Whiplash – Em busca da perfeição - 28/04/2016
João Luís de Almeida Machado
Gotas de suor e de sangue se misturam aos poucos sobre o prato e tambores da bateria. A imagem se desloca então para um alucinado jovem que em meio a outros músicos executa com força, intensidade e precisão as notas musicais. Fúria é o que se percebe, adicionada a paixão e a necessidade de provar o seu valor, de se destacar, de ser alguém especial, reconhecido pelo público. Como se atinge isso?
O primeiro passo é certamente estar nos melhores locais onde são preparados tais artistas. Não basta ser um talento, é preciso treino, estudo, prática e acima de tudo, professores acima da média, de preferência aqueles que sejam referências no segmento, acima de qualquer suspeita quanto ao seu talento, devoção, qualidade e conhecimento na área.
Para quem já alimentava tal devoção desde a infância pela música, particularmente pelo jazz e por alguns de seus maiores expoentes, como Charlie “Bird” Parker, por exemplo, como no caso de Andrew Neyman (Miles Teller, em atuação destacada), isso significava ingressar no Conservatório Shafter, considerado o melhor dos Estados Unidos e, lá dentro, ter aulas e orientações com ninguém menos que o conceituadíssimo Terence Fletcher (J.K. Simmons, em performance que lhe rendeu merecido Oscar).
O caminho não é tão fácil. A concorrência é grande, mas Andrew é obstinado e persevera até o momento em que a chance que esperava surge. Uma vaga como 2º baterista no grupo regido por Fletcher faz com que o professor/maestro busque um novo músico no grupo em que o jovem participa. Ele é ainda um novato nesta turma e suas chances são menores que a do músico titular na banda, mas a oportunidade aparece e ele acaba sendo o escolhido.
Para melhorar ainda mais seu astral, Andrew consegue convidar a jovem Nicole (Melissa Benoist), atendente do cinema que frequenta com seu pai (Paul Reiser, do clássico seriado “Mad about you”), para sair com ele.
O caminho para as vitórias é, no entanto, traiçoeiro e as pedras podem aparecer a qualquer momento. Nada que a dedicação, o foco e o talento não possam superar, pensa Andrew.
Começam então as aulas com Terence Fletcher e a primeira impressão, aquela que fica para sempre em muitos casos, marca Andrew em sua luta obstinada pelo reconhecimento. O jovem observa que entre os músicos, todos talentosos, há uma certa empáfia própria de quem tem qualidades, mas a quem falta maturidade para combinar tais virtudes a um comportamento onde não se evidencie a arrogância. Ele é tratado com certe desdém pelos demais, inclusive pelo baterista titular, que se relaciona com ele como se fosse seu subordinado.
Tudo muda, no entanto, com a entrada de Fletcher em cena. Todos emudecem. Apesar de uma saudação cordial do maestro há um nervosismo, uma evidente tensão no ar. Prevalece mais que um respeito, existe um evidente temor dos alunos em relação a seu mestre. Os acontecimentos que se sucedem mostram que a busca pela perfeição almejada pelo professor não permite a sobrevivência dos fracos e imperfeitos.
Como gregos e romanos no auge de suas civilizações na Antiguidade Clássica, aqueles que demonstram debilidade ou incapacidade reconhecida devem ser sacrificados. Os que tem talento devem burilar ao extremo, ainda que isso doa em seu corpo, alma e mente.
Há em Fletcher não apenas a convicção de que é preciso trabalhar ao extremo, treinar horas e horas, aplicar-se a detalhes mínimos que irão diferenciar o bom do excelente, mas um certo sadismo nesta busca, para a qual se utiliza de sua posição e reconhecimento levando os estudantes a vivenciar situações de humilhação, de sujeição desmedida, de violência oral e física. Nesta relação o aprendizado ocorre na marra e pode ter consequências imprevisíveis se os sujeitos nela envolvidos estão tão imbuídos daquilo que querem conseguir, como no caso de Andrew.
Nada justifica, em hipótese alguma, na relação entre aluno e professor, que o medo prevaleça. A educação é um ato sublime de amor no qual se espera a dedicação, o foco, o estudo, a busca da excelência sempre, tanto por parte do docente quanto do estudante, qualquer excesso ou abuso torna esta relação inválida e doentia. A teoria das 10 mil horas, explicada por Malcolm Gladwell em seu ótimo livro “Fora de Série – Outliers” mostra que é preciso estudar, praticar, treinar, criar, ler e reler as principais referências quando se pretende atingir resultados excepcionais naquilo que se faz, o que inclui, é claro, contato com pessoas referenciais, como professores reconhecidos por seus métodos e resultados. Nada e ninguém, no entanto, pode fazer do sonho de alguém o seu caminho para um pesadelo.
“Whiplash – Em busca da perfeição”, do diretor Damien Chazelle, filme que concorreu ao Oscar em 2015 na principal categoria, nos mostra que o mundo complexo em que vivemos hoje nos conduz muitas vezes para armadilhas relacionadas aos sonhos que acalentamos e as formas como podemos chegar lá. A educação é um caminho a ser percorrido certamente, mas excessos no processo formativo, egos inflados, a busca pela perfeição e não pela excelência e o abandono da vida pessoal e dos relacionamentos para se atingir tais metas não é o caminho.
Terence Fletcher é o avesso de John Keating, o professor de “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989), protagonizado igualmente com maestria por Robin Williams, no filme de Peter Weir, que também estimulava seus alunos a buscarem seus sonhos. Diferentemente de Fletcher, cujos métodos ortodoxos e radicais feriam seus pupilos, onde imperava a máxima de que “é preciso ser duro” sempre, Keating ensinava e estimulava os alunos a estudarem com afinco para deixarem brotar de dentro de si mesmos o caminho e a construção do ser, de sua voz e de sua autonomia, “sem perder a ternura jamais”.
“Whiplash” é forte, provocante e polêmico. Um grande filme que merece e precisa ser visto!
Veja o trailer do filme
Ficha Técnica
Filme: Whiplash – Em busca da perfeição
Título Original: Whiplash
País/Ano: EUA, 2014
Gênero: Drama
Direção: Damien Chazelle
Elenco: J. K. Simmons, Miles Teller, Paul Reiser, Melissa Benoist, Jayson Blair, Austin Stowell, Chris Mulkey, Damon Gupton.
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