Selma – Uma luta pela igualdade - 07/01/2016
João Luís de Almeida Machado
No horizonte é possível perceber homens e mulheres a marchar sobre a ponte pênsil que lhes permite entrar numa pequena cidade. Do outro lado, a lhes esperar, carros de polícia e oficiais armados com cassetetes, escudos, armas de fogo e outros recursos de intimidação. O que deveria ser garantido a cada uma das pessoas ali presentes, ou seja, o direito de ir e vir, a livre expressão de seus pensamentos, a possiblidade de manifestação coletiva de suas demandas, ou sejam, seus direitos civis, está em jogo.
Estamos nos anos 1960, na região sul dos Estados Unidos e a turba que se movimenta de forma coordenada para atravessar aquela ponte é formada em sua maioria por pessoas negras ou por simpatizantes que aderiram a luta contra a discriminação e o preconceito racial.
Selma, cidade localizada no Alabama, extremamente conservadora é apenas um instantâneo daquele período histórico de embates entre os reacionários e conservadores que continuavam a apregoar a prevalência da superioridade dos brancos sobre os negros e os movimentos que, em oposição a isso, tentavam aprovar as leis que lhes dariam os mesmos direitos que tinham todos os americanos que não eram afrodescendentes.
A frente daqueles homens e mulheres e preparado para o embate estava o reverendo Martin Luther King Jr., que alguns meses antes daquele momento tenso havia sido reconhecido mundialmente, ao ganhar o prêmio Nobel da Paz, por sua luta pelos direitos civis nos Estados Unidos a partir da filosofia que apregoava a não-violência, inspirado no líder indiano Mahatma Gandhi. Seu exemplo e a força de suas palavras inspiraram milhares de pessoas em seu país natal e em outras nações a lutar contra a discriminação e o racismo. E naquele exato instante da travessia da ponte, lá estava King, de peito aberto, buscando estabelecer diálogo, mas desde o início, preparado para um eventual conflito, violências e prisões arbitrárias que pudessem ser realizadas pelos policiais do outro lado da ponte.
Selma – Uma luta pela igualdade, filme do diretor Ava DuVernay, nos coloca no epicentro dos marcantes episódios ocorridos em 1965 quando todos aqueles manifestantes desafiaram a força das armas e todas as injustiças relacionadas ao preconceito racial para que naquela cidade os afrodescendentes pudessem se tornar eleitores e escolher seus próprios representantes para ocupar os principais cargos políticos locais.
Apesar do movimento pelos direitos civis já ter alcançado expressivas vitórias ao longo dos anos 1950 e início da década seguinte, nos estados do Sul ainda vigoravam ideias e práticas que segregavam os negros, partindo de princípios totalmente ilegítimos como aquele que preconizava o igual direito de todos os cidadãos desde que separados pela cor da pele quando tivessem acesso a eles, como por exemplo, a transportes públicos, serviços prestados pelas prefeituras, escolas, hospitais...
Com atuações destacadas de todo o elenco, em especial de David Oyelowo como Luther King e de Carmen Ejogo como a Coretta King, a esposa do grande líder negro americano e, contando ainda com elenco de apoio com atores experientes e qualificados como Tom Wilkinson (fazendo o papel do presidente Lyndon Johnson), Oprah Winfrey (também produtora do filme), Tim Roth e Cuba Gooding Jr., o filme é um libelo contra a discriminação e o preconceito numa época em que novamente vemos o mundo em chamas ou conflitos por conta da intolerância. Mais do que uma aula de história, Selma nos permite pensar e agir em prol da civilidade, da ética e da tolerância. Um grande filme.
O Filme
Decidida a tornar-se eleitora cadastrada na cidade de Selma, no Alabama, Annie Lee Cooper (Oprah Winfrey) se encaminha preparada para mais uma difícil sabatina a qual ela, como cidadã negra no sul dos Estados Unidos era submetida. Tinha estudado as leis, estava com as respostas na ponta da língua, sentia que desta vez superaria os empecilhos criados pelos avaliadores. Tudo em vão... Novas perguntas e outro grau de dificuldade criados a fizeram ser reprovada e, com isso, não só o direito ao voto tinha sido dela retirado, mas a possibilidade de mudar, de fato, o triste cenário em que a população negra, oprimida, vivia naquela região.
Este fato, não isolado, porque continha em si a ideia e a prática recorrentes de segregação racial percebida em vários estados norte-americanos localizados mais ao sul daquele país, mobiliza o reverendo Martin Luther King (David Oyelowo) e simpatizantes na luta pelos direitos civis a se dirigir àquela cidade para lá iniciar uma marcha em direção a Montgomery, capital do Alabama, onde iriam manifestar-se contra as ações de exclusão ainda vigentes naquele estado e em outros próximos, como o Mississipi, a Louisiana, o Missouri e a Geórgia, por exemplo.
O problema é que as autoridades locais, lideradas pelo xerife da cidade, se posicionaram de forma franca, ostensiva e violenta contra a ação dos manifestantes. Quando a multidão se reuniu para iniciar a marcha, do outro lado da ponte de entrada na cidade de Selma, preparados para uma batalha campal, estavam o xerife, os policiais e, a ampará-los, soldados.
Nos bastidores, a partir de então, inicia-se um embate político que irá mobilizar o presidente, o congresso e a opinião pública quanto aos acontecimentos em Selma. Indicado a vários prêmios, inclusive ao Oscar de melhor filme, Selma é filme obrigatório para quem gosta de cinema de primeira e temáticas sociais fortes e importantes como a luta pelos direitos civis e contra a discriminação.
Para Refletir
1 - O que é tolerância? O que é intolerância? Qual a diferença entre segregação e racismo? O que são os chamados direitos civis? Como está a luta pelos direitos civis no mundo de hoje? Conceitos essenciais que são por vezes trabalhados de forma subliminar em aulas de história, filosofia ou sociologia. Não são apenas adendos, são mais do que temas transversais, devem ser percebidos como informações essenciais para a configuração de um mundo mais justo, digno e harmonioso, portanto, aulas a parte, projetos, leituras, trabalhos e tarefas podem e devem ser dadas sobre este tema.
2 - Do mesmo modo como ontem, também hoje há questões mal resolvidas no tocante a discriminação racial ou étnica. Negros, índios, hispânicos e orientais, independentemente de onde venham e da riqueza de suas culturas são por vezes hostilizados e tratados com desdém ou mesmo com repulsa por parte dos grupos dominantes. Uma forma de combater isso seria conhecer melhor estas culturas, dando espaço para pesquisas, depoimentos, entrevistas, troca de informações, contato com grupos de apoio. A escola precisa criar estes elementos de conexão e abertura em prol de mais tolerância e entendimento entre as pessoas, em especial, semeando isso juntamente as futuras gerações.
3 - A não violência utilizada por Martin Luther King e por Mahatma Gandhi ainda inspira muitas pessoas e ações. No mundo de hoje, porém, a escalada da agressividade, do belicismo e do confronto têm se expandido com grande rapidez. Estudar a história destes e de outros homens que semearam a paz por onde passaram pode muito bem ajudar a mudar para melhor o cotidiano da escola, da comunidade e também do mundo inteiro. Compreender esta filosofia, relacionada a não violência deveria ser estudo obrigatório nas salas de aula de todo o mundo.
Trailer
Ficha Técnica
Título: Selma – Uma luta pela igualdade (Selma)
Origem: Estados Unidos, 2014
Indicação Etária: 14 anos
Gênero: Drama, Histórico, Biografia
Duração: 128 minutos
Dirigido por Ava DuVernay
Elenco: David Oyelowo, Carmen Ejogo, Tom Wilkinson, Oprah Winfrey, Cuba Gooding Jr., Tim Roth, Tessa Thompson, Giovanni Ribisi, Andre Holland.
Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.