A crise da educação norte-americana e a situação na Pátria Educadora - 29/04/2015
João Luís de Almeida Machado
EUA assistiu deterioração de sua educação nas últimas 4 décadas e Brasil padece igualmente quanto a vários problemas percebidos no país de Barack Obama.
Na semana passada tive a oportunidade de ler o artigo "Why have american education standards collapsed?”", de Marc Tucker, publicado no site Education Week que a partir de levantamentos realizados quanto ao currículo educacional daquele país nos anos 1970 e atualmente, trouxe à tona dados alarmantes no tocante a qualidade do ensino e o nível dos conteúdos ensinados há 40/45 anos atrás e hoje em dia.
Destaco a seguir alguns dos dados levantados e, com base nos mesmos, farei algumas considerações e equiparações com o Brasil.
1) Hoje nos EUA os livros didáticos para os alunos de High School (equivalente a nosso Ensino Médio) que eram escritos de acordo com este nível de ensino nos anos 1970 equivalem ao que se aprende nos anos finais do Ensino Fundamental II. Ao diminuir o nível de cobrança em relação aos conteúdos a tendência é que se facilite o caminho dos alunos aos anos letivos e segmentos educacionais seguintes. Esta medida reduz os custos para os gestores de redes de ensino, em especial no segmento público mas, por outro lado, onera os alunos pois os deixa menos preparados que gerações anteriores e competidores de outros países deste mundo globalizado. Aprovam-se mais pessoas e, com isso, metas estabelecidas pelo poder público são, também, atingidas, dando-se a impressão de que as escolas e seus alunos estão indo muito bem. No Brasil, em algumas redes de ensino, utilizou-se do expediente da aprovação automática, com reprovação apenas em alguns anos para, com isso, diminuir os índices de reprovação, evasão e aumentar as estatísticas relativas a alfabetização e escolarização dos brasileiros. O aluno conseguia a promoção de um ano para o próximo sem saber ler, escrever, realizar os cálculos matemáticos... Situações próximas de ações do poder público que têm elevado custo social ainda que, num primeiro momento, aparentem melhoria da educação tendo em vista os resultados obtidos.
2) Professores de faculdades norte-americanas não atribuem muitas tarefas que demandam escrita porque a qualidade de escrita dos alunos é ruim. A produção textual é trabalho que só atinge bons resultados após anos de ensino, prática, leitura, projetos, trabalhos e tarefas. Inicia-se na educação básica, logo que os alunos nos primeiros anos escolares são alfabetizados, com a realização de rodas de leitura, o ensejo a conversas e produções por parte dos professores juntamente a seus alunos, o incentivo a realização de atividades em casa e na própria sala de aula. Hoje se discute, em alguns países, se não deveríamos parar de utilizar a letra cursiva. Há, também, em curso, experiências em que a escola passa a ter todo o trabalho educacional concentrado no uso de recursos tecnológicos, como tablets ou notebooks, sem que o aluno tenha que anotar, escrever, ponderar no processo de produção escrita o que está sendo trabalhado nas aulas. Isso leva a um empobrecimento e gera uma incapacidade quanto ao potencial de produção textual dos alunos que irá reverter, certamente, nas faculdades e universidades, com estudantes que terão dificuldade na composição de textos, relatórios, planilhas e tantos outros instrumentos de registro necessários para sua atuação profissional. A utilização de recursos tecnológicos não significa que outras práticas e recursos devam ser abandonados. A escola não pode abrir mão de expedientes de consolidação do aprendizado, seja qual for sua orientação ou filosofia de trabalho. O custo, a médio e longo prazo é altíssimo para os educandos e para a sociedade.
3) Atualmente se ensina Algebra 1, em nível de High School (Ensino Médio), para alunos de faculdades americanas. Diminuir o nível das matérias garante, conforme já destacado, aprovações e metas atingidas. Por outro lado, ao se ensinar matemática básica para quem deveria estar aprendendo em nível avançado compromete os profissionais e lega para o mercado de trabalho mão de obra que terá dificuldade de garantir nos projetos em que estiver envolvida, a qualidade esperada ou necessária. Imaginem, por exemplo, engenheiros com dificuldades para realizar os cálculos estruturais de pontes, prédios, galerias, casas, estradas ou qual for o projeto nos quais estiverem trabalhando. Há um grande risco envolvido nisso. Do mesmo modo que se espera que a formação em biológicas, humanas e línguas recupere a qualidade de anos anteriores para garantir bons médicos, professores, arquitetos, advogados, economistas... Isso vale tanto para os EUA quanto para o Brasil ou qualquer país do mundo. Em nações como a Finlândia, a Coréia do Sul, o Chile, a Alemanha, a Índia, a China e o Japão, por outro lado, a cobrança tem sido rígida, rigorosa, em patamares elevados, justamente buscando formar pessoas mais habilitadas e capazes, que elevem o nome do país, das empresas em que estiverem trabalhando, das equipes nas quais atuam e de si mesmos como profissionais.
4) Ainda que faculdades nos EUA estejam ensinando conteúdos equivalentes ao que se aprendia no EM, os alunos não estão se saindo muito bem. A cobrança de conteúdos menos complexos deveria estar auxiliando os alunos norte-americanos a obter melhores resultados e aprovações. O que se vê, no entanto, é que ainda assim há dificuldades percebidas e o nível de ensino mais baixo não está legando os resultados esperados. Estuda-se menos, cobra-se menos e, como consequência, os alunos ficam igualmente menos comprometidos, alertas, participativos e, com isso, sua preparação deficiente, ainda que aprovados, os afasta dos padrões esperados para que se tornem profissionais qualificados no futuro. O que se busca, e isso deve ficar bem claro, não é simplesmente a aprovação ou o diploma de conclusão de segmentos e cursos. O objetivo maior e único deve ser uma formação consolidada, que prepare o aluno para o exercício profissional, a cidadania, a ética, a vida em sociedade, a formação de sua família e a felicidade pessoal. O que estamos vendo ao final do processo? A desqualificação, o insucesso, a agonia de muitos estudantes, a falta de mão de obra qualificada, a perda de espaço no mercado mundial pelos EUA e por todos que não investem em educação de qualidade, a infelicidade das pessoas...
E como este colapso veio a acontecer? De que modo a educação nos EUA decaiu tanto nos últimos 40-45 anos? Os motivos são também apresentados no artigo de Marc Tucker, como podemos ver a seguir:
- A economia americana que estava em franco crescimento desde a 2ª Guerra Mundial começou a decair em virtude da forte concorrência de produtores asiáticos, como o Japão, que tinham mão de obra tão qualificada quanto a americana a custos menores. Isso fez com que os americanos tivessem que baixar seus custos de produção com a adoção de mecanização e robotização em escala o que ocasionou estagnação no mercado de trabalho e, posteriormente, perda de empregos entre os americanos que atuavam na indústria. O desemprego foi maior entre os homens e, no mesmo período aumentou a quantidade de crianças nascidas de mães solteiras. O resultado mais evidente foi o empobrecimento de boa parte desta geração de famílias e, consequente, uma vida mais humilde para estas crianças.
A globalização não causou apenas desemprego, queda de renda, oferta menor de recursos culturais e consequente queda de rendimento nas escolas. Gerou também pressão das famílias, cientes de que sem formação seus filhos não poderiam concorrer neste mercado que agora incluía japoneses, mexicanos, alemães, indianos, chineses e tantos outros competidores. Esta pressão migrou para as escolas. Os gestores se viram instados a diminuir a cobrança acadêmica para que mais americanos alcançassem os diplomas necessários para que fossem percebidos como "competidores aptos" neste mercado global. Mais diplomas, mais qualificação... Só que os diplomas não retratavam formação sólida ou pelo menos nos níveis de anos anteriores, pelo contrário, promoviam-se pessoas menos qualificadas a cada ano. O que pensar do Brasil então, no qual há ilhas de excelência em universidades públicas, como a USP ou a Unicamp, por exemplo, e em alguns grupos privados como a Fundação Getúlio Vargas? Estes poucos profissionais formados por estas e outras universidades qualificadas é que compõem a elite profissional e são disputados a peso de ouro no mercado nacional e, por vezes, internacional.
Uma das formações que foi ficando mais deficiente e desprestigiada foi a de novos professores. As exigências tornaram-se menores, as leituras e os estudos menos focados, a disciplina decresceu e os novos professores formados a partir da década de 1980, tendo status social e salários em baixa, saíram para o mercado oferecendo igualmente uma qualidade deteriorada de serviços. Os melhores estudantes, diante do quadro desalentador das carreiras na educação debandaram do segmento, buscando alternativas com melhores condições, reconhecimento e salários. Enquanto em outros países, como a Finlândia ou a Coréia do Sul, a carreira de professor foi valorizada, nos EUA ia ladeira abaixo. A debandada das licenciaturas e nos cursos de pedagogia também é grande no Brasil. Há carência comprovada de profissionais em várias disciplinas, como Física ou Matemática, por exemplo, pois a profissão, no país, é a menos valorizada entre todas aquelas nas quais se exige nível superior. Quem quer ser professor se a indústria, os serviços ou o comércio pagam melhores salários?
A pressão do governo sobre os estados e municípios por notas melhores resultou não no esperado, ou seja, num maior empenho e trabalho em prol deste estudo mais forte, mas numa ação de diminuição do nível de saberes cobrados para que todos atingissem bons resultados. As notas melhoraram, mas maquiadas pois o que se cobrava era agora menos do que antes era exigido. Rankings foram criados, metas estabelecidas, projetos concebidos, como no Brasil e em outras partes do mundo, dentro de uma política promovida e financiada pelo Banco Mundial. Apesar disso, o nível de ensino, a qualidade da aprendizagem não melhorou por lá e, tampouco, por aqui, no Brasil...
Instituições de ensino superior nos EUA, ainda que buscassem os expoentes nas instituições de Ensino Médio para compor sua elite intelectual e promover pesquisa e crescimento, focaram principalmente em aumentar a quantidade de alunos ainda que isso significasse também neste nível de ensino, baixar o nível de estudos para que alunos com dificuldades pudessem frequentar seus cursos. Situação semelhante com o que ocorre no Brasil em relação a instituições privadas, bancadas muitas vezes com dinheiro público, via canais de financiamento como o FIES, que enchem suas salas de aula e oferecem cursos rasos, com currículo fraco, formação insuficiente para que os alunos tenham a necessária qualificação, a custos baixos que não garantem bons professores ou, ainda, realizando considerável parte da formação via EAD, o que abaixa os custos e também o nível de comprometimento real dos estudantes.
A competição entre as universidades nos EUA foi ainda mais acirrada na busca pelos novos alunos a partir de matérias publicadas na imprensa. Para aumentar a quantidade de alunos as instituições investiram em melhores acomodações, refeitórios, lazer, esportes e outros atributos, mas não se preocuparam com a qualidade do ensino, pouco aplicando na melhoria acadêmica dos cursos oferecidos.
O que se vê, portanto, no país mais rico do mundo, é um cenário preocupante... O que pensar então da Pátria Educadora?
# Artigo: Um filósofo no comando do ministério da Educação
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