A Semana - Opiniões
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

A Base Nacional Curricular Comum e as Ciências da Natureza - 30/11/2015
João Luís de Almeida Machado

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Imagine um grande laboratório onde crianças orientadas e monitoradas por um professor e assistente tem aulas práticas em que aprendem as bases da ciência. Biologia, física e química são ensinadas de um modo prático, acessível, associadas ao cotidiano, ligadas a um exame da Terra, do corpo humano, dos fenômenos climáticos, dos seres vivos, dos ecossistemas ou dos elementos químicos.

Não se trata de memorizar nomes de organelas celulares, componentes da tabela periódica, fórmulas que explicam os diferentes movimentos e forças existentes no planeta. O ensino de ciências precisa ser contextualizado e, um pouco adiante disso, é preciso um amplo procedimento de alfabetização científica desde os primeiros anos escolares.

Não se trata de uma constatação restrita a algumas pessoas, a cientistas ou pesquisadores, a universidades e educadores engajados na criação de um modelo educacional que valorize e valide a ciência perante os alunos no ensino básico, é uma cultura que se relaciona a um universo muito mais amplo, que vai da compreensão individual que gera consciência entre as pessoas que vivem nos diferentes países para a preservação da natureza, passando pela formação de futuros cientistas e pesquisadores em busca de melhores condições de vida para todos os seres vivos deste planeta e chega, até mesmo, a manutenção da existência na Terra.

A Base Nacional Curricular Comum (BNCC) ao iniciar seus pronunciamentos quanto as Ciências da Natureza é bastante clara ao elencar os benefícios e alguns problemas relacionados a forma como a humanidade, por meio da ciência, tem gerido a vida na Terra, conforme podemos verificar a seguir:

“A sociedade contemporânea está fortemente organizada com base no desenvolvimento científico e tecnológico. Desde a busca do controle dos processos do mundo natural até a obtenção de seus recursos, as ciências influenciaram a organização dos modos de vida. Ao longo da história, interpretações e técnicas foram sendo aprimoradas e organizadas como conhecimento científico e tecnológico, da metalurgia, que produziu ferramentas e armas, passando por motores e máquinas automatizadas até os atuais chips semicondutores das tecnologias de comunicação, de informação e de gerenciamento de processos. No entanto, o mesmo desenvolvimento científico e tecnológico de notáveis progressos na produção e nos serviços também pode promover impactos e desequilíbrios na natureza e na sociedade, que demandam outras sabedorias, não somente científicas, para serem compreendidos e tratados.”

A abordagem dada aos “impactos e desequilíbrios” promovidos a partir do desenvolvimento científico e tecnológico nesta introdução nos coloca diante da contradição e do impasse relacionados a atuação das pessoas em sua relação com todo o ecossistema, tanto quanto as questões ambientais propriamente ditas quanto aos problemas de natureza social.

A equação necessária para que ocorra o que há anos vem sendo conceituado e discutido pelos especialistas como sendo o “desenvolvimento sustentável”, através do qual diminuam ou mesmo cessem as agressões a natureza ao mesmo tempo em que porções consideráveis da mesma sejam reconstituídas sem que, com isso, deixem de se oferecer condições para o pleno desenvolvimento econômico e social, ainda é um sonho distante, mesmo para as nações desenvolvidas do hemisfério norte, em que o estudo da ciência está em níveis e patamares muito mais evoluídos que no Brasil, inclusive na educação básica.

A lição de casa a ser por aqui desenvolvida, ato maior que a simples melhoria do currículo, mas que surge e se desenvolve a partir desta ação e de sua conjunção com tantas outras, rumo a um processo civilizatório amplo e notável, nos mostra o quanto estamos, no Brasil, atrás na batalha pela qualidade e preservação da vida no planeta.

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É certo que tudo começa nos degraus mais baixos e, em assim sendo, a consciência ambiental, por exemplo, surge de iniciativas relacionadas ao ensino das práticas e ações corretas no contato com a natureza e a sociedade.

A consciência da nave-mãe, o planeta Terra, começa nas aulas de ciências, no ensejo a coleta seletiva, ao uso consciente da água (sem desperdícios), ao aproveitamento máximo dos alimentos, a uma alimentação saudável, aos cuidados com o corpo e com o ambiente em que as pessoas vivem, a economia de energia e tantas outras ações num universo micro, de caráter individual, que unidas revertem em favor de todos.

E este compromisso está expresso no documento inicial que abre as discussões sobre o estudo das Ciências da Natureza, quando afirmam os proponentes desta ação:

“O ensino de Ciências da Natureza tem compromisso com uma formação que prepare o sujeito para interagir e atuar em ambientes diversos, considerando uma dimensão planetária, uma formação que possa promover a compreensão sobre o conhecimento científico pertinente em diferentes tempos, espaços e sentidos; a alfabetização e o letramento científicos; a compreensão de como a ciência se constituiu historicamente e a quem ela se destina; a compreensão de questões culturais, sociais, éticas e ambientais, associadas ao uso dos recursos naturais e à utilização do conhecimento científico e das tecnologias.”

Não há e nem pode haver futuro sem que as crianças tenham a plena consciência e fundem em suas ações o compromisso ético que lhes permita buscar não apenas sua sobrevivência ou melhor qualidade de vida, mas a ação geral, em prol de todos, percebendo-se parte de um ser vivo muito maior e de dimensões tão amplas que relacionam-se a existência de outros seres vivos, inclusive de outras pessoas como ele, que vivem em locais distantes ou próximos. Perceber-se parte desta experiência de vida em que os atos próximos e imediatos interferem no cotidiano de pessoas, espécies vegetais ou animais e na própria estrutura e funcionamento da Terra é um dos primeiros e primários desafios que se propõem aos educadores da área de Ciências da Natureza. Realizar isso é a grande façanha que se apresenta e, certamente, para isso, o primordial é contextualizar os estudantes desde seus primeiros passinhos na educação básica.

Como se pretende atingir esta meta maior? Há objetivos imediatos compostos e apresentados na BNCC em Ciências da Natureza e é de grande importância que sejam conhecidos e discutidos antes de sua aprovação final. Vamos então a eles:

- Compreender a ciência como um empreendimento humano, construído histórica e socialmente.

- Apropriar-se de conhecimentos das Ciências da Natureza como instrumento de leitura do mundo.

- Interpretar e discutir relações entre a ciência, a tecnologia, o ambiente e a sociedade.

- Mobilizar conhecimentos para emitir julgamentos e tomar posições a respeito de situações e problemas de interesse pessoal e social relativos às interações da ciência na sociedade.

- Saber buscar e fazer uso de informações e de procedimentos de investigação com vistas a propor soluções para problemas que envolvem conhecimentos científicos.

- Desenvolver senso crítico e autonomia intelectual no enfrentamento de problemas e na busca de soluções, visando transformações sociais e construção da cidadania.

- Fazer uso de modos de comunicação e de interação para aplicação e divulgação de conhecimentos científicos e tecnológicos.

- Refletir criticamente sobre valores humanos, éticos e morais relacionados com a aplicação dos conhecimentos científicos e tecnológicos.

Reiteram e confirmam, todos os objetivos, a necessidade de aprender, compreender e utilizar a ciência, construção humana em sua relação múltipla com o universo em que está inserida a humanidade, partindo-se de um processo de alfabetização e letramento científico que permita entender os aspectos técnicos e conceituais das diferentes e complementares ciências em suas interações com os demais saberes e em sua aplicação na realidade.

Acima de tudo, ressalto, tal compreensão passa necessariamente pela contextualização deste conhecimento, compromisso de seu uso e aplicação em prol da coletividade humana e da preservação de todo o ecossistema terrestre e utilização ética e cidadã de qualquer saber científico construído por homens e mulheres.



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