Boleiros -
Para pensar o futebol
Falar de futebol em ano de Copa do Mundo, principalmente no Brasil, é tarefa das mais fáceis. Somos todos "especialistas" (ou assim imaginamos), sabemos mais que os treinadores dos clubes ou da Seleção; acreditamos que com a escalação que pensamos ser a mais correta para o Brasil, dificilmente seríamos derrotados, mesmo que do outro lado do campo tivéssemos pela frente a Argentina, a França ou a Alemanha.
O cinema nacional, por sua vez, sempre teve dificuldade para abordar o assunto de forma satisfatória, mesmo levando em conta o grande acervo de imagens ou histórias que teríamos para contar. Poucos foram os filmes brasileiros sobre futebol que foram bem recebidos pelo público e pela crítica. Será que nossos cineastas não entendem nada de futebol? O nosso esporte mais popular é e sempre será um jogo compreendido e amado apenas pelas massas e jamais pelos intelectuais (entre os quais os diretores e os roteiristas de cinema)?
Outras dúvidas devem estar perturbando vocês que esperam dessa coluna idéias a respeito de filmes que possam ser utilizados nas escolas. O que me motiva a escrever sobre um filme que tem como tema o futebol? De que forma isso pode ser útil para minhas aulas? Quando falam de futebol os alunos dispersam dos temas centrais trabalhados em classe, para que insistir nesse tema?
Primeiro é preciso entender que o filme do diretor Ugo Giorgetti foi um desses raros filmes que passou pelo crivo tanto do público quanto dos críticos (e olha que, agradar aos espectadores e aos especialistas ao mesmo tempo não é tarefa das mais leves, pelo contrário, é muito complicada!). A narrativa foge do padrão por trabalhar histórias curtas ao longo do filme tornando-o agradável e muito interessante. Além disso, surpreende ainda mais por sabermos que os casos contados numa mesa de bar entre ex-jogadores e outros envolvidos no mundo do futebol, são verídicos (houve apenas a preocupação de trocar os nomes dos envolvidos nas histórias).
Torna-se importante abordar o tema do futebol no sentido de mostrar que, até mesmo no mundo da bola, tão apreciado pelos brasileiros, a desorganização, a trapaça, a mandinga, o envolvimento com marginais ou a decadência são parte do cotidiano. Para quem está acostumado a acompanhar o noticiário dos clubes e ficar sabendo das cifras milionárias que envolvem salários ou venda de jogadores, entender que todo o glamour da mídia na cobertura dos grande clubes esconde o lado estragado da laranja, acaba sendo uma grande contribuição do filme.
Numa época em que temos que conviver com a bagunça dos calendários dos eventos futebolísticos, denúncias de enriquecimento ilícito por parte de cartolas (dirigentes do futebol), casos de mala preta (suborno através do qual se paga para um clube ser derrotado por outro) ou constantes viradas de mesa nos regulamentos (clubes rebaixados que no campeonato seguinte continuam nas divisões superiores, equipes que apelam para o Tribunal de Justiça Desportiva para ganhar pontos de jogos, torneios em que o que mais vale são os cartões amarelos em menor quantidade que os do adversário ao invés do número de vitórias ou de pontos, jogadores mais interessados em ganhar dinheiro do que suar a camisa,...) poder perceber que essas práticas não são tão atuais, como nos permite "Boleiros", torna ainda mais premente nossa ação (através da mídia, reclamando para o governo, deixando de ir aos estádios, mandando chamar o bispo, e por aí vai, o importante é mostrar nossa insatisfação com o rumo das coisas) para que o futebol brasileiro não desapareça ou perca suas grandes qualidades (a técnica, os gols, as grandes defesas, os lances de efeito,as tabelinhas,...).
"Boleiros" prima pelas histórias divertidas que nos fazem refletir. A primeira delas nos coloca diante de uma situação de suborno do juiz para evitar a derrota de um time do interior (para que não seja rebaixado para a segunda divisão), verdadeiro saco de pancadas do campeonato local. O que pode ser colocado em questão para nossos alunos? A questão da ética, da justiça e da honestidade que faltaram ao juiz dão um ótimo debate em aulas de redação ou filosofia. Quem entre os alunos gostaria que seu time fosse prejudicado por um safado como aquele?
Temos também a história do ocaso (decadência) de um craque que jogou ao lado de Pelé, naquele Santos que encantou o mundo nos anos 1960. Desesperado, sem perspectivas, com dívidas, o tal ex-jogador resolveu vender suas medalhas e troféus mais valiosos (inclusive o da Copa de 1970). Será que situação semelhante pode acontecer conosco? Que futuro nos espera? O que devemos fazer para que nosso amanhã seja tranqüilo? Seus alunos já pensaram nisso?
A terceira narrativa nos apresenta ao ex-craque que tem uma escolinha de futebol para meninos de classe média ou alta. Entre os pernas de pau que por lá treinam surge um menino de rua que o professor (ex-jogador do São Paulo) acredita ser um futuro craque. No entanto, o garoto é cheio de problemas e vive sumindo, além de ser procurado por policiais e protegido por marginais. Há também o caso do jogador que foi atrás de um pai de santo para se recuperar de uma contusão (dá para explorar a religiosidade no Brasil, tão eclética), um outro que foge da ex-mulher para não pagar a pensão dos filhos ao mesmo tempo em que negocia sua transferência para o exterior (para fazer o pé de meia e se garantir, ao mesmo tempo em que larga para trás suas responsabilidades e compromissos).
Cada uma delas permite que sejam feitas perguntas, que se armem debates, que se pesquise em jornais, que se preparem redações, que se faça um levantamento sobre a história do futebol no Brasil ou linhas do tempo em que se visualize o futebol e os demais acontecimentos,... Tudo dentro de um tema que os estudantes adoram! Com um bom filme na mão (ou seria melhor dizer no pé?) para dar o pontapé inicial, é só começar o jogo!
Ficha Técnica
Boleiros - Era uma vez no futebol
País/Ano de produção:
Brasil, 1998
Duração/Gênero: 93 min.,
comédia
Disponível:- VHS
Direção e Roteiro de Ugo Giorgetti
Elenco: Flávio Migliaccio, Adriano
Stuart, Otávio Augusto,
Cássio Gabus Mendes,
Lima Duarte, Marisa Orth, Denise Fraga.
Links
http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=4053
http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/boleiros/boleiros.asp
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