Sabemos ler? - 02/07/2015
Wanda Camargo
Não basta ser alfabetizado para efetuar boa leitura do mundo, compreendendo os seres humanos e suas interelações, por isso hoje se fala tanto em letramento. Além de ler e escrever, o que é possível com a alfabetização, é preciso fazer uso competente e frequente destes dois atributos.
Letramento passa a ser entendido como ampliação de um simples conhecimento do alfabeto, ou seja, a capacidade de interpretar adequadamente os discursos sociais. Embora utilizemos analfabeto em oposição ao conceito de alfabetizado, a oposição entre letrado e iletrado carece de sentido, pois mesmo aqueles que não sabem ler ou escrever fazem uso de códigos sociais mínimos ao relacionar-se com os demais. Mesmo assim, é visível que o desenvolvimento das habilidades de escrita e leitura depende muito das delimitações de sentido, domínio de definições e capacidade de mensuração.
O Brasil não tem sua população em boas condições de letramento. Uma simples olhada nas mídias sociais mostra isso claramente: pouco entendemos do que lemos, raramente reagimos a qualquer declaração sem agressões despropositadas, bastando que haja espaço em que respostas ou comentários sejam permitidos. Opinião emitida sobre qualquer assunto desencadeia observações ferozes, não apenas em relação ao autor original do texto, mas até quanto aos respondedores entre si.
Por exemplo, em veículos como Facebook, Twitter ou similares, o simples fato de admitir constrangimento em situações que efetivamente deixam desconfortáveis aqueles que não tenham experiência anterior quanto ao tema em tela desencadeia a ira dos que veem ali uma declaração politicamente incorreta.
Muitos já foram crucificados nas mídias sociais como antiéticos e monstruosos, sem que ninguém percebesse o comportamento medieval e inquisitorial e a imposição de estigmas cruéis, apenas por reconhecer falhas tipicamente humanas, comportamentos fora de padrões estabelecidos, mesmo que de forma não prejudicial a outrem.
Linus van Pelt, personagem de “Peanuts” do cartunista americano Charles Schulz, é neurótico, obsessivo e genial. No Halloween, ele permanece em sua plantação de abóboras e fica à espera do Grande Bruxo, que voará nessa noite e contemplará a plantação mais sincera. Simplesmente isso, não a maior plantação, não a que produza melhores abóboras, apenas a mais sincera; e ele cultiva a esperança de que seja a sua.
Sinceridade não parece um valor muito respeitado em nosso mundo utilitarista, em um tempo de perfis edulcorados e fantasiosos divulgados em maquininhas brilhantes. Mas é o que faz a terra girar, o que dá significado às relações pessoais e sociais: fé, verdade, honestidade de propósitos; é o que permite uma professora que estimula seus alunos e os faz campeões na matéria, a existência de uma escola de periferia com as graves carências materiais das escolas públicas em nosso país, e que no entanto tem professores, funcionários e diretor que a levam ao nível de excelencia de ensino, ou médicos que fazem cirurgias gratuitas em seu tempo de folga, garis que se orgulham tanto de seu trabalho que o fazem dançando no sambódromo, de pessoas que amam o que fazem.
Leituras comprometidas ideologicamente, onde importa mais a crença daquele que lê, em detrimento do realmente escrito, escritos com intenções malévolas, onde a verdade é escamoteada pelos interesses não expressos, tudo isso revela a deficência de um bom nível de letramento, a falha no exercício da cidadania.
O sistema educacional brasileiro tem ainda muito a melhorar antes que permita a verdadeira inserção da população em um patamar civilizacional mais elevado possa ser atigido.
# Artigo: Livros, Sedução e prazer garantidos
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