Muitas palavras e pouco o que dizer - 14/03/2016
João Luís de Almeida Machado
"Normalmente eles (os imbecis) eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um prêmio Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade". (Umberto Eco)
Umberto Eco (1932-2016) em entrevista dada a importante veículo jornalístico fez crítica mordaz a internet e a forma como nela se escreve. Segundo Eco, a escrita dos internautas, chamados por ele de imbecis, caracteriza-se pela falta de profundidade, conteúdo que tenha valor, composta por vagos discursos nos quais ainda que as palavras aparentemente sejam abundantes, nada de fato se aproveita por sua superficialidade.
Duro em seu pronunciamento, de certa forma mostrando-se excludente quanto a oportunidade oferecida pela rede mundial de computadores a seus milhões de usuários, cujas vozes antes restringiam-se aos espaços onde vivem tais pessoas, até mesmo elitista ao dar peso e valor a fala de pessoas cultas e premiadas, como os citados ganhadores do Prêmio Nobel, o autor de “O Nome da Rosa”, “O Pêndulo de Foucault” e tantos outros livros de grande repercussão, ainda assim, tinha em sua fala uma boa dose de razão.
As redes sociais criaram um grande canal de comunicação e, ao invés de utilizarmos todo este potencial para tornar melhor a experiência humana como um todo o que prevalece é o uso das plataformas para discursos rasos, desprovidos de consciência social, alheios a argumentação sólida, focados nos indivíduos que usam os canais como meio de promoção pessoal, meios de vender a imagem da maioria de seus usuários como pessoas felizes e realizadas em meio a um mar de imagens em que sorriem de forma aparentemente “inconteste” para suas câmeras, ao tirarem “selfies”.
Nem todo o espaço da web deve ser usado para finalidades sérias, é claro, o espaço para as futilidades deveria ser garantido, devem pensar muitas pessoas ao lerem estas linhas. Eco estava errado e foi arrogante e presunçoso em sua afirmação, diriam outros.
A futilidade é parte da existência humana, sem sombra de dúvidas. Em muitos momentos da vida de qualquer ser humano abre-se espaço para banalidades várias, sem as quais, focados apenas naquilo que é sério na vida, poderíamos, literalmente, surtar.
Não rir é também um contrassenso, o que o próprio Eco, em célebre passagem de seu mais conhecido romance, “O Nome da Rosa”, destaca nas palavras do franciscano William de Baskerville (interpretado no cinema de forma magistral por Sean Connery), ao afirmar a existência do segundo livro de Poética, dedicado a comédia, do filósofo grego Aristóteles, e reiterar que os santos riem mesmo diante de grandes adversidades.
O que o escritor e pensador italiano destaca nesta fala, no entanto, é que há muito espaço para os discursos vagos, sem estofo, sem recheio e, por isso mesmo, pasteurizados ou requentados pratos contendo a comida de ontem que já era insossa.
Por outro lado, ao se abrir tamanho espaço para pessoas que tem pouco ou nada a dizer e a acrescentar ao debate e ao pensamento mais sério e focado, aquilo que deveria ganhar vulto e real destaque, como o pensamento científico, artístico, cultural, filosófico, político ou econômico de vulto, por exemplo, acaba sendo neutralizado, passando por vezes incólume, sem provocar ou ser provocado em suas indagações.
Como a internet não pertence a ninguém e, tendo por base seu modelo original que preconiza independência de qualquer tipo de governo ou censura prévia (exceto, é claro, quando seja usada de forma a atentar contra os direitos essências dos seres humanos ou em favor de movimentos que caracterizem atentado a ordem e a estabilidade mundial), não me parece que teremos uma crise de consciência coletiva que leve as pessoas a melhor articular seus discursos como preconizava Umberto Eco. Neste sentido, a despeito de tantas pessoas e instituições que usam a rede para compor material e discurso de real valor, continuarão a prevalecer as futilidades e as banalidades por muitos e muitos anos. Falta-nos maturidade para o uso responsável, de caráter coletivo (no qual pensamos e atuamos no sentido de criar elementos que sejam não apenas nossos, mas de todos, como contribuição, de fato a melhoria da vida no planeta, seja de que modo for, nos conformes e possibilidades de contribuição de cada pessoa), com seriedade e foco, é claro, ainda com algum espaço no qual possamos ser apenas os “bobos da corte” ou os “imbecis do planeta” sem que isso ofenda ninguém e esteja circunscrito apenas aos círculos aos quais de fatos percebemos, sem alarde para o mundo, pois neste aspecto Eco tinha razão, a arena ou circo criado pela internet dá vazão a muitas coisas que não são de interesse de ninguém, a não ser de quem as divulga e de alguns poucos próximos que os seguem...
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