Por passos mais lentos e firmes - 17/11/2016
João Luís de Almeida Machado
“Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte
Mais feliz, quem sabe
Só levo a certeza
De que muito pouco sei
Ou nada sei...”
(Tocando em frente, composição de Almir Sater)
E por que toda essa pressa?
Horas, minutos, segundos a nos acelerar o passo. Correndo eternamente contra o relógio.
Desaprendemos as lições da tartaruga em sua corrida contra o coelho, na célebre fábula de Esopo.
A velocidade que nos impulsiona pode, tantas vezes, nos fazer perder o foco. A necessidade de transformar o tempo disponível em algo além daquilo que é de fato ou que realmente temos em nossas mãos pode provocar estragos irreversíveis.
Sempre perseguimos algo, alguém, alguma ideia ou projeto. Não há nada de errado nisso. O que se alterou foi a urgência desmedida aplicada a tudo o que fazemos. Não há tempo para a maturação de nossas trajetórias. Estamos simplesmente atropelando tudo o que se coloca a nossa frente.
A infância, a adolescência, a juventude a idade adulta... todas fases naturais relacionadas ao desenvolvimento humano. Lutamos hoje contra elas como nunca fizemos antes em nossas vidas, para que sejam superadas antes do previsto, alimentando sonhos que deveriam ser almejados ou trabalhados somente alguns anos depois.
Hoje vemos crianças sendo encaminhadas para afazeres que visam prepara-las para o futuro, como por exemplo estudar em escolas mais fortes, aprender mandarim ou inglês antes do tempo, acessar e usar tecnologias de forma muito precoce...
Por vezes estas crianças ou adolescentes são mandados para escolas distantes, que lhes fazem dispender horas em transporte, distantes de seus familiares, perdendo contato, referências e, principalmente, afeto. Tudo para se tornarem “bonecos de pau”, autênticos Pinóquios, conforme já previa o saudoso e sábio Rubem Alves em seu célebre conto “Pinóquio às avessas”.
Criança que não brinca, adolescente sem os pais por perto para amar e orientar, jovens sem rumo certo num mundo cada vez mais incerto e inseguro. Toda a pressa, afinal, para quê?
Para termos uma geração de pessoas padecendo de males como o estresse, a ansiedade, crescente insegurança, síndrome do pânico ou depressão?
Os casos aumentam e a certeza de que há algo a se fazer urge entre as famílias, os educadores e a sociedade, ao menos entre aqueles que estão atentos a tudo isso, percebendo as dores e as mazelas de seus filhos, sobrinhos, alunos...
“Ando devagar porque já tive pressa” demanda maturidade que não cresce no peito ou floresce na mente da noite para o dia. Do mesmo modo que hoje em dia tentamos antecipar os processos naturais, fazendo com que plantas ou animais vivam conforme leis e alterações trazidas por meio da genética criada em laboratórios e observamos as consequências deste movimento não natural, nas nossas casas, cidades e países, silenciosamente operamos transformações que alteram o fluxo sanguíneo, mexem com a estrutura corporal, incomodam os neurônios, afetam as sensações e atentam contra o equilíbrio e a harmonia perseguidos para o corpo e a mente das pessoas.
É preciso repensar a vida, rever conceitos, diminuir o ritmo, subir as escadas mais lentamente para realmente chegar aonde se espera. O que é certo, afinal, quando vemos tudo o que ocorre ao nosso redor, nos permitindo o devido tempo para isso, oxigenados devidamente, é que por mais que aparentemente saibamos, como nos diz Almir Sater em sua bela canção, retomando o sábio ensinamento socrático é que “muito pouco sei” ou, ainda, que “nada sei”...
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