A desconexão que se faz necessária - 05/01/2016
João Luís de Almeida Machado
Seu computador está ligado agora. O telefone celular já tocou algumas (ou várias) vezes. A televisão na sala ou no escritório martela as notícias e os dados do mercado financeiro sem parar. Pela web você circula ao mesmo tempo pelas redes sociais e por sites de bancos, empresas, jornalismo…
As pessoas ao seu redor estão ali mas você nem ao menos levanta a cabeça quando fala com elas. Se lhe perguntarem que roupa estão usando não saberá dizer. O café que tomou ou qualquer outro alimento que consumiu não parecem ter um gosto definido, algum tipo de sabor.
Os traslados entre sua casa e seu local de trabalho praticamente inexistem. Não é possível apreciar a paisagem, observar o movimento das pessoas. Você só se dá conta de alguma coisa quando o trânsito é interrompido…
Em aeroportos, rodoviárias ou estações de trem o que se vê é uma inimaginável quantidade de pessoas sentadas, a esperar o transporte, que de algum modo estão ali mas não estão. Seus notebooks e celulares as levam a tantos outros lugares que aquela experiência é meramente passageira ou ilusória. Será que realmente passaram por ali?
No final de semana ou nas férias, quando as pessoas deveriam desligar, não conseguem. Continuam ligando seus equipamentos, sendo contatadas por seus telefones. São encontradas na praia, nas montanhas, no interior, no exterior…
Não percebem que o tempo está passando, seus filhos crescendo, o amor que está se perdendo, as emoções que deixaram de ser vividas. Estão tão conectados que a vida ao seu redor se tornou apenas um detalhe, item elementar de cenografia, composição da paisagem…
As pessoas se alternam e os sentimentos que deveriam ser nutridos em relação a elas simplesmente inexistem. A frieza impera. O importante não é mais a família, tampouco os amigos. Talvez o trabalho, a produtividade, os lucros, o enriquecimento. Mas nem mesmo disso as pessoas conectadas parecem ter certeza.
Quando se dão conta, a vida foi embora. Os anos se passaram. O desgaste acumulado ao longo do tempo fez com fossem parar numa cama de hospital. As visitas são raras. Os negócios não fechados afastaram todos aqueles contatos.
Alguns parentes ainda teimam em ir ao hospital. Poucos amigos se aventuram a reencontrar você. A solidão e a amargura são os sentimentos mais estáveis que parece conhecer. Você se dá conta que era apenas mais uma peça na engrenagem… E que foi substituído por alguém mais jovem, dinâmico, interativo, produtivo, ligado nas modernidades que todos os dias surgem… A provável próxima vítima…
Ainda há luz no final do túnel? Sim. As esperanças surgem quando você consegue perceber, nos pequenos lapsos de consciência surgidos quando se desliga, se desconecta… Quando sente as mãos quentes de seu cônjuge, filhos, pais, irmãos, amigos…
Se consegue perceber a lágrima que escorre dos olhos de alguém que ama por sua ausência… É sinal que pode voltar a viver…
E o trabalho? E as contas? E o conforto? Como viver? Se me desconectar não terei como prosseguir, como chegar lá. Talvez seja necessário se desintoxicar. Fazer um trabalho de readaptação e readequação. Por doses homeopáticas ou tratamento de choque, tanto faz, dependendo do seu nível de ansiedade, stress e conectividade…
Parar de trabalhar não é opção. Precisamos nos sentir úteis. Capazes de ajudar e de gerar riqueza, produção, trabalho, bem-estar… O que não podemos fazer é deixar de viver todas as outras instâncias de nossas vidas… Abandonar o que dá real sentido a nossas existências… Deixar para trás o que é perene, para sempre mesmo, por projetos que irão consumir apenas alguns anos de nossas vidas…
Pise no freio. Desligue seu computador. Use o celular apenas quando realmente necessário. Trabalhe com dedicação e afinco mas permita-se o lazer. Realize atividades físicas, lúdicas. Dê-se tempo para seus prazeres. Encontre-se, de fato, com amigos e familiares.
Desconecte-se para que possa, enfim, conectar-se com o mundo, as pessoas, a vida, a natureza… Em seus últimos momentos, tenha certeza que toda a riqueza acumulada, todos os bens materiais que tiver, todos os contatos ou contratos efetivados não serão nada… O que realmente lhe dará paz de espírito, esperança e lhe fará pensar que valeu a pena viver serão as pessoas que amou e que sempre estiveram ao seu lado…
# Artigo: Geração Coca-Cola sem gás
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