O
governo Brasileiro sancionou, no ano de 2012, uma das leis de
ação afirmativa mais abrangentes do
hemisfério ocidental, exigindo que as universidades
públicas federais reservem, ao menos, metade de suas vagas
para alunos das escolas públicas, o que refletirá
no aumento do número de estudantes universitários
de menor renda e de ascendência africana e
indígena por todo o país, conforme as
especificidades de cada estado.
A aprovação da Lei 12.711/2012 acontece
após o desenvolvimento de um amplo debate encadeado desde o
início da década de 2000, motivo pelo qual,
às vésperas da implantação
do novo marco legal, já existiam 80
instituições de ensino superior que adotavam
algum tipo de política de inclusão, baseando-se
em critérios étnico-raciais ou sociais.
A despeito das iniciativas existentes ao longo da década de
2000, é somente no ano de 2012 que a discussão
sobre o sistema de reserva de vagas se materializa, inicialmente, com a
jurisprudência criada por decisão do STF, no
mês de Abril, e, posteriormente, com o surgimento da lei das
cotas, pronunciado pelo poder legislativo em Agosto, e sua
regulamentação em Outubro pelo poder executivo.
A Lei 12.711/2012, popularmente conhecida como lei de cotas, trata-se
de um instrumento de justiça social e combate ao racismo,
que deve gradativamente ampliar o número de estudantes
negros, pardos e indígenas nas
instituições federais de ensino superior, de
maneira proporcional à composição da
população total em cada estado, conforme os dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Com validade de dez anos e posterior revisão pelo poder
executivo, a lei de cotas trata-se de um instrumento conjuntural que
busca diminuir problemas sociais historicamente consolidados no Brasil,
por meio da estruturação de um coeficiente
mínimo de 50% das vagas para ingresso em
Instituições Federais de Ensino Superior a
estudantes que tenham cursado todo o ensino médio em escolas
da rede pública, de maneira a levar em
consideração critérios de renda e
étnico-raciais.
Na prática, a lei de cotas cria um sistema de reserva de
vagas nas instituições federais de ensino
superior e nos institutos técnicos e dá uma nova
função social da universidade pública
quanto à pluralidade e acesso democrático, ao ter
como objetivo a atenuação do quadro de
desigualdade em que os estudantes da rede de ensino público
estão inseridos em relação
àqueles da rede privada.
A lei obriga aos institutos e universidades públicas
federais a designarem suas vagas de acordo com a
formação racial de cada um dos 26 estados
brasileiros e da capital, Brasília, o que vai repercutir em,
pelo menos, quatro contextos de composição
estudantil no ensino superior distintos no país.
Em primeiro lugar, com a reserva de cotas a estudantes que cursaram
todo o ensino médio em escolas públicas,
espera-se em boa parte dos estados brasileiros em que há
elevada uma formação
sócio-histórica baseada na
miscigenação, a
incorporação de um amplo contingente de
estudantes das classes sociais de renda baixa, cujo perfil
étnico-racial é amplo e não restrito a
índios e negros.
Em segundo lugar, em função das especificidades
da composição humana em determinadas
macro-regiões e estados, o sistema de cotas deve conduzir a
três situações de especificidade, seja
em razão da alta ou baixa concentração
de determinadas composições
étnico-raciais em condição de
vulnerabilidade:
a.
Nos Estados com um grande
número de negros ou populações
mestiças, este perfil humano poderia conduzir a um aumento
de alunos identificados como negros nas
instituições de ensino superior, a
título de exemplo dos estados do nordeste, como na Bahia.
b.
Naqueles estados da região norte e centro-oeste do
país, em função do número
de indígenas na população total,
é de se esperar a incorporação destes
grupos populacionais indígenas nas
instituições de ensino superior, em especial, no
Acre e Roraima.
c.
Em estados com maior homogeneidade étnico-racial de origem
europeia, como é o caso dos estados da região sul
do país, é de se esperar que as cotas
incorporarão um baixo coeficiente de negros e
indígenas, já que os novos estudantes
selecionados serão brancos de uma faixa de renda menor.
Com base nestas discussões, conclui-se que a lei de cotas
cria repercussões no mecanismo de acesso ao ensino superior
público federal e, por conseguinte, um efeito cascata sobre
instituições de ensino superior, privadas,
além de públicas, estaduais e municipais, no que
se refere à inclusão e acessibilidade a
diferentes grupos sociais, baseando-se em um modelo reconhecido como
legítimo e constitucional à luz das
decisões do STF, que prioriza a
promoção do princípio da igualdade em
relação à temporal quebra do
princípio da isonomia ao longo dos próximos dez
anos.
Elói
Martins Senhoras é
professor e pesquisador do Departamento de
Relações Internacionais (DRI), do Programa de
Mestrado em Geografia (PPG-GEO), Mestrado em Sociedade e
Fronteiras (PPG-SOF) e
Mestrado em Desenvolvimento Regional da Amazônia (PPG-DRA) da
Universidade Federal de Roraima (UFRR). Graduado em Economia e em
Política. Especialista pós-graduado em
Administração - Gestão e
Estratégia de Empresas. Especialista pós-graduado
em Gestão Pública. Mestre em
Relações Internacionais e em Geografia -
Geoeconomia e Geopolítica. Doutor em Ciências.
Pós-Doutorando em Ciências Jurídicas.
Foi visiting scholar na Escola Nacional de
Administração Pública (ENAP) no
Instituto de Pesquisa Econômca Aplicada (IPEA), na University
of Texas at Austin, na Universidad de Buenos Aires, na Facultad
Latinoamericana de Ciencias Sociales, México e na National
Defense University e visiting researcher na Escola de
Administração Fazendária (ESAF), na
University of British Columbia e na University of California, Los
Angeles. É organizador das coleções de
livros "Relações Internacionais" e
"Comunicação & Políticas
Públicas".