Bem-vindo a Marly Gomont - 30/11/2016
João Luís de Almeida Machado
O preconceito é, certamente, uma das maiores provas da ignorância humana e, ao mesmo tempo, configura-se, em suas diversas formas de manifestação, em agressão que, via de regra, merece e é passível de medidas legais cabíveis. A discriminação, seja ela, por qual motivo se estabelecer, é uma chaga a ser combatida mundialmente. Este combate, no entanto, não deve ocorrer somente na esfera jurídica, com o uso de aparato policial ou legal para que os eventuais envolvidos em tais atos, sejam eles de caráter racial, de gênero, religioso, político ou de qualquer outro viés, não apenas sejam punidos, mas instruídos, educados e preparados para a vida numa sociedade múltipla.
É importante, neste sentido, frisar que é justamente a enorme biodiversidade percebida entre os seres humanos que nos torna mais ricos e poderosos, conforme já afirmei previamente.
Nem sempre a história registra em seus anais momentos de embate grandiosos relacionados a questões ligadas ao preconceito e a discriminação. Há situações cotidianas, no silêncio de lares, empresas, cidades ou mesmo países, em que ocorrem, infelizmente, atos de tal natureza.
Por vezes, como relatado no filme “Bem-vindo a Marly-Gomont”, é possível perceber que a principal força a alimentar tais atos hostis em relação as diferenças percebidas quanto a outros seres humanos, é mesmo, o desconhecimento, a falta de informação, o medo daquele que é diverso em relação ao que as pessoas conhecem, por isso, atos de intolerância acabam surgindo e sendo alimentados.
A sociedade apresenta em seu funcionamento diário, sem que nos manifestemos, inúmeros casos de discriminação, intolerância ou racismo. O simples fato, bastante corriqueiro, de mulheres que ocupam a mesma função de homens no ambiente de trabalho, sem qualquer outro motivo senão o gênero, receberem salários inferiores, comprova esta tese.
O Brasil, onde prevalece o conceito de Gilberto Freyre, eminente sociólogo pernambucano que estudou a fundo as raízes do povo brasileiro e cunhou a célebre expressão “homem cordial” para representar o brasileiro, esconde debaixo do tapete as relações raciais conturbadas que, em pleno século XXI, para a tristeza da grande maioria do povo brasileiro, ainda existem e deixam tristes retratos no cotidiano nacional como a predileção das autoridades policiais em identificar jovens pardos, mulatos e negros como os principais suspeitos de crimes e submetê-los desta maneira a situações por vezes, injustas e indignas somente por conta da cor de sua pele.
Isso não acontece somente por aqui, como podemos perceber quando assistimos “Bem-vindo a Marly-Gomont”, caso real trazido das crônicas do dia a dia francês nas décadas de 1970, 1980 e 1990, até este século, quando da morte do protagonista, o médico Seyolo Zantoko. O filme, no entanto, trabalha a questão de forma suave, misturando o drama vivenciado pelo médico africano e sua família, com situações em que a ignorância da população local se torna até mesmo cômica, daí sua classificação como drama e comédia. Uma produção para ser apreciada e digna de nos mobilizar a pensar e resolver estes dilemas que ainda perduram relativos ao preconceito, discriminação e racismo.
O Filme
“Bem-vindo a Marly-Gomont” é uma produção francesa de 2016, do diretor Julien Rambaldi, com elenco pouco conhecido, que nos conta uma história verídica ocorrida nos anos 1970. Marly-Gomont é uma pequena vila rural francesa que naquela década tinha grande dificuldade em conseguir um médico que por lá se estabelecesse de forma definitiva para atender sua população.
Numa reunião de formandos em medicina o prefeito da localidade busca um novo doutor que se submeta a viver num local simples, formado basicamente por produtores rurais, sem grandes atrativos culturais ou mesmo opções quanto a restaurantes. Encontra entre os recém-formados um médico africano, o doutor Seyolo Zantoko (Marc Zinga), proveniente do Congo, que para garantir sua permanência na França e trazer para o país sua família, aceita o desafio. O que ele não desconfia é que por conta de sua origem e cor da pele a sua estadia e aceitação pela população local não será nada fácil. A família do jovem médico irá, também, passar por dificuldades nesta adaptação pois nem imaginava para onde estavam sendo levados. Uma história de superação, com temática difícil, no caso, o preconceito velado que impera em algumas localidades, resultado principalmente da baixa escolaridade e nível de informação.
Para Refletir
1- Como a lei brasileira se posiciona quanto ao racismo, a discriminação e a intolerância? E em outros países, o que acontece com quem persegue pessoas por sua etnia, cor da pele, religião, gênero, preferência política e outros temas? É importante ampliar o conhecimento, verificar casos destacados ao longo da história e mais recentes, perceber a dor de quem é alvo de tal tipo de ação discriminatória e, mais importante, ajudar a combater qualquer ato de intolerância e discriminação percebidos.
2- Os Estados Unidos e a África do Sul no período do Apartheid foram sempre os principais contra-exemplos, por conta da perseguição exercida por minorias radicais, como a Ku Klux Klan e o próprio sistema jurídico excludente criado no país africano pela minoria branca que comandava a nação. “Bem-vindo a Marly-Gomont” mostra uma situação específica ocorrida na França. E em outras nações, mesmo em países desenvolvidos como Alemanha, Inglaterra, Itália, Japão e outros, que histórias há para contar e demonstrar que, infelizmente, esta chaga está, em maior ou menor proporção, em todo o mundo?
3- A questão dos refugiados políticos que fogem da opressão de grupos islâmicos radicais como o Estado Islâmico ou a Guerra na Síria constitui um caso a ser estudado tendo em vista a repercussão a favor e contra percebida mundialmente, em especial, em países europeus que, estando próximos, são os principais destinos destas pessoas em seu êxodo de sua terra natal. Qual tem sido a tônica dos discursos e a política adotada por eles quanto a abertura ou não de suas fronteiras para estes imigrantes? Busque informar-se e perceba se nesta situação se configuram ou não casos de intolerância ou preconceito.
Veja o trailer do filme
Ficha Técnica
Filme: Bem-vindo a Marly-Gomont
Título original: Bienvenue a Marly-Gomont
País/Ano: França/Bélgica, 2016
Duração: 93 minutos
Gênero: Comédia/Drama
Direção: Julien Rambaldi
Roteiro: Julien Rambaldi, Benoit Grafin e Kamini Zantoko
Elenco: Marc Zinga, Aissa Maiga, Bairon Lebli, Medina Diarra, Rufus, Jonathan Lambert, Stephane Bissot, Jean-Benoit Ugeux, Nissim Renard.
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