A Semana - Opiniões
Wanda Camargo é educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil.

Viagens e aprendizado - 31/08/2015
Wanda Camargo

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Somos todos viajantes, ainda existem em nós os genes de ancestrais nômades em perene busca de melhores campos de caça ou de coleta, fuga de condições climáticas adversas ou de predadores. Estar em movimento sempre foi essencial à sobrevivência.

A História é o relato de guerras e também de migrações, de jornadas de comércio e de busca, de novidades e descobertas.

Fenícios, vikings, polinésios, portugueses, povos do mar empenhados em expandir as fronteiras do mar, pelos melhores e pelos piores motivos, com bons e maus resultados, sempre estendendo seus limites. Algumas das maiores realizações literárias da humanidade tratam de viagens marítimas. A Odisseia, de Homero, conta o “desvio” de dezessete anos de Ulisses pelo Mediterrâneo, desde Troia até a sua Ítaca. O grande Luís de Camões não poderia julgar resultados das Grandes Navegações com nossos olhos, mas pôde vê-las como a realização de seres humanos que “por mares nunca de antes navegados [...] mais do que prometia a força humana” tornaram o mundo menor, e maior.

Por terra se realizaram algumas das mais fantásticas jornadas do homem, arqueólogos desenham rotas de povos pré-históricos até mesmo em nosso país, o Caminho do Peabiru pelo qual os indígenas iam do oceano Atlântico ao Pacífico. Pelo planeta espalham-se os sinais de caminhadas, jornadas, fugas, passeios, buscas, viagens; as rotas da seda no Oriente, a estrada do âmbar do mar Báltico ao mar do Norte, as trilhas dos Jesuítas na Serra do Mar, o Caminho de Santiago na Espanha, os marcos da Coluna Prestes de sul a norte do Brasil, os infinitos roteiros que sempre levaram pessoas, mercadorias, esperanças, exércitos, de um a outro lugar.

As viagens de estudos já eram realizadas pelos antigos gregos e romanos, restritas, no entanto à aristocracia. Na Idade Média, os mosteiros europeus recebiam viajantes ligados à Igreja que desejassem consultar suas bibliotecas. Os árabes dominavam um vasto império em que o trânsito de conhecimento era constante, dando base inclusive ao Renascimento italiano. Mas até o início do século dezenove praticamente só se viajava por necessidade, viajantes eram aventureiros, comerciantes, religiosos, descobridores, peregrinos, conquistadores, ladrões, fugitivos. Os meios de transporte eram precários, os caminhos difíceis, os perigos muitos. Com o desenvolvimento de navios e trens a vapor, as viagens tornaram-se mais rápidas e seguras e mais pessoas passaram a viajar por curiosidade, “para ver”: para ver outros povos e suas cidades, para conhecer aquilo que apenas uns poucos livros relatavam.

É cada vez maior o consenso sobre os aspectos educacionais das viagens, embora, claro, tenhamos registro literários, como o feito no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. O personagem, Quixote, nada aprende em suas jornadas; não adquiriu mais sabedoria, e, ao final volta para casa como o mesmo homem do início da obra, um sonhador e iludido. O próprio autor pondera o fato de que assim como viagens podem ampliar a visão do mundo e iluminar as pessoas, podem também servir apenas para fortalecer preconceitos e lugares comuns.

Mas o deslocamento, tanto no espaço físico quanto no tempo, o confronto com outras culturas pode sim ampliar os horizontes, permitir uma maior compreensão dos demais e da nossa própria essência.

Pensadores como Jean Jacques Rousseau, John Locke, David Hume já refletiram sobre vantagens e desvantagens das viagens dentro do sistema educacional, já que estas tem um duplo efeito, modificam a cultura visitada e a própria cultura do que viaja. Discussões em seminários, leituras, grupo e palestras, analisam a viagem educativa, e cada vez mais estas parecem alterar significativamente o aprendizado, e para melhor.



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