A nova ordem geopolítica e seus extremismos - 05/01/2017
João Luís de Almeida Machado
O ano de 2016 se encerra trazendo em sua retrospectiva uma série de acontecimentos que permitem aos especialistas perceber o surgimento de uma nova ordem mundial. O assassinato a sangue frio de um diplomata russo por um ativista do Estado Islâmico e o atentado terrorista ocorrido em Berlim num movimento centro de compras durante o período pré-natalino seguindo padrões do que já ocorrera no mês de julho, em Nice, na França, com um caminhão sendo atirado na direção de populares são apenas alguns indicadores do mundo em que vivemos.
É claro que as linhas que prevalecem hoje estão associadas a ações e eventos passados como a globalização econômica ou o ataque as torres do World Trade Center em Nova York, cuja repercussão persiste até hoje e estimula tanto os radicalismos religiosos e o terrorismo quanto o individualismo, a competição capitalista extrema, os nacionalismos latentes, o êxodo populacional de contingentes de pessoas fugindo de guerras ou de crises econômicas crônicas e a xenofobia.
A ascensão de líderes associados a direita, a falência dos modelos populistas em países da América Latina, os casos de corrupção entre as lideranças esquerdistas e a internet com suas câmeras a dar vazão aos 15 minutos de fama, preconizados por Andy Warhol nos anos 1960, são igualmente marcas fortes da geopolítica mundial que se desenha para os próximos anos.
A morte de Fidel Castro em 2016, precedida pela reaproximação de Cuba em relação aos EUA, com mediação inicial do Papa Francisco, já indicavam mudanças consideráveis no tocante as relações internacionais. A globalização e o neoliberalismo derrubavam uma das últimas barreiras estabelecidas a sua plena vitória.
Esta vitória, no entanto, desde os anos 1990, por conta dos conflitos que contaram com o envolvimento dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão, nunca foi completa. O extremismo islâmico com a Al Qaeda e, mais recentemente, com o Estado Islâmico, por meio de atentados terroristas em diferentes países e continentes, manchou de sangue a trajetória célere do capitalismo global após a queda do Muro de Berlim e a derrocada da União Soviética.
Os russos, por sinal, continuaram muito ativos no cenário internacional e não deixaram o protagonismo. Adotaram outras estratégias, continuam sentados num arsenal bélico e em armas atômicas de destruição de massa, assistiram a ascensão de capitalistas locais que investiram alhures, inclusive nos maiores mercados europeus, como a Inglaterra, a França e a Alemanha e, para completar, tem em Vladimir Putin um líder que, se não é carismático ou diplomático, impõe-se no cenário mundial como um representante forte dessa instável e belicista (como ele) nação russa, peça-chave na geopolítica mundial.
A Rússia e a China, por sinal, jamais deixaram que os Estados Unidos pudessem sentir que sua hegemonia era plena. Enquanto os russos com Putin jogaram suas fichas no poderio bélico e assumiram o protagonismo em acontecimentos importantes no cenário europeu, como na Chechênia e mais recentemente na Turquia, ou no Oriente Médio, em especial na Síria, os chineses priorizaram a economia mundial e o oriente como cenário para seu poderio geopolítico.
A economia mundial hoje não percebe apenas os norte-americanos como capitães da esquadra ou locomotiva que move o mundo, os chineses abocanharam mercados que eram até então exclusivos do Tio Sam, pareando com empresas fortes e tradicionais americanas e ultrapassando-as, em muitos casos, ao oferecer produtos que não causam hoje mais desconfiança e estranheza, ainda que, na comparação com aquilo que é feito nos EUA, Japão ou Alemanha, sejam percebidos pelos consumidores como cópias bem feitas do que grandes marcas destes e de outros países oferecem.
A diferença está no preço e, em assim sendo, os chineses passaram a perna em tudo aquilo que é “made in países ricos e tradicionais” e está se consolidando como a meca da produção e venda no mercado global. Seus baixos custos fazem com que, inclusive, a produção de importantes fabricantes europeus e americanos sejam para lá transferidas. Isso acaba ajudando em seus custos mas causando um desequilíbrio interno para os próprios países já que vagas de emprego se fecham. Se não bastasse, esta intensa produção chinesa, associada a dos EUA, continua a ameaçar o meio-ambiente, mesmo que tratados tenham sido assinados (ameaçados agora pelo governo de Donald Trump) e, principalmente pela letargia em relação a sua aplicação.
Se não bastasse isso, há o êxodo de milhares de imigrantes de países em guerra ou crise infindável em regiões pobres do Oriente Médio, África e América Latina rumo aos gigantes europeus, em especial a Alemanha, por sua robustez econômica, e a Itália, pela proximidade geográfica via mar Mediterrâneo, ou em direção aos Estados Unidos e ao Canadá, como imigrantes ilegais.
Estes novos habitantes significam mão de obra que irá competir pelas vagas de trabalho remanescentes, para pessoas com baixa ou nenhuma formação. Adicione-se a isso os custos sociais que representam para os estados que os recebem, legal ou ilegalmente, e a entrada de elementos associados a movimentos extremistas, minoria que se infiltra e pode causar contratempos, desde casos isolados até ações planejadas e executadas milimetricamente a partir de grupos como o Estado Islâmico, e o barril de pólvora se acende para as vítimas desta ação, para as nações que os recebem e, socialmente, com o desenrolar de bandeiras nacionalistas extremadas ou mesmo da xenofobia.
A eleição de Trump, a saída da Inglaterra da União Europeia a partir de escolha feita pela população em plebiscito popular e o crescimento da candidata da extrema direita na França, Marine Le Pen, para as próximas eleições são evidentes sinais desta onda conservadora e nacionalista que, em sua esteira, reverbera entre minorias radicais xenófobas que vão as ruas ou nas sombras agem sorrateiramente na perseguição aos estrangeiros por eles identificados como inimigos.
Os radicalismos são sentidos mundo afora, inclusive no Brasil, que vive o seu inferno astral político a partir de denúncias, inquéritos, processos e investigações a desnudar a corrupção endêmica, os projetos de poder e a falência moral de partidos políticos e seus representantes. O Brasil que se prenunciava grande e promissor há 3 ou 4 anos atrás minguou e, após ser vergonhosamente rebaixado em agências de risco que avaliam o potencial de investimento em nações do mundo todo, está sendo passado a limpo, com autoridades até bem pouco tempo idolatradas ou aparentemente inquestionáveis, indo para a cadeia ou perdendo os direitos políticos. A crise econômica, chamada em seu pior momento global de “marolinha” pelo ex-presidente Lula, agora alvo de vários processos, traz nuvens no cenário mais imediato do país e, nem mesmo o impeachment de Dilma Rousseff parece ter assentado os ânimos e colocado o país nos trilhos. A esperança é a de que o judiciário faça prevalecer a lei e auxilie o país em sua reconstrução e saneamento, já que o legislativo também se vê manchado de forma indecorosa pela corrupção endêmica, com o envolvimento de grande quantidade de parlamentares nos negócios escusos envolvendo empreiteiras ou a Petrobras, entre outros casos que povoam a mídia e os tribunais.
O crime do colarinho branco não é exclusividade brasileira. Denúncias contra outros líderes latino-americanos, como Christina Kirchner, ex-presidente da Argentina, e Nicolas Maduro, herdeiro político do chavismo na Venezuela, são igualmente alvos de ações em seus países ou fora deles por conta dos prejuízos imensos causados a população e a economia de seus países.
Resta-nos acreditar que lideranças como a do Papa Francisco ajudem a amenizar as dores e permitam ao mundo, nesta nova geopolítica em que tantas dores e feridas estão expostas, marcadamente consumista, egoísta e extremista em questões importantes como a economia, a política e os aspectos sociais, consigam mais espaço e triunfem em seus projetos e ações. Serão anos de vacas magras e disputas intensas os que se prenunciam nesta nova ordem geopolítica caótica que se preconiza no horizonte...
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