Planeta Literatura
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Pedagogia da Autonomia - 10/09/2015
João Luís de Almeida Machado

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Um livro pequeno, aparentemente despretensioso, editado pela Paz e Terra pouco antes da morte de Paulo Freire, como uma profunda e rica mensagem de afirmação de valores e práticas, legado final de grande valor, assim pode ser definido o livro “Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa”.

Tendo a coerência, o humanismo e o pensamento embasado como pilares, entre outros, de sua vida pessoal e profissional, mestre Paulo Freire não poderia ter entre suas últimas produções algo mais condizente e digno de sua grande sabedoria.

Seu olhar crítico, arguto, fundado na observação de professores, alunos e gestores não apenas no âmbito da escola, mas como agentes da transformação da sociedade a partir de suas ações individuais e coletivas lhe permitiu discutir nesta obra o que ele destacou no título como “saberes necessários à prática educativa”.

E nestas linhas há saberes e lições que perseguem a autonomia do educador e do educando como resultado desta maior consciência pessoal, da instituição escolar, da sociedade, dos educandos e do mundo como um todo.

Escola que se encerra entre 4 paredes a ensinar aquilo que os livros trazem como ensinamento basilar sem perceber o entorno, o estudante, sua família, a economia, o fundamento social, as relações que se estabelecem e tudo o que acontece sem método, pesquisa, criticidade e ética, entre outros importantes pré-requisitos talvez nem possa ser chamada de escola sem que isso seja real deturpação do termo, da função, do alcance e da responsabilidade atribuída a tal instituição.

Há que se respeitar os saberes dos educandos, corporificar as palavras, não temer o risco, aceitar o novo, rejeitar discriminações, entender-se culturalmente (o que sou, de onde venho, quais são meus valores, qual é minha língua, do que me alimento, como me comunico, o que me diverte, quem são meus mais próximos que compartilham comigo tais valores...).


“Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.” (Paulo Freire)


Tudo isso é parte da trilha do educador. Ao posicionar estas bases no capítulo 1 deste livro - Não há docência sem discência, Paulo Freire fala não do educador utópico, daquele que precisa ser, existir, concretizar-se, mas do profissional da educação que estuda, se relaciona, questiona, propõe, percebe os conflitos, cresce e se desenvolve mesmo na dificuldade, compreende a diversidade como riqueza e que urge quanto a sua existência para o bem de toda a sociedade.

Não são lições para ler e apreciar, mas para estudar e incorporar, pois como é destacado no segundo capítulo, Ensinar não é transferir conhecimento, percebendo a prática do educador como aquela que não se completa nunca, numa perenidade sem fim de inacabamento. Sem que isso seja lamento, lamúria ou dor, lágrima. Inacabados somos todos e assim o seremos até que a chama se apague. Por maiores que sejam as glórias e conquistas nunca seremos perfeitos e isso é o que, de fato, torna a existência tão bela.

Num mundo de velocidade, distanciamento, frieza e orgulhos exacerbados, as lições de Freire passam pela humildade e tolerância, pela luta fraterna e irmã em prol do que é coletivo, com clareza quanto a realidade que nos cerca.

Tudo, é claro, começa com a curiosidade a ser saciada, passa por bom-senso, pela consciência dos condicionamentos a que somos submetidos (e que nos permite reagir aos abusos), pela esperança que alimenta a busca por um mundo melhor, mais justo e feliz, confiando sempre que as mudanças são, de fato possíveis.

O lobo do homem prevalece quando a ambição desmedida e busca sem fim para saciar o insaciável apetite humano nos torna mais animais e menos homens ou mulheres.

É neste sentido que obra finaliza, em seu 3º e derradeiro capítulo, já no título definindo que “ensinar é uma especificidade humana”. Neste interim, que fique clara a necessidade de competência e segurança dos profissionais que atuam em educação e, além disso, a generosidade que devem ter em sua atuação.

Educação sem comprometimento, afirma Paulo Freire, sequer existe, ou seja, deixa de ser educação e se torna apenas um ato mecânico, falho, incompleto e, de certo modo, até mesmo desleal para com o sujeito de quem se retira este direito ao conhecimento, as letras e números, a dignidade, a cidadania, a arte, aos deveres, a politização...


“...ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou construção.” (Paulo Freire)


Afinal de contas, “educar é uma forma de intervir no mundo”, numa constante busca por maior liberdade, na lida por consciência e altivez tanto de quem ensina quanto de quem aprende, nesta dinâmica em que todos, mestres e aprendizes, num processo consciente, ensinam e aprendem.

Para que tudo se efetive, afinal, é preciso diálogo, abertura, consciência, valores, ideologia, tomada de decisões, somente assim se atinge a necessária maturidade para a autoridade da fala, do exercício da cidadania, da vida em grupo, dos relacionamentos maduros, do profissional de excelência, do querer bem ao próximo.

O que mais me encanta, particularmente, nesta pequena obra, é sua dimensão universal mesclada com a coerência de vida e valores do professor Paulo Freire, incansável lutador das causas da educação e da justiça social.

Sem que em nenhum momento viesse a arrefecer de seus ideais, não escreve apenas sobre o que acredita, mas sobre o que viveu como educador, nas diferentes experiências por ele vivenciadas, da alfabetização de adultos ao ensino superior, da condição de docente a de gestor da maior rede pública municipal do país. Nada fez com que, por cargo/hierarquia ou poder que lhe foi atribuído, se desviasse de seus caminhos.

Venceu na maior parte dos casos, perdeu em alguns outros, mas acima de tudo, fez valer o que pensava, trabalhando até o final de sua vida por quem mais precisava.

“Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários a prática pedagógica” é, pois, obra essencial para quem quer, com paixão e discernimento plenos, ingressar na educação visando fazer de sua ação algo que renove, modifique, revolucione o mundo ao seu redor. Livro de cabeceira que em tantos momentos reorienta meu olhar, minha leitura de mundo e práxis de educador e cidadão. Imperdível!



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