Medo e criatividade - 16/03/2016
Wanda Camargo
Um dos maiores desserviços prestados ao sistema educacional pelos responsáveis principais pela nossa atual crise de valores, certamente é percebido na instabilidade de nossas relações sociais, na desesperança na economia, na profunda insegurança com relação à possibilidade de sobrevivência. O processo de ensino e aprendizagem implica em segurança, resiliência e tempo, além de um pouco de amor.
Tudo aquilo que instabiliza representa incerteza - outro nome do medo -, que, difuso e sem motivos aparentes, indistinto e bastante disperso, assombra sem que se saiba o que deve ser feito para eliminá-lo, e não nos permite aprender, e, principalmente, criar.
Medo é emoção básica, todo ser vivo o vivencia, porém na esfera humana é múltiplo, por ser gerado também pela imaginação e não apenas no plano material (predadores, incêndios, inundações), não tendo natureza única e imutável: cada época pode ter os seus pavores, e eles, infelizmente, são aprendidos e principalmente ensinados.
Desde a Grécia antiga, Deimos (o terror) e Fobos (o medo), irmãos que acompanhavam os guerreiros em campo de batalha, foram cultuados por representarem a punição dos deuses ao comportamento dos homens e mulheres, e recebiam oferendas para desviar as ações apavorantes aos inimigos, ou seja, o medo era externo ao ser humano, uma experiência quase que objetiva. No entanto, a partir da Idade Média passamos a internalizar nossas emoções, a constituirmo-nos no que pode ser descrito como detentores de vida subjetiva propriamente dita, e vários estudiosos fazem análise do discurso incitativo ao medo.
A crescente presença da religião no dia a dia levou ao medo de si, já que poderíamos abrigar dentro de nós o demônio, e passamos a ter medo do inferno, a procurar bruxas e feiticeiros, o outro, o satânico; e essa introspecção nos levou a internalizar profundamente o medo em todas as suas manifestações. Freud, nas primeiras décadas do século XX já analisava mal-estar de nossa civilização, observando que o sofrimento psíquico é também socialmente construído.
Hoje, imersos em um sistema de vigilância contínua, com recursos extremamente sofisticados nos aparelhos de segurança, casas cada vez mais fechadas, carros blindados, travas, comportamentos defensivos, uma possível busca de estabilidade pode ser encontrada na constante medicalização de nossas vidas, fazendo uso de remédios cada vez mais fortes para a cura dos males psíquicos.
Distúrbios mentais como depressão, esquizofrenia, bipolaridade, pânico e transtornos obsessivos – compulsivos também são efeitos do temor, real ou pressentido, do sentimento de desamparo.
Estamos, assim, eternamente nos sentindo perseguidos ou vigiados, e não desejamos não ser, já que isso provocaria a responsabilidade por nossos atos, permeando nossas relações comunitárias ou de trabalho, dado que ninguém está suficientemente seguro ou amparado.
Caso convivamos num ambiente de autoritarismo e intransigência, à insegurança externa se somará a interna, dificultando confiança em novas ideias, e o medo de ser censurado, criticado, punido ou ameaçado, fará cessar qualquer criatividade que pudesse aflorar.
Aprendizagem ou pensamento inovador deve-se a um conjunto de variáveis comunitárias, culturais e históricas, ou seja, não se constitui apenas como um fenômeno de características intrapsíquica, mas também conjuntural: hábitos sociais, valores, incentivos, punições.
Em ambientes escolares, é preciso lembrar que autores como Fayga Ostrower, importante teórica e docente de artes no Brasil, declaram que “criar corresponde a um formar”, e poucos podem desenvolver-se sob a égide do medo.
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