Sniper Americano - 18/05/2016
João Luís de Almeida Machado
Na alça de mira do atirador de elite norte-americano estão uma mãe e um menino. A criança deve ter por volta de 10 ou 11 anos. O cenário é uma devastada cidade iraquiana na primeira década do século XXI. Poderia ser no Afeganistão ou em qualquer outra localidade do Oriente Médio, onde as diferenças entre os povos se adensam por conta de motivos econômicos, religiosos e políticos como em nenhuma outra parte do mundo.
Atirar numa criança ou em sua mãe em qualquer lugar do mundo pode parecer um ato criminoso, cruel e covarde. Não neste mundo islâmico onde os radicalismos expõem sua força e sua fraqueza em condições nada parelhas.
Aos olhos do sniper (este superespecializado profissional com excepcional índice de acertos em seus tiros a distâncias praticamente impossíveis para outros soldados) a mãe mulçumana deixa transparecer que sob sua vestimenta carrega uma bomba na direção dos soldados da coalização liderada pelos EUA... Bang! Tiro certeiro e a mulher cai, morta.
O menino, ao invés de chorar pela perda da mãe, age como o soldado, programado para a guerra suja que corre lá fora, pega a bomba e dá um, talvez dois passos na direção do batalhão que se aproxima, até que também é alvejado por Chris Kyle (Bradley Cooper, em notável atuação, que lhe rendeu indicações aos principais prêmios do cinema americano e mundial).
As lentes de Clint Eastwood (uma verdadeira lenda do cinema mundial) nos colocam na posição do soldado e nos fazem, literalmente, calçar suas botas, do momento em que decide se tornar um militar e ir lutar pela bandeira de seu país, alvo de atentados terroristas que fazem com que o nacionalismo fique ainda mais exacerbado nas terras do Tio Sam, até as incursões que faz com os pelotões aos quais está vinculado no Oriente Médio.
Entender o que se passa pela cabeça de um marine americano cuja principal proposta ou missão é atirar em qualquer pessoa que de algum modo signifique ameaça para os “freedom fighters” deixa de ser complicado. Passamos a entender que, tanto para Chris quanto para todos os demais soldados das forças de coalizão, há missões a serem cumpridas na luta contra ditaduras, regimes de exceção, terroristas cruéis e radicais extremistas que ameaçam americanos, ingleses, australianos, japoneses, franceses e todos aqueles que se posicionam por ideais relacionados ao pensamento dominante no mundo ocidental, democrático e liberal. Há tolerância neste seu mundo desde que todos pensem da mesma forma que os norte-americanos e seus aliados...
Diferentes culturas e religiões estabelecidas em mundos exóticos, ainda que mais antigos e consolidados há dezenas ou centenas de anos antes do surgimento dos primeiros americanos, somente são passíveis de compreender e tolerar se neles - ou com eles - forem estabelecidos laços comerciais e culturais que permitam a empresas, produtos e pessoas deste lado do mundo por lá circular livremente e auferir ganhos reais.
É certo que grupos radicais como a Al-Qaeda ou o Estado Islâmico extrapolam os limites do razoável e acabam criando um impasse ainda maior nas relações entre estes mundos tão distintos, legando aos americanos e seus aliados neste intrincado jogo de xadrez da geopolítica mundial o papel de paladinos da justiça.
Os excessos praticados pelos terroristas contra inocentes em diferentes partes do mundo acabam fazendo com que a opinião pública mundial se volte quase que totalmente contra estes radicais. O ataque ao jornal humorístico francês Charlie Hebdo, por exemplo, transformou tal ato de terror numa ação contra a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
“Sniper Americano” se insere numa linha de filmes que tende ao patriotismo e que por isso foi campeoníssimo de audiência, lotando salas de cinema nos EUA e tendo grande público também fora de seus domínios nacionais. A produção, no entanto, vai além disso ao nos propor reflexões sobre o valor da vida humana, as diferentes culturas e como elas podem em algum momento atingir uma verdadeira e legítima coexistência pacífica, o heroísmo individual numa guerra fria e suja, os interesses que realmente movem tantos países a tornar o Oriente Médio o verdadeiro inferno na Terra ou ainda questões mais matemáticas e corriqueiras como saber os custos reais destas ações, a trajetória das balas e a chance real de acerto ou erro em grandes distâncias como fazem os snipers ou ainda como todos os recursos aplicados nestes conflitos poderiam ser usados para alimentar os famintos, educar os analfabetos ou medicar o enfermos.
Mais uma obra-prima de Eastwood, que já nos havia proporcionado dois grandes filmes sobre a 2ª Guerra Mundial (“Cartas de Iwo Jima” e “A Conquista da Honra”, ambos de 2006), “Sniper Americano” é filme para ser visto e apreciado por todos, mas o olhar crítico tem que sempre estar atento para evitar que os estereótipos típicos de conflitos bélicos prevaleçam...
Veja o trailer do filme
Ficha Técnica
Filme: Sniper Americano (American Sniper)
País/Ano: EUA, 2015
Duração: 132 minutos
Gênero: Biografia/Guerra/Drama
Direção: Clint Eastwood
Elenco: Bradley Cooper, Sienna Miller, Luke Grimes, Jake McDorman, Cory Hardrict, Navid Negahban, Keir O’Donnell, Kyle Gallner.
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