Universo Escolar
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

É possível acabar com a cola nas provas? - 27/10/2016
João Luís de Almeida Machado

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aluna colando na prova

A cola é, definitivamente, um procedimento irregular, desleal e reprovável. É uma forma de burlar o sistema no que tange as regras estabelecidas pelas escolas. De certo modo, reproduz práticas sociais que não são socialmente toleradas e que representam a transgressão em relação ao modo de agir correto.

O modelo educacional conteudista, no entanto, ao requisitar por parte dos estudantes que, em muitos casos, memorizem uma infinidade de dados e informações sem que isso seja significativo para eles patrocina para alguns estudantes a continuidade desta prática.

A maioria dos alunos, felizmente, não sucumbe a tentação ou ao desvio da cola. Estes alunos estudam muito e conseguem lograr êxito ao final das avaliações obtendo as notas almejadas e as aprovações, em última instância. Mesmo para eles, no entanto, a lógica que impera no sistema educacional não é atraente, não lhes faz realmente gostar ou se interessar o quanto poderiam pela aprendizagem.

Sendo regra estabelecida pela escola e socialmente aceita, não é permitido colar e ponto final. Ao menos, deveria ser assim, pois culturalmente estabelecida como subterfúgio de alunos que não se prepararam adequadamente há décadas, praticamente desde o surgimento do sistema educacional público no país, a cola permanece, com inovações, sendo parte do cotidiano das escolas.

Reprimir com punições de diferentes calibres ou mesmo invalidar a prova, atribuindo nota zero para estes alunos é algo comum em muitas instituições de ensino. O funcionamento desta estratégia, no entanto, é discutível tendo em vista as reincidências, muitas vezes por parte dos mesmos alunos que colaram em ocasiões anteriores.

O que fazer então para coibir tal prática, ou melhor, para evitar que continue ocorrendo a cola?

O processo avaliativo precisa ser alterado defendem muitos especialistas, como Cipriano Luckesi, por exemplo. A questão, do ponto de vista deste estudioso e de muitos outros especialistas, como Jussara Hoffman, igualmente focada na questão, é que não basta modificar os procedimentos avaliativos preconizando práticas que vão desde a avaliação diagnóstica, passando pela contínua percepção da evolução do aluno em projetos e outras ações do cotidiano, incluindo portfólios ou mesmo referendando a evolução tendo a clareza do perfil do aluno, suas qualidades e dificuldades não apenas do ponto de vista conceitual, que evidentemente continua tendo importância nestes novos procedimentos. É preciso tornar a escola e suas práticas mais significativas e contextualizadas, fazendo com que a participação do aluno, seu empenho nas atividades realizadas e, consequentemente, os resultados alcançados, sejam superiores ao que se tem hoje em dia e, melhor, que com isso, subterfúgios como a cola deixem de existir.

É possível então uma escola sem cola?

A premissa desta escola significativa tem que ser plantada ainda na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental. A continuidade quando os alunos migram para os próximos níveis, o ensino fundamental em seu ciclo 2 e o ensino médio, precisam acontecer.

Ao ultrapassar a linha demarcatória, ingressando num estágio em que se espera maior maturidade e independência, tanto a escola quanto a família, deixam de acompanhar mais de perto os progressos dos alunos e a forma como as escolas ensinam e avaliam. Muitas vezes os processos ficam fortemente relacionados ao conteúdo das disciplinas e entre elas não se estabelece diálogo.

O caráter mais lúdico dos processos de ensino e aprendizagem utilizados na Educação Infantil e Ensino Fundamental 1 vão sendo substituídos por práticas mais áridas, sem encantamento e motivações para os alunos. A conversa aumenta de tom e frequência, prejudicando o andamento das aulas. Os problemas de comportamento igualmente tornam-se mais usuais. As provas passam a ser instrumentos de mensuração do conhecimento objetivamente apresentado em sala de aula. A nota é o objetivo, a aprovação é o que se persegue, tudo em detrimento do conhecimento, da curiosidade, da busca pelo saber motivada de forma continua e intensa pelos professores.

As provas por vezes são usadas como instrumento de poder pelos professores, fazendo com que os alunos sintam, por vezes, insegurança e até mesmo medo em relação ao que deveria ser apenas mais uma parte do projeto educativo e, elemento sequencial de uma avaliação permanente, associada as produções e com abertura para perceber a evolução real dos educandos em se considerando suas particularidades, aquilo que lhe é próprio, considerando-o em sua individualidade.

A avaliação pautada no aluno, centrada num processo que tem vários referenciais e não apenas foca em conteúdo e provas com datas marcadas, em que o que se ensina tem sentido real para o aluno pois se aproxima de sua vida e lhe oferece ferramentas e instrumentos para sua composição e acervo para enfrentar os desafios do cotidiano iria, certamente, diminuir de modo considerável o expediente da cola.

A cola, dentro do sistema em que estamos inseridos, mesmo sendo uma transgressão, é um grito de socorro, pelo qual os alunos demonstram que a escola pouco ou nada lhes interessa, não lhes motiva na busca pelos saberes, não faz com que queiram ter ciência do mundo ao seu redor. Júlio Groppa Aquino, em célebre artigo publicado em jornais em que defendia o direito do aluno colar tendo em vista a ineficiência e desinteresse gerados pela educação formal, antecipou que tal ação ilícita era uma reação que demonstrava não a incapacidade, despreparo ou falta de compromisso dos alunos, mas da própria rede educacional brasileira.

Colar não é a resposta. A resposta está na revisão da escola, de seus métodos e processos, entre os quais os avaliativos, em especial num momento em que a informação está tão fácil, ou seja, num contexto onde o que importa é saber o que fazer, como proceder, onde buscar, de que modo processar e aplicar os dados...

A burla do aluno que cola é representativa da própria burla da escola que não se modernizou, não se atualizou, não é interessante e que, com isso, motiva os educandos a evadir, a não estudar ou ainda a colar.



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