Cê Tem Bruneva? Ou Cê Tem Bruchove? - 02/02/2016
Rodolfo Mattiello
"Mas quando alguém te disser que está errado ou errada, que não vai S na cebola e não vai S em feliz, que o X pode ter som Z e o CH pode ter som de X". Essa letra da música do grupo O Teatro Mágico, sem querer querendo, tem uma importância linguística interessantíssima. Pois vamos aos fatos: embora a língua portuguesa seja um idioma predominantemente ortográfico, isto é, quando falamos, o fazemos conforme escrevemos as palavras, quando conversamos as palavras acabam tomando uma outra forma fonética e, às vezes, ortográfica. Sabe aquela dúvida quando vamos escrever a palavra "exceção"? Pois essa dificuldade é similar quando nossos alunos travam na hora das atividades de listening.
O início da minha nada fácil carreira (o riso é livre), tive o privilégio de trabalhar numa escola de idiomas bem famosa e o primeiro verbo que os alunos aprendiam, logo na primeira aula, era eat em sua forma infinitiva. Quando os alunos tinham contato com o modelo do áudio, eles ouviam [tüwit] (to eat), uma pronúncia diferente da canônica que seria /tü/ /it/. O resultado: quando os alunos precisavam conjugar o verbo numa frase comum, o que tínhamos era "my daughter [wits] cornflakes for breakfast". Isso mostra que quando oralizada, a língua inglesa também sofre mutações fonéticas que favorecem a fluência, como pode ser notado na adição do fonema /w/ no verbo eat na forma infinitiva que acompanha to. E de fato quando falamos, a fluência natural da frase oferece a adição de um fonema quando há encontro de sons vocálicos na língua inglesa, e digo sons porque o inglês é uma língua sonora, diferente do português. Essa característica da língua inglesa é um dos obstáculos para nossos alunos quando tem atividades de listening, pois os students vêem a palavra escrita, ouvem os professores produzirem /it/ incansavelmente e no áudio aparece /wit/. É claro que o cérebro deles vai dar um nó.
Por isso, é muito importante, primeiramente, sairmos do nosso status quo e enfim entendermos que pronúncia se trata de algo além do conjunto de fonemas que encontramos nos dicionários para descobrirmos a pronúncia das palavras quando soltas. Por que precisamos sair dessa armadilha? Porque palavras mudam de figura quando no meio de frases durante uma conversa, por exemplo. Aqui no Brasil, os mineiros são conhecidos por fazerem essa elisão de sons como podemos notar em (1) e (2).
(1) [“popōō”po] na cafeteira?
(2) Quantos [“kidʒi”kaːrni] você quer?
(3) [“wadʒju”du] that?
No entanto, não somente os mineiros são capazes de tal proeza linguística, mas os falantes de maneira geral fazem uso desse "fenômeno" que favorece a fluência da oralidade. A diferença é que como se trata de nossa língua materna, não temos costume (infelizmente) de analisar essas junções de sons nas aulas de português e quando nos deparamos com essa situação na língua inglesa (ou qualquer outra estrangeira), temos o hábito de achar que a língua em questão é um bicho de sete cabeças. Mas não é. Pois bem, o simples fato de nossos alunos perceberem que em (3) existe um conjunto de sons que antecipa a palavra that e que a entonação se trata de uma pergunta é um grande passo. Isso é o início de uma análise top-down, ou seja, é uma percepção que nossos alunos trazem por eles mesmos. Great job, guys, mas não é o suficiente.
Segundo o professor Mark Bartram é preciso saber mais do que interpretar o que algo foi dito ou escrito. No caso da leitura, o trabalho fica um pouco mais fácil, mas no caso da oralidade... aí a coisa fica séria! Portanto precisamos separar um tempinho em nossas aulas para brincar com os sons da língua inglesa para que nossos students notem que o primeiro /d/ encontrado em (3) se trata de uma elisão da palavra did - embora eu classificaria como um quase extermínio da palavra - que se funde com a palavra you. A menos que esse tipo de trabalho bottom-up, ou seja, que uma análise que a fala ou o texto promove aos alunos, tenha sido realizado anteriormente, de fato encontraremos students travados nessa parte da atividade de listening.
Portanto, meu amigo professor, quando estiver preparando seu lesson plan, quer seja pra alunos avançados ou os pequeninos, reserve um espacinho para discutir as nuances sonoras que a língua inglesa oferece. Quanto antes fizermos esse trabalho, menor será a chance de termos alunos chegando ao colegial com dificuldades extremas nas atividades de listening, sem contar que a fala também irá melhorar.
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