“Aprender é muito divertido e jogar é aprender” - 30/08/2016
Leandro Alcerito
Sou professor há 20 anos e trabalho com alunos de uma faixa etária que vai dos 14 aos 18 anos. Perdi as contas de quantas vezes ouvi a frase: “Estudar é muito chato!”. E diante desse cenário, tive que buscar argumentos para convencer os adolescentes de que as partes do intestino delgado são bem mais legais do que jogos como o Plants and Zumbis ou do que o recente Pokémon Go.
Muitas vezes, não tive sucesso com meus argumentos, restando apenas a seguinte afirmação: “Vai cair na prova, sem isso você não passa de ano”. Mas, fazendo uma reflexão mais profunda, notei que o meu próprio celular está repleto de jogos – que inclusive contemplam as partes do intestino delgado: o duodeno, o jejuno e o íleo – e eu os adoro!
A partir dessa percepção, de que aprender é muito divertido e de que jogar é aprender, e também por conta da vontade de difundir essa ideia para os educandos, entrei no mundo do Gamification, ou seja, técnica que consiste em arquitetar uma estrutura de aprendizado sobre determinado conteúdo usando elementos dos jogos, ou games, se preferir.
Gamification não é uma novidade no Brasil e muito menos no exterior – o conceito nasceu em meados da década de 70. A novidade está na aplicação e na estrutura da técnica.
A grande dúvida passa pela seguinte questão: e se for só diversão, sem nada substancial a ser implantado? Para resolver esse dilema, psicólogos e neurocientistas investigaram os aspectos dos jogos e a maneira como nosso cérebro apreende, processa e fixa informações a curto e a longo prazo nos últimos 25 anos. Essa tarefa não foi nada fácil, principalmente por se tratar de um campo de investigação novo e que envolve preconceito em relação aos videogames dos anos 80 e 90.
Imagine alguém levar a sério uma pesquisa sobre “como o jogo da velha ajuda no processo de tomada de decisões”. E levaram... Foi nesse momento em que as provas surgiram e, agora, a neurociência consegue afirmar: as estruturas cognitivas e mentais envolvidas num jogo podem trazer aprendizado significativo e duradouro para a aprendizagem de um conceito, tema ou operação. Em alguns casos, o resultado é melhor do que o obtido com o método “tradicional” de observação, repetição e teste.
Incrivelmente o último reduto de aplicação do Gamification é a escola, justamente por ser o local onde menos se associa aprendizado com jogo ou diversão. De modo geral, as instituições de Ensino Básico públicas e particulares têm grande resistência em incorporar como prática pedagógica cotidiana, prevista em planejamento e fazendo parte do processo de avaliação, estruturas gamificadas, principalmente no Ensino Médio, fase na qual os alunos têm menos prazer em aprender.
Quando afirmo isso, o faço por conhecimento teórico e prático. Entrar em uma sala de aula e dizer “vamos jogar e aprender sobre...” pode soar como “aula livre”. Não temos a cultura educacional de levar a brincadeira a sério e com isso perdemos oportunidades valiosas de aprendizado, para ambos os lados, professores e alunos.
Trazendo a discussão para a realidade, um dos projetos da disciplina de Biologia no Ensino Médio contempla o jogo Pokémon Go. O desenho Pokémon intuitivamente já trabalha com um conceito muito importante que é o conceito de evolução e, dentro do conceito de evolução, trabalha ainda em níveis de jogos de evolução em camadas. Funciona da seguinte forma: à medida que você joga o aplicativo Pokémon Go, você ganha cada vez mais características. Chamamos isso de ganho de complexidade; quanto mais complexo, mais evoluído o animal é considerado, no sentido de maior número de mudanças.
Desde 2013, fazemos um trabalho de evolução usando como exemplo o Pokémon. Mas por que utilizá-lo? Porque as mudanças do Pokémon são perceptíveis, fáceis de entender e o conceito por trás envolvido, de certo modo, condiz com o que a gente precisa em relação à complexidade. É montado um jogo de slides no Power Point.
Pelo Pokémon ter adquirido essa característica de realidade virtual (RV), transformamos esse Power Point em um jogo de pátio. Pediremos para os alunos irem ao pátio com seus celulares, caçarem Pokémons e, em vez de receberem os Pokémons prontos, cada um vai jogar com seus Pokémons, montando sua hierarquia de força. Comparando a hierarquia de força de cada um, montaremos um grande cladograma (diagrama usado para mostrar as relações ancestrais entre organismos) de Pokémons que existem no Colégio Marista Arquidiocesano.
Com isso, esperamos que os alunos compreendam o conceito básico de evolução, que é a mudança de complexidade, que percebam as mudanças físicas como mudanças graduais e que isso aconteceu na natureza. Claro que em um espaço de milhares de anos. Esperamos também que diversão e aprendizado caminhem juntos.
Quero incutir a ideia de que jogar faz bem para o cérebro, diverte e possibilita um bom aprendizado.
# Educação em tempos de "Pokémon Go"
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