A violência sexual no Brasil: Pelo fim da impunidade - 03/06/2016
João Luís de Almeida Machado
“Das mulheres ouvidas pelo DataSenado, 30% dizem acreditar que as leis do país não são capazes de protegê-las da violência doméstica. Para 23,3%, muitas vítimas não denunciam os companheiros à polícia por prever que eles não serão punidos. Das mulheres entrevistadas, 18,6% afirmaram já ter sido vítimas de violência doméstica. Em resposta à última agressão, uma parcela expressiva delas (20,7%) nunca procurou ajuda nem denunciou o agressor.” Saiba mais: Pesquisa DataSenado 2013
A publicação de vídeos e imagens em redes sociais na internet e a denúncia de violência sexual contra uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro, ocorrida na segunda quinzena do mês de março de 2016, provocou intenso debate e, ao mesmo tempo, grande indignação no Brasil e em diversos países.
Mais de 30 homens teriam participado deste ato de selvageria cometido contra a vítima. Tal prática, infelizmente, tem se repetido em diferentes estados e regiões do país e, muitas vezes, as mulheres e meninas atacadas, apesar da evidente violência a qual foram submetidas, são tratadas como estimuladoras do processo, numa evidente comprovação da cultura machista que prevalece entre muitas pessoas no país.
A sexualização precoce de nossas crianças e adolescentes é, conforme estudos e especialistas comprovam, elemento que torna vulneráveis os menores no Brasil. A exposição demasiada de elementos de caráter sexual por meio de canais de televisão, internet, música, festas e de outros canais, popularizam ideias e comportamentos que levam meninos e meninas a agir dentro de conformes inadequados e impróprios para suas faixas etárias. A família que deveria realizar o necessário filtro e controle quanto ao acesso a tais informações, infelizmente, em muitos casos, é ausente e permissiva quanto à internet, televisão e outras mídias no âmbito doméstico e, assim sendo, acabam colaborando com esta precocidade entre seus próprios filhos.
A impunidade aos agressores é, outro elemento decisivo para que tais atos brutais, que atentam contra a saúde física, emocional e psíquica das vítimas, continuem a acontecer. A cultura vigente, em muitos meios, transforma a vítima em culpada dos acontecimentos. A alegação é a de que o comportamento, as roupas, o uso de maquiagem, as danças, as músicas e outros recursos que geram sexualização seriam utilizados pela vítima como elementos de sedução e que os agressores apenas se rendem a seus instintos. Como se isso pudesse ser usado como argumento para tais atos vis e brutais ensejados contra os menores ou contra vítimas de qualquer idade. Isso é inaceitável.
A não punição de atos ilícitos de qualquer natureza levam ao crime e a uma maior constância de delitos. Isso vai de encontro ao que ocorre no Brasil hoje, em que vemos a corrupção, os estupros, os roubos de carros, os assaltos, o estelionato, os crimes virtuais e tantas outras ilicitudes sendo praticadas sem que seus índices diminuam efetivamente ainda que as forças policiais prendam mais e mais pessoas e deixem o sistema carcerário já exaurido no Brasil ainda mais caótico. Muitos destes agressores, ainda que identificados, saem pela porta da frente das delegacias e, pior, ainda intimidam e amedrontam suas vítimas e muitos cidadãos corretos.
Em depoimento veiculado pela televisão, a jovem que foi atacada por esta horda de covardes no atroz ato ocorrido no Rio de Janeiro, relatou que ao ser inquirida pelo delegado responsável pelo caso, se sentiu ofendida e atacada nos questionamentos a ela dirigidos pela autoridade policial incumbida do caso como se ela fosse a provocadora do ocorrido. Isso provocou alteração no processo investigativo com a remoção do delegado e sua substituição por uma delegada que, espera-se, tenha a necessária sensibilidade para lidar com o caso, extremamente delicado.
A vítima, além disso, paga o preço mais alto não apenas em se considerando todas as violências a que foi submetida, mas também pelas posteriores perseguições que a levaram a ser colocada no programa de proteção a testemunhas, ou seja, além dos prejuízos pessoais, ainda há as consequências de cunho social, com a remoção de sua comunidade, o afastamento de parentes e amigos, o isolamento, o medo de sair de casa...
O que se espera para uma adolescente de 16 anos é que frequente a escola, tenha acesso a uma educação de qualidade, com apoio e estímulo de sua família, sendo plenamente respeitada quanto aos seus direitos, se sentindo segura na comunidade em que vive, tendo acesso aos essenciais serviços públicos que garantam saúde, com lazer adequado a sua faixa etária sendo proporcionado, enfim, que tenha uma vida regular, em conformidade com o que apregoa a lei em vigor no país.
O respeito ao corpo, a sua integridade, intimidade e privacidade tem sido constantemente atacado e vilipendiado. Especialistas em direito digital discutem, por exemplo, o acesso as redes sociais tanto por menores de 13 anos que, de acordo com a lei brasileira, são legalmente proibidos de ter conta em redes sociais e que mesmo assim o fazem e, por meio destas, divulgam imagens próprias ou de terceiros que atentam contra sua privacidade, quanto por adolescentes na faixa dos 14 aos 18 anos, que divulgam imagens e vídeos de si mesmos ou de amigos, a expor-se de modo indevido ou, mesmo, proibido legalmente.
Na maior parte dos casos, seja para menores considerados incapazes (até os 13 anos) ou para adolescentes que ainda não atingiram a maioridade, a responsabilidade penal cabe aos pais ou responsáveis que, na verdade, são os assinantes de serviços de telefonia ou acesso à internet pelos quais seus filhos veiculam tais conteúdos indevidos na rede.
A omissão das famílias é apenas uma triste realidade constatada. Outra, ainda pior, diz respeito ao fato de que em grande parcela dos casos de violências sexuais praticadas contra crianças e adolescentes o agressor é alguém da família. Há ainda acentuada incidência de estupros praticados por vizinhos ou amigos dos familiares.
Ações efetivas de combate e punição aos agressores devem ocorrer para que no Brasil essa triste realidade seja revertida. As ações da operação Lava-Jato e congêneres no combate à corrupção no país, com a efetivação de prisões de responsáveis, sejam eles políticos ou empresários poderosos, é um alento para os brasileiros. Mas, não apenas isso precisa ser feito. É necessário que campanhas de conscientização social, esclarecimento das famílias quanto à necessidade de proteção e respeito à integridade das crianças em suas casas e comunidades, ampliação de oportunidades qualificadas de acesso a lazer e boas escolas, orientação e monitoramento quanto ao acesso à informação e entretenimento em diferentes mídias e redes é igualmente imprescindível.
A mobilização da população, com manifestações em diferentes cidades do país, inclusive no Rio de Janeiro, onde ocorreu este caso de estupro coletivo contra a menor de idade, demonstram o quanto o brasileiro está indignado e ansioso por medidas rigorosas que combatam efetivamente a criminalidade no país, com especial ênfase neste caso, aos delitos de caráter sexual contra as mulheres, crime hediondo. Ficou claro, para os cidadãos de bem que, somente com intensa manifestação e cobrança juntamente as autoridades, será possível punir os culpados por estes crimes e, assim, acabar com a impunidade no Brasil. E que saiamos as ruas quantas vezes for necessário para defender nossos direitos.
Saiba mais:
Dados nacionais sobre violência contra as mulheres (Org. Compromisso e Atitude)
Apenas 35% dos casos de estupro no Brasil são notificados (Revista Época)
SUS atende 20 casos de violência sexual contra crianças por dia (Gazeta do Povo)
Abuso sexual é o 2º maior tipo de violência no Brasil (Portal Terra)
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