A Semana - Opiniões
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

O Não Terapêutico - 13/07/2015
João Luís de Almeida Machado

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“Uma criança sem disciplina é uma criança que não se sente amada.” (Selma Fraiberg, pesquisadora do desenvolvimento infantil)

"Sabe qual é a maneira mais certa de deixar seu filho infeliz? Acostumá-lo a receber tudo." (Rousseau, em “Emílio”, obra produzida em 1762)

Dizer não atualmente é um dilema na relação dos pais com os filhos. Em certos casos é quase proibido. A relação que se estabeleceu, num mundo em movimento constante, no qual o contato entre pais e filhos ficou mais escasso, levou ao surgimento de um contexto em que as demandas dos rebentos precisam ser supridas para que tudo fique bem no âmbito familiar.

Outro elemento importante neste dilema é a frustração. Dizer não é vetar o acesso a sonhos e realizações dos filhos, por isso dizer-lhes que não podem, não devem ou que não vão significa causar dor, desalento e, é claro, frustração.

O mais interessante nisso tudo é que a atual geração de pais, na maior parte dos casos, conviveu com as limitações e sobreviveu a isso, preparando-se portanto para a vida real, na qual nem tudo o que desejamos é possível.

No mundo do trabalho, por exemplo, pleiteamos melhores condições, salários, maior reconhecimento, ou seja, lutamos por valorização profissional o que, muitas vezes não é possível por diferentes fatores, como o contexto econômico nacional, a existência de outros funcionários que igualmente disputam espaço, a prioridade de investimentos em outros segmentos...

Lidamos com frustrações no campo pessoal todo o tempo. Relações humanas, em qualquer contexto, trazem à tona a vontade pessoal contra a vontade de outra pessoa, de grupos de indivíduos ou mesmo de pessoas jurídicas, as empresas nas quais trabalhamos.

Todos nós sabemos disso e lidamos com isso cotidianamente. Aprender a lidar com o Não e, com isso, também saber como não fazer uma frustração virar algo tão grande e poderoso que, literalmente, o faça desabar, é algo que precisamos ensinar desde cedo para as crianças.

Crianças antes da fase escolar, quando ainda estão em casa e são muito pequenas, focos de toda a atenção e carinho disponíveis, dos pais, irmãos mais velhos, tios, avós, amigos e todo mundo, conforme nos ensinam os estudiosos, tendem a concentrar o mundo em si mesmas

Quando vão para a escola e precisam dividir espaço com outras crianças como elas vão aprender que os brinquedos precisam ser compartilhados, que não devem resolver problemas com os amigos dando mordidas ou tapas, que há algumas regras a serem seguidas na sala de aula, que alguém comanda ações (a professora e sua auxiliar), que há tarefas a serem desempenhadas...

Isso tudo é preparo para a vida em coletividade. Cabe a família validar isso. Como? Fazendo com que alguns parâmetros aprendidos na escola possam ser igualmente aplicados em casa.

Orientar as crianças para, por exemplo, apagar as luzes ao saírem de um cômodo ou desligarem a TV quando não estiverem assistindo constituem ações que educam os pequenos para agir da forma correta naquele contexto e em outros, nos quais orientações gerais sejam dadas a eles.

Pedir aos irmãos que dividam os brinquedos entre si ou com amigos que os visitam é outro modo de compor ações com a escola que colaboram para a socialização.

Ao agirmos desta forma estamos dizendo “não” sem que isso soe agressivo ou como algum tipo de cerceamento. A criança “não” deve monopolizar os brinquedos, ainda que sejam seus, ganhos em aniversário ou Natal, por exemplo, devendo socializar com os demais presentes. Há um ganho nisso que deve ser explicado a eles que se relaciona ao fato de que a brincadeira e o brinquedo são muito mais divertidos quando há outros jogando e se divertindo conosco.

Ao pedirmos que apaguem a luz estamos igualmente educando na direção do “não” já que o que queremos é que as luzes não fiquem acesas se não há necessidade, se alguém não irá utilizar este benefício. O mesmo no caso da TV ou de videogame, computador...

Se estabelecemos regras e definimos que a criança não pode dormir depois das 10 horas da noite, tendo explicado que ela precisa descansar para as aulas na escola logo pela manhã, é preciso cumprir tal regra ainda que, por vezes, o filho insista em permanecer acordado para brincar ou assistir desenhos na televisão.

Ao não cumprirmos regras acordadas com nossos filhos demonstramos que o que foi tratado não é sério, ou seja, que nem mesmo os pais, que formalizaram tal trato, consideram realmente importante assim agir.

Num país como o Brasil, no qual a impunidade reina, o que por si só é um péssimo exemplo para as novas gerações, se nem mesmo em casa os pais fazem com que suas regras sejam cumpridas que esperança podemos ter de que num futuro breve o país tenha pessoas que respeitem as leis e, com isso, estabeleçam uma sociedade mais justa, melhor, mais próspera e digna?

O “não” está na lei. A constituição define limites. As autoridades que fizeram com que surgissem as restrições a que somos submetidos são, por vezes, pegas em situações nas quais burlaram estas leis. Ao assim fazê-lo sinalizam que o país não é sério, suas leis não são sérias e que, em assim sendo, quem as cumpre acaba fazendo papel de bobo. O contrário é que deveria prevalecer e, desde já, isso começa em casa, com o devido apoio da escola.

Um não bem empregado tem poder terapêutico pois pode evitar dores de cabeça enormes num futuro breve.

Se não dizemos “não” quando devemos, em relação a situações cotidianas, como por exemplo impedir que um adolescente beba cerveja num churrasco familiar estamos legitimando o que a lei do país preconiza como proibido. O “não” social é desconsiderado afinal de contas é só um “copinho de cerveja” e, convenhamos, o menino já é praticamente um homem...

O não terapêutico é aquele que não apenas previne problemas imediatos ou futuros, mas aquele que forma a criança e o jovem para a ação correta, com repercussões positivas para ele mesmo e para o tecido social, para todos que o cercam.

E as frustrações imediatas? Como lidar com elas?

Num primeiro momento há a cara feia do filho contrariado. Em outros casos, os filhos podem até responder para os pais, o que, caso aconteça, deve ser repreendido, afinal de contas é preciso ter respeito com o pai e a mãe. Há também situações nas quais os filhos se fecham em seus quartos, não respondem ao chamado dos pais...

Isso passa. Pode demorar um pouco em alguns casos, mas no geral, o tempo ajuda os filhos a compreenderem que o “não” teve bons motivos e que aquela frustração será superada.

Pais e filhos não irão, não devem e nem tem que concordar em tudo, pelo contrário, aprendem em mão dupla com suas opiniões ou escolhas diferentes. Filhos erram mesmo quando bem orientados e agindo de acordo com o que lhes dizem ou ensinam pais e professores. Nestes casos há igualmente frustração pois, teoricamente, agiram de acordo com o que se esperava deles. Mas a vida, felizmente, não é previsível, as situações não estão totalmente sob controle e os erros ensinam, por vezes, mais do que os acertos...



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