De Olho na História
Wanda Camargo é educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil.

Maçãs e conhecimento - 17/07/2015
Wanda Camargo

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Muitos dos mitos fundadores de nossa cultura têm alguma associação com frutos, e talvez por simplificação, a maior parte deles utiliza a maçã, fruta muito comum, como símbolo.

Conta-se que o suíço Guilherme Tell ofendeu o chefe dos ocupantes austríacos de sua cidade, como castigo foi condenado a disparar uma flecha contra uma maçã posta sobre a cabeça de seu filho. Tendo sucesso, deu início a uma revolta popular que teria expulsado os invasores.

O grande Isaac Newton, pai da Física Clássica, com certeza não desenvolveu sua Teoria da Gravitação Universal por ter observado a queda de uma maçã. Mas a lenda é interessante, principalmente se pensarmos que, assim como a maçã é atraída pela Terra, a Terra é atraída com a mesma intensidade pela maçã, “caindo” também em direção a ela; movimento praticamente inexistente, considerada a descomunal diferença de massas. Símbolo das ações simples cuja análise desperta compreensões profundas, a queda de uma maçã redefine toda a compreensão sobre o movimento universal.

Em uma das histórias mais queridas de todas as infâncias, Branca de Neve é vítima da inveja e dos ciúmes de sua madrasta, que a presenteia com uma maçã envenenada. Metáfora cruel do fim da inocência da criança perante o mundo adulto.

A gravadora dos quatro garotos de Liverpool que fizeram a trilha musical de metade do século vinte chamava-se Apple, mesmo nome da empresa de computadores que mudou quase toda a tecnologia de informática. E não esqueçamos a “Big Apple”, cidade ímã de nosso tempo, de onde hoje parecem vir toda a moda, toda a tecnologia, todas as tendências.

Fomos expulsos do jardim do Éden porque nossos antepassados comeram o fruto da árvore do conhecimento, por instigação de uma serpente insidiosa é verdade, mas vá lá...

Uma das primeiras, e também uma das maiores, obras literárias do ocidente trata de uma guerra travada a pretexto de resgatar uma mulher. O que a deflagrou foi um fruto, pomo de ouro do Jardim das Hespérides, exposto no Olimpo com um desafio às deusas, a que nenhuma mulher, mortal ou imortal, resistiria: “à mais bela”. No impasse, Páris, príncipe de Tróia, foi chamado a julgar. Durante a eleição, cada deusa ofereceu algo pelo voto, numa prova de que essa prática é muito antiga; a vencedora foi Afrodite, com uma propina irresistível, o amor de Helena, infelizmente já casada com Menelau, rei de Esparta. Eleita, Afrodite facilitou o rapto de Helena, com as consequências conhecidas.

A oferta de Palas Athena foi sabedoria. Se Páris a tivesse aceito, a Guerra de Tróia talvez acontecesse, pois envolvia objetivamente questões políticas entre os gregos e os troianos, e a Ilíada e a Odisseia fossem escritas, mas não teriam o mesmo tipo de apelo. Afinal, uma história de amor, traição e vingança, parece fazer mais sucesso que uma história de sensatez.

Sabedoria é uma grande qualidade, porém sempre em falta. Envolve conhecimento, estudo, dedicação, e, sobretudo, humildade e maturidade, e a facilidade com que preferimos a recompensa emocional àquela mais racional; aceitamos os horrores da guerra por nossos prazeres pessoais, passageiros e egoísticos, sacrificamos uma comunidade pelo benefício próprio, tem sido relatado em muitas fábulas e lendas, o que talvez prove sua verdade intrínseca. É difícil escolher o conhecimento, adquirir perícia nos custa tempo, frustrações, demanda resiliência e um recomeçar após a queda da bela autoimagem que pode se revelar falsa. A narrativa dos grandes feitos humanos conta muito sobre nós, sobre nossos usos e costumes, nossa moral e misérias.

Mas quem primeiro contou essa história não pareceu chocado com a compra e venda descarada de votos, numa prova de que isso vem de longe.



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