O sonho e seu limite - 01/11/2016
Wanda Camargo
Em entrevista recente, Edgar Morin, um dos mais influentes nomes na área educacional, declarou que para podermos contar com boas instituições de ensino superior, “antes de mais nada, é não se deixar contaminar pela lógica da empresa. Uma universidade não é uma empresa, é como um hospital, a lógica não é a do lucro, não é a dos benefícios, não é a do equilíbrio orçamentário, é outra lógica”.
Não há como discordar de afirmações bem intencionadas, de fato universidades não deveriam ser empresas, e não seriam em um mundo onde os custos não tivessem nenhuma importância; porém escolas e hospitais têm despesas, cada vez mais elevadas: salários, um dos pontos mais nevrálgicos e explosivos em qualquer instituição, empresarial ou não, impostos, alocação e manutenção de prédios, equipamentos, laboratórios, acervos bibliográficos, energia, e tudo que é indispensável para o seu funcionamento, se não perfeito, pelo menos razoável. Poderíamos supor que estes custos caberiam ao Estado, e muitos deles cabem, mas o orçamento do Estado é, ou deveria ser, limitado pela realidade, amargamos agora as consequências da recente ilusão de que truques contábeis produzem recursos verdadeiros, e que a mera vontade do governante se sobrepõe aos fundamentos da ciência econômica.
O país está conflagrado com o projeto que estabelece um teto para os gastos públicos, e se a maioria dos cidadãos reconhece que não é possível continuar gastando muito acima do que se arrecada, quase o mesmo contingente não concorda que a austeridade venha a afetar os seus interesses. Não se trata de maldade ou egoísmo, é uma reação humana natural de defesa. Infelizmente estamos emparedados pela aritmética: para gastar mais é preciso aumentar impostos, o que o país já não suporta; imprimir papel colorido e chama-lo de dinheiro, o que já foi feito e resultou em hiperinflação que sempre pune primeiro os mais pobres; ou aumentar a dívida pública, o que acabaria de destruir a Economia.
A opção que resta, e da qual certamente ninguém gosta, é limitar os gastos ao disponível e redistribuí-los em acordo com toda a sociedade. É onde começam os problemas, quais gastos são mais importantes?
Quais podem ser reduzidos? Ninguém em sã consciência pleitearia diminuir recursos para Saúde e Educação, mas ainda não se manifestaram publicamente os setores da Segurança, Agricultura, Infraestrutura, Forças Armadas, e todo o enorme espectro do gasto governamental.
Toleramos muita corrupção, e provavelmente poderíamos, sem isso, financiar um pouco melhor o ensino público, mas a verdade é que fechamos os olhos aos muitos desvios de verba e, salvo raras exceções, nossos prédios públicos estão dilapidados, com escolas sem biblioteca, sem local de estudo ou de lazer para alunos, com poucos computadores para pesquisas, com raros bons laboratórios. Salários defasados e dificuldades de toda ordem desestimulam e sublevam os professores, e alguns expressam essa revolta em sala de aula, proferindo repetidas vezes críticas ácidas ao governo, muitas delas procedentes. A ideia corrente de proibir professores de falar de política em classe é absurda, autoritária e inócua, mas o bom senso indica que o tema da aula tem precedência sobre questões ideológicas, partidárias ou de ressentimento.
Do ponto de vista do processo educativo: educação não é mercadoria, seu objetivo não é imediato, envolve questões emocionais profundas que deveriam estar longe das preocupações financeiras. Observe-se que, no entanto, quando o Estado não consegue, sozinho, providenciar educação para todos – sem nem entrar no mérito da qualidade – a complementação do ensino nos vários níveis cabe à empresa privada, e nesta o equilíbrio financeiro é fundamental para continuar honrando seus muitos compromissos.
O grande poeta Paulo Leminski disse que o sonho havia acabado, mas ainda tinha chineque. Em momentos de radicalização, é importante lembrar que sempre existem alternativas.
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