algumas obrigatoriedades relacionadas a sua aplicação, como a verificação dos conhecimentos e o atestado de formação em órgãos governamentais, com a aplicação de testes e avaliações, legar uma formação deficiente em alguns saberes em detrimento de outros ou, ainda, ocasionar afastamento dos processos socioeducativos igualmente importantes ofertados pelas escolas em seus ciclos regulares.

Captain Fantastic

“Capitão Fantástico”, filme do diretor Matt Ross, estrelado por Viggo Mortensen em destacada atuação que lhe rendeu prêmios e a indicação para o Oscar, nos coloca em contato com o homeschooling em versão radical, com o pai e a mãe optando por uma formação não apenas fora das escolas convencionais oferecidas pelo estado mas, também, na natureza, vivendo uma existência de contestação ao capitalismo e seus valores, cuidando do corpo e da mente a partir de tenra idade, trazendo filosofia e literatura de alto nível para crianças e adolescentes e os fazendo compreender conceitos complexos ou ainda se preparar para sobreviver, literalmente, na floresta.

Mais do que a formação fora dos estreitos limites impostos pela sociedade, o que pai e mãe proporcionam aos filhos é uma experiência radical num mundo totalmente conectado. Não há telas de TV ou internet, o que os pais disponibilizam aos filhos é a natureza e o conhecimento humano mais refinado oferecido em livros. Lê-se Marx e Dostoievsky e é preciso discutir o que eles defendem. Noam Chomsky é tão importante que tem até uma data comemorativa em seu nome ao invés de se celebrar o Natal, por exemplo, igualmente alvo de questionamentos e críticas pelos pais que, desta forma colocam em xeque não só os valores sociais, mas também as crendices e os dogmas religiosos.

Filme vigoroso, “Capitão Fantástico”, com atuações que impressionam por parte das crianças que vivem os filhos do personagem central, é uma produção que precisa ser assistida por suas evidentes qualidades fílmicas e que, além disso, nos oferece a possibilidade de pensar, questionar e refletir sobre como estamos vivendo hoje e, de que forma isso repercute para as novas gerações.

Matt Ross

O Filme

Ben (Viggo Mortensen) e seus filhos vivem intensamente a liberdade. Moram na floresta. Caçam, pescam ou coletam seus alimentos. Dormem em tendas, como os índios. Vendem produtos como mel para ganhar algum dinheiro nas vendas da cidade mais próxima e, com isso, comprar alguns recursos necessários à sua sobrevivência.

São, no entanto, mais do que uma versão atual de Robinson Crusoé a sobreviver na natureza. Estudam Platão, Noam Chomsky, Marx, Dostoievsky e outros grandes pensadores e escritores da humanidade. Falam sobre a Declaração de Independência ou sobre direitos humanos como estudiosos de longa data. Questionam o capitalismo e suas injustiças. Vivem como reis filósofos, conforme pensado pelo próprio Platão em suas célebres obras.

Mas onde está a mãe destas crianças. Porque somente o pai está por ali. Ela concordou com tudo isso? Sim. Ela é tão responsável quanto o pai por esta incrível escolha de vida para sua prole. Só que ela ficou doente e precisou sair da natureza para ser tratada em hospital, próxima a seus próprios pais, para que tivesse alguma chance de se recuperar. Enquanto isso a vida segue no meio do mato, com leituras e atividades físicas, caçadas e pescarias, discussões filosóficas e idas a cidade para a venda de produtos.

O problema é que a mãe das crianças acaba morrendo e surge uma nova missão, ir ao enterro dela, a despeito da franca oposição dos pais dela que não querem o genro por perto, a quem culpam por sua doença e consequente falecimento. Ameaçam prendê-lo e, ainda, legalmente obter a guarda de todos os netos...

Um filme diferente, inteligente e desafiador, este é “Capitão Fantástico”, com atuações destacadas de todo elenco, em especial de Mortensen e das crianças que fazem seus filhos na trama. Para ver e rever.

Comédia dramática

Para Refletir

1- O que é o homeschooling? Para os educadores pode significar não apenas um modelo de ensino e aprendizagem adicional ao que já é oferecido por instituições públicas ou privadas. Trata-se, na realidade, de um franco e crescente questionamento a própria existência de escolas. O que está em jogo quando as próprias famílias se organizam para fazer o papel de professores de seus filhos? Movimentos como este são importantes para repensar o próprio conceito de escola, rever princípios, quebrar paradigmas, reformular práticas e ações que, com o passar do tempo, já não respondem as demandas sociais. Assistir “Capitão Fantástico” e passar por estes questionamentos evidentes ali apresentados é algo que não pode ocorrer entre os educadores verdadeiramente sintonizados com a necessidade de se oferecer uma escola realmente ligada aos interesses da sociedade.

2- A leitura de expoentes da literatura universal ou de grandes tratados filosóficos como apresentada no filme, de Nabokov a Nietzsche, por exemplo, confronta-se com a dinâmica da educação tradicional, em que o nível de complexidade aumenta de acordo com a faixa etária e os anos de vida escolar das crianças e adolescentes. Ainda assim, a despeito de alguns exageros ou liberdades artísticas percebidas no filme, ficam sempre questionamentos no sentido de que, por outro lado, a escola suaviza demais o percurso literário de seus alunos e, na maioria dos casos, acaba nem mesmo lhes oferecendo a oportunidade de saber quem foram estes escritores e pensadores ou, ainda, de ler suas obras. Por onde ir numa questão como esta é algo que precisa ser pensado e discutido nas escolas, sem exageros de parte a parte, ou seja, nem tanto ao céu, nem tanto a terra...

3- Viver na natureza é um tema que já foi tratado por obras clássicas como “Robinson Crusoé” de Daniel Defoe, “O livro da Selva” de Rudyard Kipling, “Tarzan” de Edgar Rice Burroughs, ou ainda “Walden” do filósofo americano Henry David Thoreau. Há também versões cinematográficas destas obras literárias ou os impactantes “Na natureza selvagem”, filme de Sean Penn, estrelado por Emile Hirsch e “A Costa do Mosquito”, do diretor Peter Weir, com Harrison Ford à frente do elenco. Para entender melhor o tema é sempre interessante ler e ver estas outras obras.


Veja o trailer do filme


Ficha Técnica

Filme: CAPITÃO FANTÁSTICO

Título original: Captain Fantastic

País/Ano: EUA, 2016

Duração: 118 minutos

Gênero: Comédia dramática

Direção: Matt Ross

Roteiro: Matt Ross



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