Provas com consulta ao Google - 12/05/2015
João Luís de Almeida Machado
Criar facilidades. As tecnologias surgem sempre com o claro intuito de tornar a vida humana melhor, mais simples, fazendo com que algo complexo se torne fácil ou, ao menos, tentando diminuir seu nível de dificuldade.
Este conceito está por trás, por exemplo, do Google e dos buscadores de informações que desde o início da internet comercial, na segunda metade da década de 1990, auxiliam usuários do mundo todo na procura por dados que os auxiliem no trabalho ou nos estudos.
Para a geração de nativos digitais nascidos após a estruturação da rede mundial de computadores o movimento de busca pela internet é tão natural quanto para os migrantes digitais eram as pesquisas em bibliotecas, livros, enciclopédias e arquivos variados em seus locais de trabalho e/ou estudo.
Mark Dawe, chefe da divisão de OCR (Reconhecimento Óptico de Caracteres) do Google, entrevista à BBC, se posicionou de forma favorável a utilização do buscador de sua empresa em provas escolares. Chegou mesmo a comparar tal utilização a realização de provas com consulta, em que os estudantes têm acesso aos livros das disciplinas durante o processo avaliatório para auxiliar a composição de suas respostas.
Nada mais natural do ponto de vista institucional do que apregoar a todos que a ferramenta de sua empresa pode e deve ser mais e mais utilizada pelas pessoas. Em educação isso significa atingir milhões de estudantes do mundo todo, em diferentes países. Representa também, na prática, consolidar uma ação que já é regular nos ambientes de trabalho e fora da escola entre habitantes dos países onde o Google é ferramenta regular de estudo e trabalho.
Se pensarmos um pouco além, no entanto, tal afirmação do ponto de vista corporativo, significa consolidar culturalmente a ferramenta de buscas como o elemento de pesquisa definitivo e definidor do pensamento humano. Pode parecer exagero, mas de certo modo, esta declaração aparentemente sem grandes pretensões, de uma liderança do Google, pode ter repercussões maiores do que simplesmente legar aos alunos do mundo todo acesso a um recurso que lhes permitiria melhor aproveitamento nas provas a que são submetidos em escolas e universidades de todo o planeta.
Modifica a estrutura cerebral, estabelece novo padrão e conduta no processo formativo, torna mais distantes ou mesmo improváveis outros tipos de busca e, ao facilitar o trabalho de levantamento de dados, como em músculos que não ativamos por meio de exercícios e atividades físicas, provavelmente atrofia algum processo cerebral ao não lhe exigir esforços na busca de soluções alternativas ou mesmo em relação a memória, a capacidade de cruzamento de dados, a leitura de livros em papel, as anotações decorrentes deste estudo anterior. É claro que isso é passível de confirmação através de pesquisas, mas por analogia já é possível pensar nestas repercussões ruins para as pessoas.
É certo que os e-readers e os e-books, assim como tantos outros meios e mídias utilizados na web, rastreáveis com incrível rapidez e facilidade, organizados em bibliotecas digitais de acordo com o tipo de informação que se busca ou com o nível de conhecimento que se procura, seja em qual segmento for necessário, já permitem acesso a milhões de livros e a recursos de anotação e estudos on-line.
A utilização profissional destas ferramentas tecnológicas já está consolidada e é anterior no tempo quanto a seu uso sistematizado em relação a educação. Utilizar procedimentos de avaliação nos quais o Google esteja presente ao lado do educando exigiria uma reformulação em tais processos. Não poderia jamais se impor como modelo único, apenas como alternativa e, acima de tudo, teria que ser composto de questionamentos que não buscassem somente respostas rasas, em que a reprodução de conceitos fosse suficiente para responder o que os professores estivessem perguntando.
Desta forma seria possível ter, em alguns momentos, o Google ou outras ferramentas de igual calibre, como elementos de consulta em provas.
Não se descartariam outros modelos de avaliação, sem este ou outros recursos a auxiliar os estudantes, exigindo deles habilidades e competências diferentes daquelas que num procedimento desta natureza estariam sendo cobrados.
Provas com consulta não são novidade. O uso do Google como ferramenta de consulta é que seria. A dimensão de pesquisas oferecidas pelo Google teria que ser pensada e trabalhada de forma a legar ao educando não o mundo todo que há online ou, ao menos, a capacidade de lidar com um universo de informações sabendo onde encontrar aquilo que realmente interessa. Neste sentido, por mais intuitiva e fácil de utilizar que seja a página mãe do Google e de outros buscadores, com sua caixinha a indicar onde você deve digitar os termos que precisa pesquisar, há outros elementos de pesquisa que devem ser conhecidos e que não podem ser trabalhados com o encaminhamento direto dos estudantes aos buscadores e outras ferramentas através das quais podem levantar dados.
Pesquisar é muito mais que inserir palavras-chave num buscador e aguardar as respostas oferecidas. É preciso capacidade apurada de leitura, estudos prévios, conhecimento anterior dos assuntos pesquisados, orientações por parte de especialistas e professores, anotações de dados anteriormente auferidos, comparação de informações obtidas, validação das bases de dados consultadas, conhecimento dos cânones dos assuntos buscados...
Numa avaliação com consulta ao Google, além de todo o trabalho prévio necessário, os questionamentos teriam que ser, necessariamente, exigentes e rigorosos quanto aos conceitos buscados, críticos no sentido da produção do educando (quanto a sua escrita, compreensão, análise e produto final) e, criativos na elaboração dos enunciados ao propor questões em que o respondente tenha que elaborar não somente dentro dos limites estreitos dos dados primordiais buscados mas, também, demonstrando capacidade de elaboração em que cruze informações, assuma posicionamentos, demonstre atualização...
A questão neste momento não é, portanto, se devemos ou não utilizar o Google ou outras ferramentas de busca e pesquisa oferecidas na internet para a realização de provas e, sim, como podemos inserir tais recursos nos processos avaliativos de forma a enriquecer tais ações sem perder os ganhos existentes e já consolidados de outros procedimentos avaliativos. Usar tais recursos não deve ser colocado em pauta como substituição dos modelos previamente construídos para a adoção de uma nova prática avaliativa ser estabelecida e passar a prevalecer de forma soberana.
Avaliar é ação importantíssima que permite não apenas dar notas e aprovar ou reprovar os estudantes como muitas vezes é percebido, de forma rasa, por um grande contingente de pessoas. O grande valor do processo de avaliação consiste em permitir ao educador e ao educando, perceber a evolução do aprendizado, o que ainda precisa ser melhorado, os pontos fortes e fracos da própria docência, sem perder de vista que estas ações devem permitir melhora ao estudante quanto ao nível de conhecimento incorporado por ele, num processo complementar a todas as demais atividades educacionais realizadas com o objetivo claro de preparação para a vida e o trabalho.
# Artigo: A vida na encruzilhada
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