A cintilante ordem no caos - 28/11/2016
Leandro Alcerito
Nosso cérebro é ávido por informação. Isso é um fato inegável em nossa linhagem evolutiva. Somos seres naturalmente selecionados para sermos curiosos, investigativos e ansiosos por aquela dose de adrenalina que a próxima surpresa nos dará. Mas agora, o que em durante milhares de anos foi um dos muitos fatores do nosso sucesso no jogo da sobrevivência transformou-se, no século XXI, em um dos maiores desafios para a manutenção de nossa convivência em sociedade.
Também, mas em proporção maior e mais acelerada, nossa tecnologia evoluiu a ponto de não nos lembrarmos como tarefas simples que vão desde brincar, comer, até nos comunicar eram possíveis sem sua mediação. Proponho um exercício antropológico simples: vá a um local público, onde as pessoas deveriam estar concentradas em uma tarefa básica indispensável como, por exemplo, comer, e verifique quantas estão “conectadas” em algum tipo de dispositivo. Você não terá nenhuma surpresa, porque já sabe a resposta. Muitas delas estarão com os dois olhos e uma mão na tela, enquanto a outra mão padece do trabalho solitário de alimentar o cérebro em fúria de informações.
Desta combinação de realidade hiperconectada com um cérebro ávido de informações, surge nosso novo obstáculo evolutivo – como manter a concentração e a calma diante de tanta e tão presente carga de informações? Aqueles que se auto intitulam “multitarefa” dizem dar conta do recado, fazem um pouco de tudo ao mesmo tempo, mas mesmo para estes há um limite; sem mencionar o grau de profundidade com que trabalham cada informação... A superficialidade acaba sendo a principal característica da conversa, da leitura, do texto, do vídeo, da vida, tudo em nome da ansiedade de “dar conta do recado”. Para piorar, imagine todos esses dilemas e cobranças num cérebro em plena crise de identidade, cheio de dúvidas e emoções a serem resolvidas sob uma pressão social enorme – é duro ser adolescente no século XXI. “Dar conta” da autoimagem num contexto que a hipervaloriza, não é fácil.
Sentindo e presenciando adolescentes cada vez mais aflitos, estressados, ansiosos, deprimidos e incapazes de manter o foco em qualquer coisa, até mesmo no que gostam, decidi criar um momento de experimentação, apontar um caminho possível e que poderia ajudá-los a enfrentar esse enorme desafio pessoal para o século XXI. Organizei uma sequência de trabalhos que envolvesse criatividade, organização e mindfulness, regado a música, pintura, literatura e um toque de ficção científica, com o propósito de mostrar ao aluno uma forma de encontrar foco e concentração em momentos de ansiedade, estresse, depressão, entre outros sentimentos impeditivos de uma atividade produtiva.
Sintetizando ao máximo e na tentativa de mostrar o quadro geral da atividade, os passos e eventos desenvolvidos foram os seguintes: 1º) apresentação de um contexto sócio cultural que despertasse a curiosidade do aluno – os temas escolhidos foram o pintor Jackson Pollock, a Geração Beat e o filme “Blade Runner – O Caçador de Androides”; 2º) estabelecimento da inter-relação entre esses elementos – os pontos escolhidos foram o Jazz dos anos 40, algumas frases de articuladores importantes da Geração Beat e uma cena de “Blade Runner”; 3º) vivência de uma técnica de mindfulness – ao som de Vangelis. Depois de tantas informações e hipertextualidades, propõe-se justamente uma técnica que devolva o foco e a concentração ao aluno; 4º) produção de material – os alunos são convidados a pintar como Pollock, utilizando a técnica de “dripping painting” ao som de jazz dos anos 40 e, 5º) análise do percurso – os alunos são desafiados a sistematizar e classificar sua produção, junto às de outros colegas, bem como a refletir o impacto da técnica de mindfulness na aquisição das informações e no rendimento da produção.
O resultado foi surpreendente, não porque a atividade deu certo, mas sim por ouvir de muitos alunos que aquela experimentação em mindfulness realmente surtiu efeito. A mente deles se acalmou e eles conseguiram produzir com mais clareza e profundidade. Alguns se interessaram pela técnica e pediram mais; indiquei livros e profissionais que poderiam ajudá-los, mas, sobretudo percebi que no mundo caótico destes meninos e meninas, pelo menos por um instante, se acendeu um ponto cintilante de esperança, uma prática que poderia levá-los a ultrapassar esse desafiador mundo da informação. E, afinal, para que serve uma aula senão para mostrar diferentes formas de vencer o mais importante dos obstáculos ao nosso sucesso: nossos próprios limites?
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