A Semana - Opiniões
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Greves de professores: Sobre sua legitimidade e prejuízos - 24/06/2016
João Luís de Almeida Machado

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sala de aula vazia

“Os filósofos se preocuparam em interpretar o mundo de várias formas. O que importa é transformá-lo.” (Karl Marx)

Inicialmente vale destacar: Nada mais justo que a luta por condições dignas de trabalho e salários justos, compatíveis com a formação, o aperfeiçoamento, a experiência e, evidentemente, os resultados alcançados no trabalho em sala de aula.

Antes de tudo mais, ressalto que, pessoalmente considero as conquistas históricas dos trabalhadores, empreendidas ao longo da história, em especial durante os séculos XIX e XX, como algo que deve não apenas ser respeitado, mas, acima de tudo, considerado como basilar para as relações de trabalho no mundo capitalista. Entre estas conquistas, evidentemente, o direito de greve.

Dito isso, é igualmente importante destacar que o acesso à educação de qualidade é dever do estado e direito dos cidadãos e que, com destaque, isso consta na Constituição do Brasil, nossa carta magna, direcionadora das ações em termos jurídicos.

Oferecer condições aos professores e a todos os colaboradores que atuam em educação no segmento público, da educação infantil ao ensino superior, é prioridade para qualquer país que queira crescer de forma consolidada, estável e perene.

É sabido, há algumas décadas, que o professorado foi sofrendo uma desvalorização social e profissional que, aos poucos, proletarizou excessivamente este grupo profissional. Entre os trabalhadores com graduação as pesquisas mais recentes (e também aquelas realizadas há pelo menos uma década) atestam que os professores são aqueles com menor reconhecimento e compensação salarial.

Adicione-se a isso a deterioração do espaço de trabalho, as jornadas excessivas para compor rendimentos, a falta de recursos para cursos de aperfeiçoamento, a escassa vida cultural tendo em vista a falta de dinheiro para nisso aplicar, o descaso das autoridades com a educação, a perda de autoridade e outros acontecimentos para se entender os motivos que geram insatisfação, desestímulo e até abandono da profissão por tantos docentes. Os cursos de pedagogia e as licenciaturas são áreas pouco procuradas nos processos de ingresso nas universidades, com disputa ínfima pelas vagas e, ainda conforme dados trazidos por levantamentos especializados, quem procura a área são as pessoas com menor grau de instrução, infelizmente, o que traz mais e maiores problemas para o estabelecimento da tão sonhada educação de qualidade já que esta defasagem compromete não apenas os conteúdos trabalhados em aulas como também a própria estrutura didática oferecida.

A despeito da legitimidade percebida nas greves, conforme pronunciado no início deste texto, vale destacar igualmente a sua contrapartida, ou sejam, os prejuízos reais para toda a sociedade brasileira.

É evidente que isso não é proposital e que, pelo contrário, o que desejam os professores em relação ao resultado imediato de seus atos e de seus sindicatos é que as aulas não sejam interrompidas e que o processo de ensino e aprendizagem seja continuado e de qualidade. Escolas e universidades paradas têm um impacto social e econômico de grande vulto que não é percebido a curto prazo pelas pessoas. Somente se vislumbram os elementos mais imediatos nesta queda de braço e, em assim sendo e, sem desconsiderar a justa luta por melhores condições e salários, não são computadas no horizonte as perdas consideráveis que se legam para as gerações cuja formação ocorre de modo intermitente, com interrupções frequentes, com acelerações para “compensar” os dias parados...

Pense, por exemplo, num estudante universitário cursando medicina, direito, engenharia ou pedagogia que, num dado momento, tem suas aulas interrompidas por uma greve de professores ou funcionários da universidade federal em que está matriculado. Alguns dias de greve se tornam semanas, talvez um ou dois meses e, depois de um sem número de reuniões e assembleias, os servidores retornam as atividades. As aulas foram interrompidas nos meses de abril e maio e, para “compensar”, serão dadas aulas em julho e talvez algumas semanas a mais em dezembro... Menos dias, mais pressão, descanso suprimido, correria com os conteúdos, aulas práticas suprimidas, aulas teóricas resumidas, menos leitura, exercícios e pesquisas reduzidos em volume e tempo são algumas consequências imediatas...

Para o aluno, o que significa tudo isso em termos de sua formação?

De que modo isso irá impactar, ao final do processo, quando os diplomas são entregues para estes alunos, em sua carreira. Estas defasagens ou acelerações, como podem ser realmente compensadas, se é que isso é possível?

É possível pensar, por exemplo, em alternativas a este procedimento de interrupção por tão longo período das atividades letivas? Há outros procedimentos e práticas que possam ser mais efetivos e menos prejudiciais a efetivação das aulas e cursos? Como podem ser resolvidas as pendências quanto a salários e melhores condições gerais de trabalho em educação no Brasil sem que a formação dos alunos sofra perdas reais e comprometa sua formação ao final?

Em países como o Japão a greve é sinalizada para os empregadores a partir do uso de sinalização como a utilização de uma tarja preta atada ao braço de todos os trabalhadores. Isso é um indicativo forte que induz os patrões a convocarem reuniões com os líderes dos trabalhadores e seus sindicatos. Há, é claro, diferenças culturais evidentes entre os japoneses e os brasileiros que, a princípio, nos afastam dessa alternativa e, ao assim me expressar, faço referência não apenas aos trabalhadores, mas, também e em especial, ao patronato.

No Brasil prevalece ainda, infelizmente, em muitos casos, a ideia de que somente com o punho cerrado, a voz alta, murros na mesa e ameaças é possível negociar acordos. A greve deveria ser a última instância, aquela à qual somente se apelaria quando nenhuma outra possibilidade anterior, a começar pelo diálogo civilizado entre as partes, mediado por órgãos reguladores a partir de certo momento, desse andamento e viabilizasse alternativas viáveis para os lados envolvidos nas questões discutidas.

É claro que estas etapas preliminares acontecem nas empresas, escolas e envolvem patrões, empregados, governo e mediadores, todo mundo sabe disso, mas o quanto de concessões são realmente trazidas a mesa para que os acordos se efetivem? Ninguém quer perder mas os ganhos e as perdas devem ser divididos de forma igual numa negociação para evitar que os prejuízos maiores fiquem somente para uma das partes ou então que, pior ainda, atinja a todos...

A luta de classes, conceito cunhado e firmado por Marx e Engels no século XIX, nos primórdios do capitalismo industrial, segundo os especialistas, não deixará de existir enquanto os homens disputarem palmo a palmo o espaço disponível neste planeta. Civilizar esta luta, percebendo-a como algo que pode ser equacionado para acomodar da melhor forma possível os interesses de “capitalistas e proletários” é um caminho a ser arduamente perseguido. O duro e sacrificado embate sangrento é algo que não lega a ninguém real ganho ou vitória pois, no final das contas, dentro do contexto em que vivemos, nos conformes do sistema ou modo de produção existente, precisamos todos uns dos outros... Buscar consensos e evitar as perdas maiores deve ser, então, o que buscamos de fato.



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