O potencial pedagógico dos arquivos históricos - 02/06/2016
Ricardo Tomasiello Pedro e Raquel Quirino Piñas
Quem se dedica ao estudo da escola e à história da educação volta constantemente sua atenção aos arquivos e aos museus escolares, entendidos como “locais de memória” e responsáveis pela preservação dos registros históricos. Não há exagero ao afirmar que existe consenso em relação à importância dessas documentações, bem como sobre a necessidade de ações que garantam sua “perenidade” de modo que essas coleções contribuam para a constituição de novas narrativas sobre o cotidiano escolar e auxiliem as futuras gerações na compreensão do passado e suas múltiplas nuances.
Estudar os documentos produzidos dentro de uma escola permite a compreensão dos processos educativos, dos espaços e tempos escolares, e também as formas de socialização engendradas na escola. Estes registros, enquanto vestígios criados por sujeitos, abrem a possibilidade de entender outra realidade histórica que, por isso mesmo, é passível de ser investigada. Podem também ser convertidos em material didático, objeto propício para o uso docente em suas aulas, já que possibilitam a percepção de como era uma determinada configuração social, em um dado espaço e tempo.
No entanto, a presença de um arquivo/memorial dentro das instalações de uma instituição escolar não garante o uso destes documentos pelos educadores na elaboração de seus planos de ensino. Em relação aos usos dos documentos em sala de aula, muitos são os trabalhos que incentivam o professor a ampliar sua concepção de fontes históricas, superando a prática de utilizar o acervo exclusivamente para ilustrar e confirmar o discurso feito em sala de aula¹ . Essa forma de entender a documentação contradiz a concepção do aluno como produtor de conhecimento histórico. Na formação dos professores torna-se necessária a percepção de que as práticas didáticas e pedagógicas não se afastam totalmente dos métodos de pesquisa em História.
A utilização dos documentos escolares em sala de aula pode ser pensada em diferentes situações: enquanto documento para a investigação e produção de conhecimentos; em projetos envolvendo a escrita da história local, considerando a trajetória da instituição e da comunidade; em ações de organização e preservação de acervo envolvendo alunos e professores.
O uso do acervo em sala de aula possibilita o desenvolvimento do pensamento histórico considerando as três dimensões. Primeiro, todo registro humano é um vestígio histórico, parte da memória social, e deve ser entendido como patrimônio da sociedade. Segundo, a análise de um documento deve articular os métodos do historiador com as práticas pedagógicas, considerando as diversas linguagens documentais. Por fim, a problematização do conhecimento histórico como prática que enriquece o ensino de História.
A construção de uma narrativa histórica depende do estabelecimento da prova documental, a construção do fato e o registro em forma literária. O uso dos documentos escolares em sala de aula permite o desenvolvimento de habilidades importantes para a prática historiográfica: a descrição, a análise, a síntese histórica.
O ofício do historiador pode ser considerado parte do conteúdo do ensino de História nas escolas. Contudo, é necessário ter em mente que os documentos de um arquivo não se convertem espontaneamente em material pedagógico. Não foram elaborados para a ação didática, assim como não surgiram como fontes históricas. Ao professor cabe fazer essa adequação, considerando as expectativas de aprendizagem.
O fato histórico é uma construção e isto precisa ser esclarecido no ensino de história. O professor pode articular suas ações de modo a apresentar como se constrói o conhecimento sobre o passado. O que é bem diferente de simplesmente reproduzir nas aulas teorias e fatos construídos por outros historiadores.
Dessa forma, como nos adverte Schmidt e Cainelli (2004, p. 49), “compreender a história com base nos procedimentos históricos tornou-se um dos principais desafios enfrentados pelo professor no cotidiano de sala de aula”. Isso não quer dizer que o professor deva agir como um historiador, afinal, o intuito dos usos de documentos históricos é diferente nas ações dos dois profissionais. Mas a escolha do item do acervo e a forma como este será trabalhado devem considerar as operações feitas pelo historiador. Cada linguagem documental possui uma especificidade na sua utilização, e mostra-se válida à prática pedagógica².
¹Schmidt e Cainelli (2004, p. 95).
²Para o aprofundamento da idéia de que existem métodos diferenciados para o estudo das diversas linguagens documentais, aconselhamos o livro BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3ª. ed. São Paulo: Cortez, 2009. v. 01. 408 p.
# A força literária das mulheres
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