A Semana - Opiniões
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

A cultura estabelecida e seus entraves a uma melhor educação - 17/04/2017
João Luís de Almeida Machado

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(latinos, asiáticos e afrodescendentes

A escola brasileira vive um momento de questionamentos e busca renovar-se para atender as demandas de uma nova realidade, num mundo conectado e globalizado, no qual antigas respostas já não satisfazem, não atendendo as expectativas sociais e econômicas.

Reformas educacionais propostas por órgãos governamentais são promovidas, mas até que ponto atendem estas demandas? Os novos rumos do Ensino Médio, por exemplo, respondem aos anseios e necessidades de estudantes, professores, gestores e das comunidades atendidas? A criação da Base Nacional Curricular Comum, em finalização, ainda que aberta a diálogos com a sociedade, responde as premências deste novo mundo ou está atrelada a valores e interesses específicos e, com isso, perde sua legitimidade antes mesmo de entrar em vigor?

Repensar a escola e reformular suas bases operacionais, ainda que para isso exista o apoio de profissionais especializados, estudiosos que examinam as perspectivas nacionais e globais, diálogo com grupos de interesse, estudo de casos, viagens para verificar in loco como operam hoje os países com melhores resultados mundiais auferidos em educação e tantas outras ações são de fundamental importância.

Há, no entanto, um passo decisivo a ser dado que passa, necessariamente, pela desconstrução daquilo que é a cultura estabelecida, baseada em valores e práticas, ações e metodologias estruturadas dentro de uma dinâmica dos séculos XIX e XX.

A sala de aula precisa ser repensada desde o seu design estrutural até, é claro, sua didática e a consequente prática de ensino, passando por inúmeros elementos, por exemplo, uma gestão mais inteligente e consequente de meios, recursos e equipes; pensando e propondo ações com tecnologia educacional que não apenas repliquem o que se já se faz em salas de aula, desperdiçando o potencial destes novos recursos; criando ações de coaching de professores mais experientes e bem sucedidos em suas práticas para que, juntamente aos professores que estão ingressando na carreira, compartilhem práticas e também aprendam com as novas gerações; estruturando ações motivacionais juntamente aos alunos; revendo e propondo uma nova relação da escola com a comunidade, trazendo os pais e responsáveis para conselhos e reuniões regulares ou abrindo a escola para formações juntamente as famílias...

Há inúmeras práticas de qualidade sendo criadas ou reestruturadas pelo mundo afora que precisam ser percebidas, estudadas, adaptadas, realizadas e constantemente analisadas e monitoradas nas escolas do Brasil.

O problema, muitas vezes, é que há um obstáculo de caráter cultural de grandes proporções a nos impedir reais avanços em mudanças preconizadas para a educação e outras áreas de interesse estratégico para o futuro do país.

Enfrentamos uma cultura estabelecida, dominante, de caráter cartorial, burocrática, estamental, herdada de anos, décadas e, mesmo, séculos se considerarmos que é um legado maldito da colonização portuguesa.

Aprendemos a reclamar dos serviços ruins, de qualidade baixa e duvidosa; saímos as ruas, bradamos a favor de reformas, no entanto, nesse movimento todo, por conta desta herança mencionada, nossas cobranças direcionam-se aos outros, em especial a governos e autoridades públicas. Esperamos mudanças a partir de nosso clamor, mas paramos aí, cruzamos os braços e não agimos em prol destas necessárias alterações.

É preciso fazer a mea culpa e perceber que a sociedade civil é tão responsável pelos problemas que vemos em educação, saúde, segurança pública e outras áreas, quanto os políticos e gestores municipais, estaduais e federais. Os governantes são escolhidos por nós, devem ser fiscalizados, cobrados e, em caso de resultados ruins, corrupção, prejuízo para a sociedade, abuso de poder e outros males verificados, são passíveis de cassação de mandato e perda do cargo a eles atribuído por cada um de nós.

Esperar, no entanto, e não cobrar e fiscalizar, são apenas parte do problema percebido...

O pior no tocante a esta questão cultural é, no Brasil, não agirmos de forma consistente na busca de soluções, parcerias, encaminhamentos por outras vias, empreendimentos fora do setor público que viabilizem a correção de erros e problemas verificados.

Pensamos sempre que “estamos fazendo a nossa parte” quando, na realidade, estáticos, não estamos cumprindo com aquilo que nos cabe enquanto cidadãos. A consciência e a criticidade de nada valem se o máximo de mobilização que nos permitem é a reclamação e a constatação da dor e, não a ação para resolver os problemas e solucionar as questões que se colocam perante cada um de nós.

No universo da educação é comum vermos, por exemplo, professores ou gestores que constantemente reclamam que o estado não entregou recursos para que a escola funcionasse como deveria, do básico ao mais tecnológico, falta um pouco de tudo em escolas públicas. Há relatos de escolas em que não há carteiras ou mesmo de locais que não podem trabalhar porque há falta de energia ou água.

Não devemos deixar de cobrar as autoridades, é claro, mas o que pode ser feito para que as escolas funcionem da melhor forma possível?

Que tal começar com a abertura de frentes de diálogo regulares com a comunidade para trazer à tona estes problemas e, unidos com pais e responsáveis, tornar tais demandas públicas, com o estabelecimento de ações judiciais, reclamações em sessões legislativas, envio de comissões para reuniões com os representantes do poder executivo ou, mesmo, destacar as questões por meio da mídia visando tornar ainda mais alto o brado que todos têm em seus corações e mentes?

Não se pode parar por aí...

A comunidade como um todo, de gestores e professores a pais e alunos, passando por funcionários das escolas e quem mais se dispor a trabalhar por esta nobre causa, ou seja, por uma escola melhor e mais eficiente para as crianças e adolescentes do bairro ou do município, por exemplo, pode buscar apoio de empresas, ONGs, comerciantes locais ou, mesmo, com doações individuais, para resolver situações mais imediatas, como a limpeza da escola, a iluminação, a segurança, a pintura do prédio, banheiros limpos, água corrente disponível, merenda escolar de qualidade, recursos de suporte para informática, manutenção de equipamentos...

Tudo o que for gasto pode e deve ser computado em planilhas para que esta documentação se torne um meio para buscar o ressarcimento do estado ou do provedor específico em questão, quando o investimento vier diretamente da própria comunidade, com doações mensais de famílias da localidade.

Para empresas e ONGs há benefícios fiscais ao se associarem a projetos das escolas e auxiliarem com verbas, recursos, mão de obra e projetos que permitam uma melhor educação naquela instituição de ensino. E há, felizmente, projetos que já existem ou que podem ser criados juntamente a corporações e organizações não-governamentais para melhorar a qualidade da educação no país.

Como descobrir isso? É preciso gastar sola de sapato, como se diz na gíria popular, ou seja, bater nas portas de quem pode ajudar e buscar apoio, propor soluções, fomentar parcerias, criar esta nova escola que todos querem.

Superar a barreira cultural, de base cartorial e burocrática, que engessa nossas ações e nos faz apenas reclamantes daquilo que é direito e dever de todos, no entanto, demanda união entre os educadores (e neste grupo estão todos que fazem o dia a dia da escola, dos funcionários da manutenção aos professores, passando pelos colaboradores administrativos e os gestores), os estudantes (que precisam ser parte ativa do processo, responsáveis também pela escola melhor que desejam) e demais membros da comunidade, em especial os pais e responsáveis.

É preciso ter metas claras, trazer as proposições a partir de projetos, contar com a participação geral e a democrática escolha das ações a serem desenvolvidas e priorizadas, buscar os caminhos legais para sua implementação, cobrar as autoridades e, estabelecer as necessárias parcerias para que as coisas realmente aconteçam.

Em evento recente com profissionais de escolas brasileiras e estrangeiras tive a oportunidade de ouvir o relato de um diretor de escola que realiza um notável projeto em unidade de ensino pública, através do qual atende minorias (latinos, asiáticos e afrodescendentes) oriundas de outras unidades de ensino igualmente mantidas pelo estado que, na maioria dos casos, são alunos com baixa autoestima, resultados escolares prévios ruins, problemas socioeconômicos, famílias muitas vezes desestruturadas. Ele explicou que o público-alvo é este mesmo e que, em sua escola a meta é fazer com que estes alunos, em 4 anos de ensino médio, consigam entrar em universidades e, com isso, superar o estigma social e o futuro nebuloso que se apresenta para eles.

Acreditar em cada um dos alunos e em todos, traçar metas ambiciosas - mas realistas, trabalhar a autoestima, fornecer elementos para que os alunos aprendam a aprender, ter um time de professores que acredita no projeto da escola e trabalha fortemente para que tudo aconteça, realizar parcerias com empresas e ONGs e contar com o apoio da comunidade, constituem a base de sua ação. O objetivo é o de que 100% destes alunos entrem em cursos superiores. Até o momento a meta ainda não foi cumprida, eles atingiram 99% daquilo que perseguem e, com isso, continuam obstinados nesta trajetória...

Faça do seu sonho a realidade que está diante dos seus olhos. É mais que possível e depende somente de suas forças e da capacidade de reunir os talentos e trabalharem todos para que o “impossível” aconteça, superando as descrenças e a cultura dominante que só nos lega atraso e fracassos.



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