Planeta Literatura
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

O nascedouro da leitura - 13/06/2016
João Luís de Almeida Machado

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garoto lendo um livro

Segundo as pesquisas mais recentes demonstram há ainda um longo caminho a ser percorrido até que tenhamos, de fato, a leitura estabelecida como uma prática regular entre os brasileiros. Mesmo que pequenos avanços tenham sido percebidos, como o índice mais geral e amplo de leitores no país, que passou de 50 para 56% da população, temos praticamente metade da população distante dos livros, sejam eles impressos ou digitais.

O que é preciso fazer para que mais leitores se estabeleçam entre os brasileiros? Como estimular entre os integrantes das novas gerações o gosto pela leitura? Quais são os benefícios da leitura para as pessoas e para a sociedade? Que papel tem a família neste processo? E a escola, como pode fomentar e estimular o surgimento de novos leitores?

Ler é muito mais do que simplesmente percorrer palavras, parágrafos, ideias, páginas, capítulos e livros. Dito isso é preciso esclarecer que a consolidação da leitura é uma grande e importantíssima meta e responsabilidade social a ser atingida. O acesso pleno as letras, com a capacitação para a compreensão tanto daquilo que está evidente quanto do que está nas entrelinhas é algo que não se atinge a curto prazo e que, conforme os especialistas, tem que começar o mais cedo possível na formação de uma criança, antecedendo até mesmo o nascimento, quando ainda no útero materno, com estímulos frequentes por parte dos pais.

Especialista neste assunto, a pesquisadora e professora da New York University, Susan Neuman, em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, sobre os dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, se referiu a informação auferida com a seguinte expressão: “Mas que números tristes”.

Para superar esta triste realidade, Neuman destaca ideias provenientes de práticas, levantamentos, leituras e estudos realizados por ela que, certamente, podem contribuir para melhorar o quadro brasileiro relativo a leitura.

Um dos princípios essenciais, de acordo com a professora da New York University é que o estado, ainda que dispondo de recursos escassos num momento de crise e contingência, como o Brasil vive no momento, pode contribuir com o ensejo a leitura realizando investimento na abertura ou ampliação de bibliotecas públicas ou escolares.

Os dados indicam que, no Brasil, apesar deste tema ser pauta de legislação e também de programas de incentivo à leitura, estamos na contramão, ou seja, estagnados e, em certas regiões, está ocorrendo, até mesmo, o fechamento de bibliotecas. Há, segundo indicam os levantamentos, uma biblioteca para cada 33 mil brasileiros ou, ainda, cerca de 115 municípios que ainda não tem biblioteca. Estados como o Rio de Janeiro tem uma biblioteca para cada 110 mil habitantes ou apenas 148 bibliotecas espalhadas por suas cidades, com maior concentração na capital do estado, atendendo mais de 16 milhões de pessoas. Isso sem contar o fato de que os acervos destas bibliotecas estão, na maior parte dos casos, desatualizados e são compostos por quantidade modesta de volumes.

Mais do que bibliotecas, no entanto, segundo Neuman, compete as famílias o principal movimento rumo aos livros e a leitura como algo a ser despertado e motivado juntamente as crianças e adolescentes. E quanto mais cedo melhor.

Cantar e conversar com a criança ainda na barriga da futura mãe é o começo desta ação imprescindível para que a comunicação, o acesso as palavras, o ensejo ao mundo das letras seja bem sedimentado.

A seguir compete as famílias cantarolar e continuar falando com a criança quando ainda é um bebê. A contação de história é um próximo e essencial passo. O acesso a livros infantis e as narrativas realizadas pelos pais, avós, tios ou por irmãos mais velhos é um importantíssimo empurrãozinho rumo à leitura que qualquer família pode realizar.

Permitir que a criança veja imagens e crie a partir das mesmas suas próprias versões das histórias enquanto ainda não foi alfabetizada também é prática recomendada e muito útil pois permite a fantasia, a criatividade e o contato com outra leitura igualmente fundamental relacionada a compreensão e apreensão de detalhes das imagens.

Não adianta, conforme explica Neuman, incentivar a criança dando acesso a livros, revistas ou e-books se o exemplo vivo de leitura dos pais ou de outros membros da família não for visível para as crianças. Nada supera a prática, o modelo, a percepção de que leitura é um prazer como algo expresso no cotidiano. Este é, talvez, o maior de todos os incentivos pois consolida na cabeça dos pequenos, ainda em tenra idade, que pelos livros é possível viajar no tempo, ir a lugares distantes, entender diferentes modos de pensar, dialogar com autores e seus personagens...

A pesquisadora ressalta que “os dois primeiros anos de escolaridade são importantes mas que, se a criança chega lá sem ter experimentado o estímulo adulto, não há professor dedicado que possa compensar na sala de aula”, ou seja, destaca fortemente o peso do exemplo, incentivo e participação dos pais e familiares neste movimento em prol da leitura. É claro que quanto mais exemplos existirem melhor, por isso, nas escolas, além das rodas de leitura ou outros projetos de igual natureza a oferecerem oportunidades de leitura para as crianças, é primordial que os professores também sejam leitores.

O apreço pela leitura, de acordo com os especialistas, entre os quais Neuman está incluída, tem que ocorrer até o 3º ano do ensino fundamental. Esta é a linha delimitadora no que tange o aprendizado da escrita e leitura e o gosto pelas letras entre as crianças. Segundo a professora norte-americana, “se o aluno não aprendeu a ler até a terceira série, está com problemas” e que, tendo em vista esta má formação, não deveria nem mesmo avançar para o próximo ano letivo.

Quanto ao uso de recursos digitais, a educadora Susan Neuman destaca que não devem ser percebidos como adversários da leitura. Em sua opinião é preciso dar mais ênfase e destaque ao uso daquilo que é palpável, próximo do aluno, visando estimular o desenvolvimento de sua capacidade de abstração. Neste sentido há escolas que estão trabalhando muito na linha de oferecer o concreto para seus alunos, através de jogos, brincadeiras, objetos e mesmo livros que lhes permitam manusear, perceber, analisar e criar. Não é um descarte do que é virtual, é legar a este universo composto por games e imagens menor espaço e tempo no cotidiano das crianças para que elas se encantem com os livros e outros recursos.

Acima de tudo, segundo Neuman, ainda que o tempo seja reduzido, é deveras importante que pai e mãe devotem a leitura “alguns minutos” que “abracem e beijem a criança” e que “olhem nos olhos enquanto abrem um livro”. Isso certamente fará com que este pequeno leitor associe a leitura a estas emoções contidas em sua memória e associe o ato de ler ao que lhe é mais caro e precioso em sua vida. Mais do que poético, algo que realmente procede.



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