As crianças e a internet no Brasil - 05/08/2015
João Luís de Almeida Machado
Você sabe por onde seu filho anda? Não, não me refiro aqui ao mundo real. A questão tem como foco a internet. E é uma pergunta que está preocupada tanto com as crianças e adolescentes quanto com seus pais. Pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, em levantamento realizado no ano de 2012, traz à tona preocupações quanto aos caminhos, usos, segurança e possibilidades da web entre as crianças e adolescentes em faixa etária dos 9 aos 16 anos, atenta, portanto a estudantes do Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Os objetivos estipulados nesta pesquisa foram, conforme atesta a publicação disponibilizada online, em sua página 113:
“O principal objetivo da pesquisa TIC Kids Online Brasil é compreender de que forma a população de 9 a 16 anos de idade utiliza a internet e também como lida com questões relevantes, como os riscos e as oportunidades decorrentes do uso da internet.”
De modo mais específico, ainda segundo o documento, o foco seria em “como crianças e adolescentes acessam e utilizam a internet, os riscos on-line, sua percepção em relação à segurança on-line”.
Não há, no entanto, atenção exclusiva as crianças e adolescentes, pois a pesquisa foca também em seus familiares, conforme explicado nos objetivos específicos da seguinte forma: “Delinear as experiências, práticas e preocupações dos pais ou responsáveis relacionadas ao uso da internet por parte de seus filhos”.
Tendo desde o princípio esta clareza quanto as metas a serem atingidas, foram realizadas entrevistas e enviados questionários para preenchimento a 2.500 pessoas, entre crianças, adolescentes e seus familiares, de todas as regiões do Brasil, contendo perguntas como:
1- Para Crianças e Adolescentes
- Faixa etária
- Padrões de uso da internet
- Percepção quanto a mediação dos familiares em relação ao uso e aos riscos da internet
- Experiência pessoal quanto aos riscos da internet
- Fontes de educação, conselho e apoio quanto ao uso da internet
2- Para Familiares
- Dados demográficos quanto ao acesso à internet
- Experiências e atitudes acerca da internet
- Percepções sobre exposição e riscos quanto ao uso de criança ou adolescente
- Mediação em relação ao uso e riscos da internet juntamente a criança ou adolescente
- Fontes de educação, conselho e apoio quanto ao uso da internet
Deste levantamento surgiram os seguintes resultados:
- O perfil dominante na pesquisa foi o de usuários de Classe C (61% dos pesquisados), residentes nas regiões Sul ou Sudeste (50% da amostragem; 27% localizados na região Nordeste e os outros 23% locados no Norte e no Centro-Oeste do Brasil), com renda familiar entre 1 e 2 salários mínimos, identificados como Classe C (23% pertencendo as Classes A e B; 16% provenientes da Classe D), divididos praticamente ao meio quanto ao sexo (49% masculino e 51% feminino entre as crianças e adolescentes entrevistados), cobrindo todas as faixas etárias entre 9 a 16 anos de forma bastante equilibrada (21% de crianças entre os 9 e 10 anos; 25% com 11 ou 12 anos; 27% de pré-adolescentes, com 13 ou 14 anos; 27% de adolescentes com 15 ou 16 anos).
Para uma melhor compreensão do uso da internet no Brasil, o estudo buscou apoio em dados de outro levantamento, a pesquisa TIC Domicílios, realizada em 2011, que já demonstrava entre os usuários brasileiros, que 67% dos usuários entre 10 e 15 anos no país já acessam a internet com regularidade. Este índice somente é menor que o de usuários entre 16 e 24 anos, que está pouco acima, com 70% dos usuários já usando a web com frequência. As crianças e adolescentes têm acesso superior ao do conjunto de jovens entre 25 a 34 anos e também entre os adultos que tem entre 35 a 44 anos, população economicamente ativa, cujos percentuais são de 56 e 41%, respectivamente.
Os equipamentos usados de forma majoritária pelos usuários quando a pesquisa foi realizada ainda eram computadores de mesa (58%), de uso coletivo pela família ou próprios; smartphones ou celulares comuns com acesso a internet já contabilizavam 21% dos acessos; notebooks próprios ou de uso coletivo pelos integrantes da família representavam 19% do total; tablets ainda não haviam sido pesquisados, pois o levantamento foi realizado ao longo de 2011 e eram muito incipientes no país.
O início das atividades na internet, para a maioria dos usuários (crianças e adolescentes), de todas as classes sociais, aconteceu entre os 7 a 10 anos (54%); os muito precoces, que começaram a usar com 6 ou menos anos de idade totalizaram 9%; as crianças e adolescentes que começaram a usar com 11 ou mais anos de idade totalizaram 31%; 7% não souberam dizer pois não se lembraram exatamente quanto isso aconteceu.
Entre os dados mais importantes revelados pela pesquisa estão aqueles relacionados a frequência de uso da internet por crianças e adolescentes. A partir dos 11 anos de idade o índice daqueles que usam a web todos os dias é sempre superior as incidências menores. Entre os pré-adolescentes, por exemplo, na faixa dos 13 e 14 anos, já representava naquele momento 53% do total de pesquisados. Este índice aumenta levemente para 56% entre os adolescentes com 15 e 16 anos; Um pouco abaixo disso se colocam as crianças com 11 e 12 anos, com 43% delas se conectando a web todos os dias. Somente entre aqueles que estão na faixa etária de 9 e 10 anos o uso diário não é o maior, estando na faixa dos 36%, inferior ao daquele relativo ao uso 1 ou 2 vezes por semana, com 45%.
É preciso atentar também para os índices relativos ao uso esporádico (uma ou duas vezes por mês), se situem na casa dos 9 a 12% e que estejam em franca curva descendente.
De onde acessam os dados estes usuários jovens? De casa? Da escola? De algum local público como Lan House ou salas de acesso oferecidas pelo governo?
Locais públicos como Lan Houses, Cybercafés, bibliotecas ou telecentros continuam presentes na pesquisa, sendo usados por índices que variam de 1 a 35% dos usuários pesquisados.
Espaços domésticos, como acesso em seu próprio quarto ou na sala da casa respondem por 26 a 58% dos acessos. A escola foi indicada por 42% dos usuários. No contexto pesquisado o acesso pelo celular, na rua, já contabilizava 18% dos acessos.
E o que leva as crianças a usar a internet? Vários motivos, entre os quais, a escola e seus trabalhos (tarefas, projetos, pesquisas) representam 82%, motivo maior de acessos segundo auferido na pesquisa juntamente aos pesquisados.
Um pouco abaixo estão os acessos as redes sociais, como o Facebook, com 68%, seguido de perto pelo acesso a vídeos, em especial no YouTube. Games online fazem parte do uso regular de 54% das crianças e adolescentes, índice semelhante ao acesso para contatos por ferramentas como o Whatsapp ou o Skype. São também expressivos os acessos para leitura de e-mails (49%), baixar músicas ou filmes (44%), ler notícias on-line (42%) e postar fotos, vídeos ou músicas (40%). As ações com uso de webcam, entrada em salas de bate-papo ou participação em ambientes virtuais ficam na faixa de uso dos 15%.
As redes sociais, por sua vez, mobilizam percentuais bastante altos de crianças e adolescentes, inclusive entre aqueles que legalmente não poderiam/deveriam ter acesso a estas plataformas, como é o caso de crianças de 9 a 10 anos (42% declararam ter perfil em alguma rede social) ou de 11 a 12 anos (71% respondeu a pesquisa afirmativamente quanto a ter contas em redes sociais).
Entre os mais velhos, legalmente autorizados a ter conta no Facebook, Twitter e outras redes sociais, os índices são de 80% para pré-adolescentes (13 e 14 anos) e 83% entre os que têm 15 e 16 anos.
E os adolescentes, com tanto tempo de uso da internet, crescente ao longo dos anos, tem conhecimentos que lhes permitam agir com maior segurança na rede mundial de computadores? Se a porta da rua ficar aberta sua casa corre riscos, não é mesmo? Pois pela web, através do computador, tablet ou smartphone, a porta está escancarada para o mundo. Familiares, crianças e adolescentes ignoram isso e agem de forma despreocupada na internet, o que pode ser de alto risco.
Isso se torna mais perceptível ao notarmos que apenas 31% das crianças e adolescentes sabe como mudar os filtros e personalizar os computadores para evitar o acesso a páginas perigosas da web. O bloqueio a Spam ou propaganda indesejada atinge 44% destes usuários, que dizem saber como fazer isso. Apagar informações de navegação é de conhecimento de metade dos usuários. Mudar configurações nas redes sociais teve 54% de usuários declarando saber como fazer isso. Encontrar informações sobre como usar a internet de modo seguro é possível para 55% dos pesquisados. O bloqueio a pessoas indesejadas em sua rede pessoal foi o tópico com melhor resultado, atingindo 59% das crianças e adolescentes inquiridos.
E como os pais fazem para ajudar os filhos, orientando o uso da internet por crianças e adolescentes na faixa etária dos 9 aos 16 anos?
De acordo com a pesquisa, as ações mais frequentes relacionam-se a conversar com os filhos ou ficar por perto quando eles utilizam a web, que segundo os pais ou responsáveis pesquisados, equivalem a 78 e 57%, respectivamente, de suas ações. Quase metade deles (49%) diz se sentar com os filhos quando usam a internet, para observar o uso, sem participação naquilo que fazem. O estímulo ao uso educativo ou cultural da web equivale a 38% da orientação dada pela família. Atividades em família na web foram indicadas como ação realizada em algum momento por 37% dos pesquisados.
E o que os pais falam nas conversas que têm com os filhos quanto a segurança na web?
66% afirmam que instruem os filhos quanto ao uso seguro da internet para que não corram qualquer risco ou tenham acesso a conteúdo indevido.
64% explicam como eles devem se comportar ao ter contato com usuários desconhecidos.
61% se preocupam em esclarecer os motivos de alguns sites terem conteúdo de boa qualidade enquanto outros devem ser evitados por possuírem materiais ruins.
Ajudar a encontrar algo na internet faz parte do percurso de 45% destes familiares; 43% deles conversou com os filhos em relação a alguma dificuldade ou problema surgido no uso da rede; 24% ajudaram efetivamente em caso de questões surgidas na web.
A permissividade quanto ao uso dos recursos é, no entanto, bastante elevada se considerarmos que para crianças com 13 ou menos anos de idade é proibido o uso de redes sociais, por exemplo.
54% dos pais permitem a seus filhos ter perfil em redes sociais sem qualquer objeção.
52% permitem o uso de comunicadores instantâneos ou que seus filhos baixem filmes ou músicas na web.
46% autorizam sua prole a assistir vídeos na web.
33% afirmam que seus filhos podem postar fotos, músicas e vídeos na web sempre que quiserem.
Os dados, ainda que relativos ao período 2011/2012, portanto já passíveis de atualização, nos permitem, portanto algumas conclusões, a saber:
Primeiro que a omissão é um risco, senão verdadeiramente crime que os pais praticam em relação a seus filhos ao não lhes oferecer a devida orientação quanto ao uso da internet.
A autorização ou permissão, expressa ou não, por parte dos pais, quanto ao uso da web e de seus recursos, ainda que legalmente isso não seja permitido, como no caso das redes sociais, literalmente lesa-majestade, ou seja, causa prejuízos, ainda que não sejam perceptíveis a olho nu num primeiro momento.
É preciso agir, acompanhar, orientar, participar, monitorar o uso, pelo menos enquanto forem crianças e adolescentes.
O intuito não é de policiamento ou patrulhamento, de invasão da privacidade ou equivalente, mas sim de saber para quem seu filho abre a porta virtual de sua casa, com quem ele está tendo contato. Os riscos são grandes, desde pedófilos até traficantes e terroristas podem estar na sala de sua casa sem que eles percebam.
Seus dados estão na rede a partir da ação inocente de seu filho, ao compartilhar uma foto, uma informação em rede social sobre as férias da família, a respeito do colégio onde estuda ou do local onde os pais trabalham.
Tirar fotos de terceiros e publicar sem autorização na web, mesmo dos melhores amigos, pode ter implicações ou gerar até mesmo problemas jurídicos. Baixar filmes ou músicas sem autorização e pagamento de direitos autorais, por sites oficiais, é pirataria… Já parou e pensou sobre isso?
E a escola, como deve agir nesta seara? Como canal de orientação, espaço de esclarecimento, de informação e compartilhamento de dados. A família cabe, no entanto, ser capaz de agir em parceria, entendendo quando por exemplo algum caso de uso indevido da web for relatado, por exemplo, o envio ou reenvio de imagens íntimas de colegas em redes sociais ou comunicadores instantâneos. Como são menores de idade, a responsabilidade jurídica por esta ação, associada a pedofilia, cabe aos pais. Se a escola notifica, cabe aos pais ou responsáveis a ação e, isso inclui diálogo, autoridade, restrições por vezes e até punições em determinados casos.
De qualquer modo, o retrato trazido pela pesquisa TIC Kids Online Brasil, é um instantâneo que precisa ser lido, analisado, interpretado e que, premente, deve gerar ações e mobilização das famílias e escolas, antes que a internet, que oferece boas oportunidades e perspectivas para o uso cultural e educacional, entre outros, não se torne uma tremenda dor de cabeça na vida de todos, principalmente das crianças e adolescentes.
# Artigo: Tropa de Elite 2 – O inimigo agora é outro
Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.