Getúlio: Últimos dias de um presidente - 10/06/2016
João Luís de Almeida Machado
Brasil, 24 de agosto de 1954, o presidente da república, Getúlio Dornelles Vargas se suicida. A notícia se espalha pelo país e causa comoção nacional. Getúlio, eleito democraticamente pelo voto popular para o mandato em curso, naquele mês de agosto sofria intensa campanha pela renúncia para apressar sua saída de cena definitiva. Estava ciente de suas ações, mesmo das mais dramáticas, como o tiro no peito que o vitimara. Sabia que atos como estes eram imprescindíveis em momentos de crise e, conforme atestou seu ministro da justiça, o mineiro Tancredo Neves, alguns anos depois, o trágico e derradeiro ato de Vargas adiou por um período de 10 anos o golpe militar brasileiro...
Forças conservadoras que dominavam naquela primeira metade dos anos 1950 o Congresso Nacional, com o deputado Carlos Lacerda, da UDN (União Democrática Nacional) à frente, esperavam apenas o surgimento de um fato novo, que funcionasse como um estopim, a alimentar o caos e a insurreição contra Vargas.
Em sua carta-testamento, Getúlio destaca o advento e o fortalecimento destas correntes reacionárias, conforme é possível perceber nas seguintes linhas:
“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes”. (Getúlio Vargas em sua carta testamento).
O detonador da crise maior foi, no entanto, um caso isolado, em relação ao qual Getúlio não estava envolvido, mas que, conduzido por pessoas de sua relação, confiança e proximidade, geraram total desconfiança em relação a ele. O crime da Rua Toneleros, atentado contra Lacerda perpetrado a mando do chefe da segurança do presidente, Gregório Fortunato, como uma forma de intimidar o oposicionista, acabou com o deputado da UDN ferido a bala e seu segurança, major Vaz, da aeronáutica, morrendo ao defender o udenista.
Surgia neste momento específico da história do país uma intensa campanha de difamação que isolou Vargas e fez com que seu mandato ficasse praticamente imobilizado ao longo de todo aquele fatídico mês de agosto de 1954.
A UDN, Carlos Lacerda e demais aliados tinham ligações com o capital internacional e Getúlio, ciente destes interesses e do poder de tais grupos, denunciou esta ligação em seu documento final, conforme é possível ler no trecho destacado abaixo:
“Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho (...) Não querem que o povo seja independente”. (Getúlio Vargas em sua carta testamento).
“Getúlio”, filme de João Jardim, produzido em 2014, com Toni Ramos no papel título, em mais uma prova de seu grande talento, traz um relato fílmico, quase que documental, dos dias e horas que levaram ao suicídio de Vargas. O presidente abria mão de sua vida, segundo declarou na carta-testamento, para garantir os direitos dos trabalhadores e independência do Brasil em relação ao capital estrangeiro. Sua história à frente da nação brasileira, contraditória ao considerarmos que subiu ao poder por meio de um golpe de estado e que instaurou o Estado Novo em 1937, regime ditatorial que durou até 1945, em que controlou a mão de ferro o país, inspirado em modelos políticos direitistas vigentes na Europa, como o fascismo italiano. Saia da vida para entrar na história, rumo a eternidade...
“Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”. (Getúlio Vargas em sua carta testamento).
Para refletir
1- Getúlio é um dos mais marcantes nomes da história política brasileira. Foi presidente do país por um período de quase 20 anos. Uma forma interessante de entender sua marcante presença no cenário nacional é observar as fotografias de Vargas ao longo de seus períodos de governo. Criar uma linha do tempo visual, da Revolução de 1930 ao suicídio em 1954, é uma forma hábil e inteligente de estudar e entender este homem de ações contraditórias, amado e odiado, cujas ações foram decisivas para a definição do Brasil que temos hoje.
2- Realizar um levantamento de matérias de jornais e revistas de época, associar estas matérias a depoimentos de pessoas que viveram a Era Vargas e a impressão que tiveram de Getúlio como presidente e figura pública, acessar podcasts que tragam discursos de Vargas e comparar o que foi produzido então com o que foi escrito posteriormente por historiadores e pesquisadores é uma forma de tentar decifrar esta página marcante da história do Brasil.
3- Como era o Brasil em 1954? Fazer um levantamento de imagens, vídeos e buscar relatos de pessoas que tenham vivido nesta época quanto ao cotidiano da população naquela época é um exercício interessante e importante para entendermos a evolução do país e como a passagem de Getúlio Vargas pelo poder alterou os rumos da vida dos brasileiros.
4- Carlos Lacerda e a UDN representavam o capital internacional, segundo Vargas afirma em sua carta-testamento, sem mencionar diretamente o político e o partido. Quem foi Carlos Lacerda? E a UDN? Buscar livros e bibliografia, além de artigos na internet produzidos por pesquisadores, pode ser um bom meio de entender melhor a oposição a Vargas e verificar se Tancredo Neves tinha razão quando afirmou que o suicídio de Getúlio atrasou o golpe militar em 10 anos...
Veja o trailer do filme
Ficha Técnica
Filme: Getúlio
País/Ano: Brasil, 2014
Duração: 100 minutos
Gênero: Biografia/Drama/História
Direção: João Jardim
Elenco: Toni Ramos, Drica Moraes, Alexandre Borges, Adriano Garib, Jackson Antunes, Marcelo Médici, Alexandre Nero, Thiago Justino, Clarisse Abujamra.
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