Planeta Literatura
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Os Simpsons e a Filosofia - 16/07/2004
Aristóteles, Nietzsche e Kant visitam Springfield

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Capa-do-livro-Os-Simpsons-e-a-Filosofia

Os intelectuais costumam torcer o nariz para a televisão e suas principais representações. Alegam que a produção cultural televisiva de qualidade se restringe a canais abertos como os canais educativos estatais (com destaque todo especial para a TV Cultura), a determinados programas dos outros canais (como minisséries baseadas em clássicos da literatura, alguns talk-shows ou noticiários) e aos canais da televisão paga onde há uma grande profusão de documentários (Discovery Channel, National Geographic Channel, BBC, Animal Planet,...).

Seriados norte-americanos e novelas brasileiras ganham vulto e destaque na mídia especializada no gênero, mas dificilmente conseguem vencer a dura resistência do mundo acadêmico. É verdade que as barreiras tem sido derrubadas aos poucos, como um autêntico ‘Muro de Berlim’ quebrado pedaço a pedaço. Análises da influência cultural de determinados programas brasileiros e estrangeiros têm surgido no mercado editorial e, para nossa grata surpresa, assinados por especialistas ou intelectuais provenientes de algumas das melhores universidades nacionais e internacionais.

É esse o caso de “Os Simpsons e a Filosofia”, uma coletânea de artigos escritos por respeitados profissionais dedicados a nobres áreas do conhecimento das ciências humanas, especialmente a filosofia. E como tudo isso começou?

Com conversas em encontros casuais, durante as conhecidas “happy hours”, em que depois de dias exaustivos de trabalho nas faculdades e escolas onde lecionavam ou nas empresas em que cumpriam seus expedientes, esses professores e estudiosos conversavam um pouco sobre vários temas, entre os quais, séries de televisão.

Desenho-da-familia-Simpsons

Perceberam que “Os Simpsons”, série de desenhos animados criados por Matt Groening, disponibilizada pelo canal Fox desde 1989 (ininterruptamente), era um dos assuntos mais freqüentes quando falavam de televisão. Todos se mostravam interessados na forma como essa animação era capaz de mobilizar um enorme contingente de telespectadores e, ao mesmo tempo em que divertia, motivava discussões a partir de suas ironias e ácidas críticas ao modo de vida americano.

Resolveram sugerir a alguns editores que as discussões do “happy hour” se transformassem em textos onde aprofundassem o debate. Devido ao imenso sucesso da série e ao potencial explosivo proveniente das desventuras de Homer, Bart, Lisa, Margie e Maggie, além da possibilidade óbvia de grande sucesso de vendas, alguns editores americanos resolveram bancar o projeto. Enorme sucesso por lá, ganhou o mundo e chegou, também, ao Brasil.

“Os Simpsons” também é sucesso em nosso país. Tanto que foi objeto de disputa comercial entre a Rede Globo e o SBT, com as organizações da família Marinho levando a melhor e obtendo os direitos de apresentação dos desenhos de Matt Groening no país (vale lembrar que durante um bom tempo essa autorização permitiu a Silvio Santos colocar Homer, Bart e companhia em sua grade de programação).

Vale, entretanto, refletir por que um desenho animado suscita tantas discussões e algumas disputas comerciais de peso.

É nesse espaço específico que entra o livro “Os Simpsons e a Filosofia”. Seus autores discutem as questões éticas, existenciais, filosóficas e morais que norteiam o rumo dos personagens e das histórias contadas no desenho. A série, de enorme sucesso, tem várias qualidades que quando discutidas em textos produzidos por intelectuais e especialistas ficam mais claras e evidentes até mesmo para os mais fiéis fãs desses desenhos.

Desenho-da-cidade-onde-moram-Os-Sompsons

Temos que lembrar que, para começo de conversa, “Os Simpsons” é um desenho animado destinado a um público mais maduro e adulto. Pode até ser visto pelas crianças, que vão achar graça na imbecilidade de Homer Simpson ou nas diabruras do pequeno Bart Simpson, mas que dificilmente perceberão diversas ironias e algumas das críticas embutidas nos episódios apresentados.

Cada personagem de “Os Simpsons” foi criado e desenvolvido com uma história de vida, pertencendo a uma cidade chamada Springfield que parece um retrato perfeito da vida interiorana nos Estados Unidos, onde há uma comunidade ampla e variada de pessoas (como os Flanders, vizinhos dos Simpsons; o reverendo Lovejoy, pastor da comunidade; o sr. Burns, proprietário da usina de energia atômica onde Homer trabalha,...) que acabam muitas vezes atuando como protagonistas ao lado da família Simpson.

Em “Os Simpsons e a Filosofia”, os autores se propõem a analisar as ações e características dos principais envolvidos nas histórias, os membros da família Simpson, do patriarca Homer a caçula Maggie. Para tanto se utilizam de fortes referências do pensamento ocidental, provenientes da clássica filosofia grega (como Aristóteles, Sócrates e Platão) e atingindo até mesmo pensadores do mundo moderno e contemporâneo (como Kant, Nietzsche e Sartre).

Homer Simpson, por exemplo, é assunto do primeiro capítulo, “Homer e Aristóteles”, onde é dissecado a partir da categorização lógica dos tipos de caráter criada por Aristóteles, sábio pensador grego, discípulo de Platão e preceptor de Alexandre Magno. É difícil imaginar que tal análise poderia ser feita, entretanto, vale destacar que apesar dos inúmeros episódios em que percebemos toda idiotice e incapacidade de Homer, o que seria suficiente para qualificá-lo como uma pessoa viciosa (de acordo com os preceitos aristotélicos, viciosos são aqueles que não possuem virtudes e não controlam suas vontades), há várias situações em que Homer se destaca como um bom pai, um marido que se mostra fiel a sua esposa e, em determinados momentos, uma pessoa capaz de atos de altruísmo e bravura. A que conclusões poderíamos então chegar quanto a Homer?

Personagens-de-Os-Simpsons

Lisa Simpson é, na contramão de seu pai, uma representação de várias virtudes que a colocam constantemente em situação de crise existencial numa sociedade vazia, hipócrita e cínica. Vegetariana convicta, defensora dos direitos das minorias, feminista ardorosa e exemplarmente estudiosa, a menina de 8 anos de idade é a consciência que reina sobre sua família e também sobre Springfield. É mais madura que a grande maioria dos habitantes da cidade e tenta, a cada novo episódio, ajudar todos a seu redor a melhorar suas vidas. Essa pequena menina cheia de virtudes apesar da pouca idade é tema do segundo capítulo do livro, “Lisa e o antiintelectualismo americano”.

Há capítulos dedicados a Maggie e Margie, respectivamente o bebê dos Simpsons e a mãe dedicada, carinhosa e racional, que abre mão de seus sonhos em prol da felicidade de seus filhos e de seu desajeitado marido (“A motivação moral de Margie”).

Bart, considerado ao lado de Homer como o principal astro da série, tem uma análise interessante no capítulo “Assim falava Bart: Nietzsche e as virtudes de ser mau”. Arquétipo do “Bad Boy” capaz de roubar os livros dos professores e causar o cancelamento das aulas (já que os professores não seriam capazes de ministrar suas aulas sem os livros dos mestres...), Bart Simpson é um menino esperto, que contraria as normas da sociedade em busca de emoções que sente terem sido perdidas. Em um dos mais lembrados episódios da série, Bart se torna autêntico ídolo em Springfield e, por isso, passa a ser copiado por todas as pessoas da comunidade. O que, a principio poderia parecer a vitória de sua proposta, o torna infeliz. Sem saber o que fazer, é aconselhado por sua irmã Lisa, a contrariar a ordem (onde todos tentam ser espertos e arteiros como Bart) e se tornar um exemplo de virtude e bom comportamento... A comparação com o super-homem da obra de Nietzsche torna-se um ótimo caminho de reflexão filosófica.

Desenho-de-Homer-e-Bart

Há muitos outros ensaios que podem nos fazer entender bem não apenas o seriado e seus personagens, mas principalmente os norte-americanos, seu modelo de vida e, mesmo, o mundo em que vivemos. Autêntico micro-cosmo do país do Tio Sam, Springfield é um retrato fiel da vida nos Estados Unidos, onde causas importantes como a questão da utilização da energia nuclear, problemas ambientais, relações humanas, educação, saúde e religião são colocadas na pauta do dia.

Outra importante qualidade do seriado, destacada nos vários capítulos de “Os Simpsons e a Filosofia” refere-se às citações da cultura popular norte-americana que aparecem nos episódios (menções a outros seriados de televisão como “Friends” ou “Perdidos no Espaço”, filmes como “Tubarão” ou “Os Pássaros”, livros de autores consagrados da literatura norte-americana como John Steinbeck ou Ernest Hemingway).

Aprender filosofia pode ficar muito mais fácil quando conseguimos fazer conexões (sinapses) entre produtos da cultura pop mundial como “Os Simpsons” e as grandes referências e conceitos criados pelos principais pensadores da história da humanidade. Outro aspecto importante da obra reside no fato de que as barreiras entre o mundo acadêmico e a sociedade “leiga” estão sendo superadas aos poucos, permitindo um saudável intercâmbio que integre a produção cultural popular e a chamada alta cultura.

Se a televisão e seus principais expoentes puderem contribuir para a educação e a cultura de forma incisiva em prol de um real crescimento, nada melhor do que pensar como os romanos e admitir que é melhor tê-los como aliados do que como inimigos...

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas
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18 COMENTÁRIOS

1 rosana - natal
os simpsons e uma satira a cultura americana e a condição humana,como as pessos podem ser autênticas,conservadoras e ao mesmo tempo ridiculas,a imperfeição humana mas nos da uma lição como podemos superar estas deficiências de forma positiva.
13/12/2012 10:52:08


2 Filosofia na escola - Vitória
O livro é bem legal e tem vários textos que servem para trabalhar com alunos do ensino médio. No meu blog disponibilizo alguns trechos do livro www.filosofianaescola.com.br
10/02/2012 17:25:14


3 Odinilson Ananias Bom de Lima - Rio de janeiro
Deu vontade de comprar esse livro. Eu adoro filosofia e Os Simpsons ! Além disso, penso que devemos juntar os desenhos animados com a educação. Isso desperta mais ainda o interesse do povão pela filosofia etc.
30/12/2011 16:12:16


4 ED Jr - BPta
Paulo Silveira Suzano : leia o livro e encontrará isso e muito mais. Excelente discussão sobre filosofia, arte e cultura popular, sátiras, ligações alusões a elementos da realidade, da arte culta, clássica e outros. Vai descobrir mais do que pensou imaginar, digolhe porque assisto Simpsons desde quando surgiu no Brasil nos anos 90, e hj compreendo e vejo muito mais adentro sobre a série.
20/10/2011 21:33:35


5 Bruna - Floripa
Download do Documentário BBC – Human All Too Human – Nietzsche http://fwd4.me/08ky
11/08/2011 10:25:30


6 fatima - são paulo
Gostaria que os nobres educadores me explicassem como esse desenho pode não ser nocivo para crianças se em muitas cenas o filho Bart chama seu pai de estúpido, idiota, etc..., desrespeita o diretor e seus colegas na escola. É esse o exemplo de educação que querem para seus filhos?
29/04/2011 11:26:00


7 beatris - barra do sul sc
Parabéns professor, seu artigo é ótimo! Amo D+ os Simpsons! Infelizmente algumas pessoas não compreendem o desenho e falam bobagens. Os Simpsons não influencia ninguém a ser gay, hetero, racista, amante de animais, vegetariano, bêbado, violento...as influências que incomodam as ditas, más vêem da falta de estrutura familiar e do diálogo escasso dos pais. O desenho não é apropriado p cças mas pode ser assistindo sim, por cças, sob orientação dos pais, afinal p q servem os pais se não p educarem? ou só a escola tem esse dever? A filosofia está embutida em todos os episódios, desde as relações familiares, pensamentos do Homer, inteligência da Lisa, críticas políticas e religiosas...qualquer diálogo ou relação é filosofia nos Simpsons, eles sempre querem dizer alguma coisa...
28/04/2011 20:00:38


8 Andrea santos magalhães - SalvadorBA
Assistindo ao desenho confusos Simpsons pude constatar que esse filme pode exeercer uma influência negativa sobre as crianças, pois mostra um pai alcoolatra,ensina conceito errado sobre o que é ser gay dentre outras cenas que presenciei. Dessa forma acredito que ele exerce uma pessima influência sobre crianças pequenas.
11/10/2010 20:59:31


9 Paulo Silveira - Suzano
Ola gostaria de dizer que gostei muito do artigo. Eu queria saber quais são os episódios de Os Simpsons que fala sobre a Filosofia. Desde já agradeço por seu tempo. Obrigado!!!
15/05/2009 20:08:52


10 André de Castro Pereira - São José dos Campos
Gostaria só de esclarecer um equívoco muito comum no Brasil quando o tema é o seriado OS SIMPSONS. Esta animação não tem como público alvo as crianças pequenas. Os préadolescentes, apesar de se enteressarem pelo programa, não compreendem ainda grande parte das alusões que permeiam, sem excessão, todos os episódios da série . O fato de muitos ainda pensarem que OS SIMPSONS são desenho para crianças reside no fato de que no Brasil o seriado é transmitido de segunda a sexta pela manhã, na sequência do programa tv globinho. Devemos lembrar que a rede fox transmite os episódios inéditos em horário nobre, no final da semana, tendo como objetivo outro enfoque publicitário. Minha intenção aqui não é disponibilizar os horários, muito menos prestigiar as emissoras em que o desenho animado é veiculado. É importante que no contexto dos estudos acadêmicos as pessoas de bom senso não confundam a série com um desenho para crianças de gosto duvidoso com poder de influência negativa. Só um pai ou uma mãe relapsos como Homer Simpsons rejeitaria o seriado como uma infantilidade ou pensaria que aquilo é algum entretenimento perverso para seu filho. O certo é que a globo favorece a distoção e o pior, facilita o acesso para as crianças de um conteúdo destinado aos adultos que realmente foge a compreenção dos pequenos em formação. É importante observarmos Homer Simpsons e evitarmos aquela postura arrogante de emitirmos juízo de valores sem nenhum embasamento para o jugamento. Esta atitude é todo tempo representada através deste patético pai de família que parece um espelho colocado frente aos nossos olhos, nos implorando um pouco de atenção ao nosso próprio espírito muitas vezes omisso às questões mais relevantes. Vida longa aos SIMPSONS e sua perspicácia.
09/02/2009 16:07:43


11 João Henrique de Araújo - Florianópolis
Ola gostaria de dizer que gostei muito do artigo. Sou estudante do Terceiro Ano, e queria saber quais são os episódios de Os Simpsons que fala sobre a Filosofia. Desde já agradeço por seu tempo. Quem souber os episódios me mande um email lenny.john7@hotmail.com.
27/08/2008 19:39:16


12 beatriz - campinas/sp
Excelente artigo. Sempre gostei do desenho Os Simpsons em razão de suas críticas ácidas, que incomodam os ouvintes fazendoos pensar. Achei hilário o eposódio em que Marggie, referindose às dificuldades da maternidade alega que quase me tornei alcoólatra!!... QUE HORROR... A propósito, em resposta á Jeane de Moraes Gonçalves, sugiro que a mesma considere que o referido desenho se dirige ao público adulto, estando portanto fora da faixa etária retratada em sua monografia. Ao se formular uma monografia é melhor restringir o tema e não se arriscar dando bola fora.
28/07/2008 00:35:06


13 Elma Isa - Ilhéus
Amei o artigo. Vocês estão de parabén. Sou professora de Filosofia e sempre gosto de procurar coisas novas, novidades. Não sabia que o desenho representava filosoficamente alguma coisa. Legal!!!!!!!!
29/05/2008 22:29:01


14 Maria fatima C.Gomes - Rio de Janeiro
Excelente! Sou professora da rede pública (ensino médio) e estamos trabalhando a questão ambiental em todas as disciplinas. No último final de semana aluguei o filme The Simpsons e o achei interessante para mostrar aos alunos. Navegando na internet, buscando mais informações, cheguei até este excelente artigo. Parabéns Profº João Machado.
06/05/2008 18:08:29


15 Ailton Pedro - Rio de Janeiro
Nunca tinha percebido a riquiza desse desenho animado.Depois que fique curioso em saber sobre filosofia. Nossa que trabalho maravilhoso nota acima de dez
20/02/2008 15:25:56


16 Gustavo Squall - Belo Horizonte - MG
Excelente artigo, parabéns. Estava procurando informações sobre esse livro e essa resenha caiu muito bem. Abraços!
07/02/2008 13:24:56


17 Jeane de Moraes Gonçalves - Itap. Serra - SP
Sou universitária, estou no 5º período de pedagogia e o tema do meu TCC é educação e mídia. Eu e meu grupo iremos abordar "o desenho animado e sua influência no comportamento de crianças na fase de 0 á 6 anos de idade". Em nossa monografia, confrontaremos dois desenhos animados, um que represente a boa influência aos pequenos e outro que represente mal exemplo a não ser seguido. Concordamos que o desenho animado"os simpsons" caberia bem como mal exmplo de influência. Por favor, gostaria de saber se vocês concordam com nossa concepção ou defendem esse desenho. Assim não cometeremos uma injustiça e melhoraremos nossa monografia. Sem mais, agradeço desde já.
21/01/2008 09:54:26


18 Guilherme Tavares Gonçalves Junior - Alvorada
Ótimo artigo! Muito bem elaborado, nota dez!
17/05/2007 15:50:56


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