Cedemos
com facilidade à tentação do
autoritarismo.
Quando parece que não há
solução que possa vir do consenso, o risco
é abrir mão do consenso pelo centralismo, em
qualquer nível, pois desta forma é relativamente
fácil implantar medidas que no momento parecem
necessárias e até benéficas, mesmo que
sejam irrelevantes, inadequadas, meros detalhes a serem futuramente
jogados no esquecimento.
Uma realização da ditadura foi a
implantação das disciplinas “Moral e
Cívica” no ensino médio, e
“Estudo de Problemas Brasileiros” no ensino
superior.
Em princípio, não haveria como discordar da
Moral, do Civismo e da tomada de consciência acerca dos
problemas de nosso país. Mas a ética nunca
é um absoluto.
Segundo a ética talibã, as mulheres
não têm direitos e só podem ser vistas
em público totalmente embrulhadas em véus; um
assassino nazista de campos de extermínio não era
antiético do ponto de vista nazista; os jovens que lutaram
armados contra a ditadura militar eram terroristas, segundo o governo
de então, e são heróis e
vítimas para o governo de agora.
Hoje, há uma tentativa de ressuscitar a
Educação Moral e Cívica.
Com currículos já sobrecarregados e sem ter
obtido sucesso mínimo no ensino da língua
materna, da matemática básica para as
operações de sobrevivência e um
ínfimo conhecimento do mundo, pretende-se ensinar em salas
de aula o comportamento social adequado.
Paralelamente ao fato de que ninguém pode se arrogar o
conhecimento de qual seria tal comportamento,
lições de bom procedimento não
são originariamente aprendidas na escola, e sim com
familiares e o círculo social mais próximo, que
com esta compartilham sua evolução.
Provavelmente, a maioria de nós não praticaria
corrupção com o dinheiro público, mas
talvez pratiquemos delitos como estacionar em fila dupla, jogar lixo
nas ruas, maltratar animais, furar filas, dar propinas, desrespeitar
subordinados, fazer qualquer coisa para levar vantagem, desde que
pareça que haverá impunidade.
Somos campeões da grande moralidade e autocomplacentes no
pequeno varejo, nossos filhos não verão a
diferença de dimensão - entenderão que
vale tudo para sair-se bem. E terão aprendido isso com nosso
exemplo.
E há a questão importantíssima de
definir os conteúdos a serem lecionados em Moral e
Cívica. Quem os estabeleceria?
O Ministério da Educação
não tem autoridade para determinar o que é moral
ou o que é civismo para o país inteiro.
Deixar essa tarefa a cargo de cada escola ou de cada professor
também não daria bons resultados - haveria as
diversas convicções ideológicas, ou
mesmo religiosas, envolvidas.
E, certamente, essas questões não podem depender
de mera opinião pessoal.
Os pais que praticam determinada religião - e desejam que
seus filhos sejam educados segundo seus preceitos - matriculam-nos em
escolas confessionais
ou, na impossibilidade, em escolas exclusivamente de
religião que igrejas, sinagogas, mesquitas, terreiros,
templos, ashrams mantêm.
Não é necessário, e nem conveniente,
que algum docente, provavelmente bem intencionado, proponha-se a educar
os alunos do seu próprio ponto de vista religioso.
Da mesma forma, nenhum pai desejará que seu filho seja
abarrotado de conceitos esquerdistas, direitistas, liberais, ou o que
for, à sua revelia, por algum mestre idealista,
porém desconhecedor de sua real
função.
Partidos políticos e facções
ideológicas também têm seus centros
doutrinários, que estão abertos a quem os
procurar.
O que é moral muda ao longo do tempo, e civismo é
um conceito muito amplo para julgarmos que apenas uma disciplina a
mais, no âmbito puramente escolar, retirando tempo dedicado a
outras menos voltadas à opinião, e mais
à ciência, poderá solucionar o problema
brasileiro.
Ensino de qualidade, com certeza, pode contribuir muito para isso.
Wanda
Camargo
é
educadora e presidente da Comissão do Processo seletivo das
Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.