Você gosta de Ciências? - 23/04/2015
João Luís de Almeida Machado
O letramento científico precisa ser repensado nas escolas brasileiras para que mais pessoas se interessem, entendam, atuem e atuem na área no país.
"Os cientistas antigos procuraram o elixir da vida eterna, a pedra filosofal e outras tolices. Eles prometeram o impossível e não o realizaram", disse o professor. "Os mestres de nosso tempo prometem pouco, mas podem fazer muito - graças aos antigos. Ao buscar essas quimeras, eles penetraram nos esconderijos mais secretos da natureza e nos mostraram como ela funciona. Descobriram como o sangue circula e de que é composto o ar que respiramos. Por causa deles, nós, os cientistas de hoje, dispomos de poderes quase ilimitados. Podemos dar ordens ao trovão, imitar o terremoto e até zombar do invisível. Nem sempre somos compreendidos. Mas as invenções do homem de gênio, por mais absurdas que pareçam a princípio, sempre trazem benefícios para a humanidade." [Trecho do livro "Frankenstein", de Mary Shelley]
Você gosta de Ciências?
Para responder esta pergunta é preciso, primeiro, ter clareza quanto ao significado da palavra Ciências. Utilizado no singular, buscando-se apenas seu sentido mais imediato, o vocábulo relaciona-se a ideia de conhecer, saber, descobrir ou “ter ciência” sobre algo.
Ciência remonta também a ideia de laboratório, pesquisa, busca de saberes especializados realizados por estudiosos, os chamados cientistas. Nos filmes apresentados na televisão os cientistas são, muitas vezes, retratados de forma simplificada como pessoas muito inteligentes, pouco sociáveis, que se vestem quase sempre com um avental, guarda-pó ou jaleco branco e que têm ideias pouco comuns, em alguns casos até meio malucas. Estes cientistas ficam horas e horas trabalhando em fórmulas, cálculos, projetos e ideias em seus laboratórios visando desenvolver algum produto especial que irá ser útil à humanidade ou, em alguns filmes, pode até ser nocivo.
Nos laboratórios dos cientistas que vemos nos filmes ou em livros de ficção há desde instrumentos típicos como tubos de ensaio, pipetas e diversas soluções químicas, passando por instrumentos de precisão, até ferramentas que lhes permitam construir máquinas e criar soros simples ou incríveis, como por exemplo, algo que permita aos seres humanos viajar no tempo ou ser teletransportado, no primeiro caso, ou remédios que curem doenças ou que transformem as pessoas em outros seres.
Ciências, quando passamos do senso comum, como por exemplo, quando superamos a visão reducionista dos filmes ou dos livros de ficção, nos aventurando a estudar e entender um pouco melhor nas escolas, trata-se de uma série de campos ou áreas do conhecimento, criadas pelos seres humanos, baseadas em experimentos, dotadas de lógica e métodos de trabalho, pautada em estudos que se prolongam por longos períodos até que resultem em dados e resultados confiáveis visando permitir ao homem entender o mundo em que vive, a si mesmo, as relações que estabelece no universo e, com estas informações todas, garantir a si mesmo, aos seus semelhantes, as outras espécies e ao planeta, uma vida melhor.
Seja na ficção, no dicionário ou na vida real, a Ciência ou as Ciências, em suas diferentes frentes (Exatas, Biológicas ou Humanas) constituem o elemento que permite ao homem interpretar da forma mais avançada já criada por ele ao longo do tempo, a inteligibilidade em relação as coisas, ao todo que o cerca, ao universo e seus seres, a sua própria existência.
Trata-se, portanto, de um autêntico tesouro que vem sendo construído há séculos, com base na experiência e na capacidade humana de elaboração, trabalho e criação que está a nossa disposição.
O ensejo a Ciência através da Educação é, neste sentido, mais que natural, uma necessidade, uma premência e o estímulo à continuidade de ações que levem a humanidade a evoluir, prosperar, crescer, melhorar e superar as dificuldades e intempéries que se colocam ao longo de seu caminho.
Mas, voltando à pergunta inicial: Você gosta de Ciências?
Faço esta pergunta pensando na forma como se ensinam as Ciências na escola, ou seja, da proposta e da estrutura de ensino vigente que pouco ou nada estimulam o letramento científico, o interesse e os saberes relacionados a pesquisa, as ações em laboratórios que sejam propositivas e não apenas repetitivas de processos, o ensejo ao conhecimento e uso de metodologia científica já no ensino básico, desde os primeiros anos de ingresso nos bancos escolares.
Tendo por base a forma como se ensinam as Ciências, pautando-se em conhecimento livresco, nos dados oferecidos através de livros didáticos, por melhores que sejam - não é isso que está em questão – a resposta a pergunta que abre este texto é, infelizmente, para muitas pessoas em nosso país, negativa ou, na melhor das hipóteses, carregada de dúvidas, de interrogações.
Em se tratando de Ciência isso pode ser um bom princípio para reflexões e, posteriormente, ações e práticas que resultem numa revisão dos métodos e processos utilizados para o ensino de matemática, biologia, química, física, história, geografia e outras áreas do conhecimento científico nas escolas.
Afinal de contas, em Ciência, tudo começa com questões, dúvidas e problemas a serem solucionados. Estes elementos provocam os seres humanos a buscar hipóteses e a gerar teorias que os ajudem a solucionar tais questionamentos e, por aí vai. Uma centelha desperta o fogo que ocasiona a pesquisa, a busca pelo conhecimento...
Somente os livros não resolvem a questão. Ensinar Ciência reproduzindo as teorias, cálculos, fórmulas, trechos de textos e pensamentos de expoentes como Aristóteles, Galileu, Newton ou Einstein não estimula suficientemente o intelecto. O que poderia então ajudar? Seguem algumas iniciativas que têm gerado resultados muito mais promissores em escolas brasileiras e estrangeiras para promover o estudo das Ciências:
1- Início de estudos já nos anos iniciais na escola – Já há previsão de estudos de ciências no Ensino Fundamental 1 em escolas brasileiras, mas este estudo, nesta fase, deve prover o aluno quanto a saberes essenciais como, por exemplo, o acesso a linguagem científica, a introdução e primeiras ações em laboratórios, o manuseio de elementos naturais, o conhecimento de técnicas de registro...
2- Conhecimento significativo - para gerar empatia juntamente as crianças, adolescentes e jovens é preciso propor questionamentos vinculados ao mundo real. Parece óbvio, mas na maioria das vezes as proposições são distantes daquilo que é mais imediato e necessário para os estudantes, o que faz com que eles de desinteressem rapidamente.
3- Ensinar desde o Ensino Fundamental II os princípios de Metodologia Científica e trabalhar com projetos que lhes permitam, ao longo de períodos pré-estipulados (mês, bimestre, trimestre, semestre ou ano, dependendo da idade e maturidade das turmas), entregar resultados baseados em pesquisas que associem levantamentos bibliográficos, ações de campo, buscas em acervos científicos na internet...
4- Criar revistas eletrônicas de divulgação das produções ou promover mostras nas escolas para que os alunos percebam que as Ciências podem e devem sair das escolas, laboratórios e núcleos de pesquisa para o mundo, onde irão se incorporar ao cotidiano das pessoas.
5- Promover o contato com pesquisadores, a ida a laboratórios ou centros de pesquisa, o acesso a publicações, o contato diário ou semanal com notícias sobre Ciências.
6- Estimular e proporcionar ações de interação entre as diferentes áreas do conhecimento, ocasionando a ação interdisciplinar que aproxime as Ciências Humanas, Exatas e Biológicas.
7- É preciso equipar as escolas com bons laboratórios, equipamentos e materiais de trabalho, oferecendo ainda apoio de laboratoristas aos docentes de disciplinas como química, física e biologia, tendo uso regular das instalações a partir dos projetos.
Ações como estas, é claro, devem ser estudadas, aprofundadas, pensadas e promovidas a partir de planejamento e engajamento de gestores e professores para que sejam, de fato, efetivas.
O que é certo é que, ao assim proceder, o interesse pela Ciência tende a crescer, se tornando maior a quantidade de pessoas que responderão afirmativamente a questão que abre este texto.
(Sugestões de leituras e acesso a pesquisas sobre o tema)
http://download.inep.gov.br/download/internacional/pisa/2010/letramento_cientifico.pdf
http://pchae.cienciahoje.org.br/o-que-e-alfabetizacao-cientifica/
http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2014/08/brasileiro-analfabeto-cientifico
http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2014/08/imagens/Indice-Letramento-Cientifico.pdf
Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.