Universo Escolar
Wanda Camargo é educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil.

Universidade Indígena - 12/05/2014
Wanda Camargo

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Universidade Indígena


A educação brasileira formal começou com os indígenas, ou pelos indígenas, os donatários de Capitanias, nossos primeiros administradores públicos por assim dizer, recebiam da Coroa portuguesa o mando sobre grandes extensões de terra; seus direitos e deveres eram explicitados detalhadamente nos documentos de investidura, e nestes não constava uma única palavra sobre educação.

Em atenção à igreja católica, falava-se da “conversão dos gentios à verdadeira fé”. Com a preocupação de extrair madeiras e metais preciosos, e enriquecer rapidamente antes que as simpatias da metrópole os abandonassem, os colonizadores não se dedicavam sequer a essa catequese, abrindo espaço para a ação dos religiosos, principalmente Jesuítas. E deve-se a eles, com destaque para o padre José de Anchieta, a implantação dos primeiros estabelecimentos educacionais, além da elaboração das primeiras gramáticas de línguas nativas.

No entanto, à parte das definições eurocêntricas, os povos indígenas em sua maioria sabiam produzir artefatos, possuíam cultura própria e transmitiam esses conhecimentos a seus descendentes. Uma forma inequívoca de educação, que ainda pode ser suficiente para os muito poucos que vivem totalmente isolados da nossa chamada civilização.

De maneira simplificada, há três formas de acesso dos indígenas à educação: o ensino básico prestado nas aldeias por professores membros das comunidades e que cursaram as Licenciaturas Indígenas (pelo menos vinte universidades as oferecem no país); o ingresso nas universidades pelo regime de cotas, em que parte das vagas ofertadas normalmente é a eles destinada (mais utilizado por indígenas urbanos ou aculturados, que já frequentaram estabelecimentos nas cidades); as vagas especiais criadas suplementarmente em universidades.

A educação superior nas vagas suplementares tenta suprir as necessidades crescentes de médicos, enfermeiros, dentistas, agrônomos, advogados e outros profissionais nas “reservas”. As exigências de gestão de grandes áreas de terra, cuidados à saúde e mesmo enfrentamento de demandas judiciais com invasores e órgãos públicos podem ser bem atendidas pelos próprios indígenas, desde que adequadamente preparados.

E essa modalidade de educação encontra problemas, desde o processo de seleção, pois se trata de escolher alunos por critério inicial de etnicidade, e de acordo com os princípios atuais de antropologia são os próprios índios que se definem como índios, ressaltando, politicamente, o que os diferencia dos não índios; fica, portanto a cargo das comunidades essa definição, havendo por vezes rejeição de indivíduos apenas pela condição de aculturados.

Os cursos tradicionais, que são os que hoje ofertam vagas suplementares, seguem currículos e metodologias próprios para estudantes tradicionais, falantes prioritários da língua portuguesa, com repertório cultural e educacional convencional. Para os povos indígenas (e são mais de 900 mil pessoas, 300 etnias e quase 300 línguas faladas) com variedades de tradições culturais, diferentes visões do mundo e religiosidades distintas, alguns se comunicando apenas sua própria língua, esses cursos não tem tido resultados concretos.

O Ministério da Educação constituiu, através da Portaria nº 52 de 24/01/2014, grupo de trabalho para discutir essas questões, e estudar a criação de uma instituição de educação superior intercultural indígena, como já existem em vários países, levando em conta as diferenças étnicas, os conhecimentos já adquiridos no sistema educacional brasileiro e as distâncias de um país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

A Unesco, com auxílio de especialistas de diversas regiões do mundo, já há mais de uma década tem identificado os temas controvertidos da educação superior, como a integração entre ensino e pesquisa e destes com a sociedade, a relação com o setor produtivo, sua demanda de independência intelectual e liberdade acadêmica. No entanto, sempre houve emergência do tema do financiamento das instituições públicas, e a necessidade de abordá-lo com profundidade, pela preocupação com a baixa relação aluno/professor nas universidades públicas, a subutilização de instalações físicas, altas taxas de evasão ou de repetência, os recursos destinados à residência estudantil, restaurantes, bolsas, subsídios, formação de profissionais nem sempre requeridos pelo mercado de trabalho; e, principalmente, o desenvolvimento de ações restritas a uma parcela diminuta da população.

Nem sempre é claro para a comunidade a relação custo/benefício, e a participação da imprensa, promovendo um debate social mais amplo quanto ao tema, costuma acontecer somente quando dos resultados das avaliações de massa, que ranqueiam as instituições, sobre o protesto de muitas destas.

Em geral, as discussões apontam concepções distintas do papel da educação superior, especialmente no item financiamento. A dificuldade parece residir na possibilidade de, sem eliminar suas especificidades históricas e identidades próprias, incluir o indígena não apenas em cursos de licenciatura para formar professores para sua própria aldeia, mas garantir seu acesso e permanência com aproveitamento nos demais cursos.

No entanto, quais fontes deveriam ser utilizadas para a obtenção do montante de recursos necessários, num país onde o Plano Nacional de Educação tem sua implantação arrastada por vários anos sem definição?



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