Quais razões levam um jovem a usar drogas? Como
ajudá-lo a se livrar delas? O que se entende por drogas e
dependência? Essas e outras questões
são complexas e demandam uma análise um pouco
mais aprofundada do fenômeno da
drogadição.
Maconha, heroína, LSD, cocaína, crack, entre
outras, chamadas popularmente de drogas, são
substâncias psicoativas (SPAs) que têm convivido de
alguma forma com o homem na maioria dos grupos sociais. Algumas
têm origem natural, outras são feitas em
laboratório, mas todas trazem inúmeras
consequências para o sistema nervoso central. Tais efeitos
modificam o estado geral da mente e do corpo e a conduta de quem as
utiliza.
O usuário é chamado de drogadicto, já
que este fenômeno é tratado hoje como uma
patologia ou doença grave. A chamada
drogadição é algo antigo, amplamente
relatado na literatura médica, que se tornou um problema de
saúde pública em meados da segunda metade do
século 20, em especial nos centros urbanos. A
percepção generalizada atual é de que
tem crescido significativamente o consumo de substâncias
psicoativas, sendo usadas por faixas etárias cada vez mais
jovens.
Uma pesquisa da Organização Mundial de
Saúde (OMS) revelou que os principais motivos para
alguém experimentar essas substâncias psicoativas
são: satisfazer a curiosidade a respeito dos efeitos das
drogas; sentir necessidade de participar de um grupo social; ter
vontade de expressar sua independência; buscar
experiências agradáveis, novas e emocionantes;
melhorar a “criatividade”; favorecer uma
sensação de relaxamento e fugir de
sensações e/ou vivências
desagradáveis.
No mesmo estudo, a OMS elencou os cinco principais fatores de risco
para o consumo de SPAs: não ter
informações adequadas sobre os efeitos das
drogas, ter saúde deficiente, estar insatisfeito com a
qualidade de vida, ter personalidade deficientemente integrada e
encontrar facilidade de acesso às drogas.
As drogas podem provocar um fascínio e
atração quando apoiadas no contexto social e
cultural contemporâneo, que incorpora elementos da chamada
pós-modernidade. De acordo com o sociólogo
contemporâneo Zygmunt Bauman, diferentemente da sociedade
moderna anterior, que ele chama de “modernidade
sólida”, tudo agora está sendo
permanentemente desmontado e sem perspectiva de permanência
no chamado “mundo líquido”. Tudo acaba
sendo temporário, o que explica a metáfora da
“liquidez” para caracterizar o estado da sociedade
moderna.
Como os líquidos, essa sociedade é incapaz de
manter a forma, o que pode ser traduzido por suas
instituições, quadros de referência,
estilos de vida, crenças e convicções,
modificando tudo antes que se tenha tempo de solidificar costumes,
hábitos e verdades “autoevidentes”.
Dessa forma, Bauman aponta que os jovens da atual
geração, em especial, não podem mais
contar com a natureza permanente do mundo lá fora nem com a
durabilidade das instituições, que tinham antes
toda a probabilidade de sobreviver aos indivíduos.
Contidos nessa “liquidez”, o fenômeno da
drogadição e a disseminação
do consumo de substâncias psicoativas espelham o modo como
muitos jovens se relacionam hoje. Ele reforça valores
baseados em consumismo e busca do prazer imediatista, associados
à pauperização de importante parcela
da população mundial.
Quando alguém se torna dependente, a
“liquidez” de seu mundo é ainda mais
aguda. A dependência pode ser entendida como o impulso que a
impele a usar uma droga a fim de saciar seu desejo e lhe conferir
prazer. O chamado drogadicto - ou dependente - caracteriza-se por ser
incapaz de controlar seu desejo de consumir drogas, tendo um
comportamento impulsivo e repetitivo, muito alterado em
relação ao seu padrão habitual.
A dependência também é marcada pela
síndrome de abstinência, cujos sintomas
estão associados à ansiedade, mal-estar e
desconforto incontrolável, além de tremor nas
mãos, náuseas, vômitos e até
um quadro de abstinência agudo denominado delirium tremens,
com risco de morte, em alguns casos.
Já há inúmeros medicamentos que podem
minimizar tais efeitos. Porém, a cura para a
drogadição é extremamente
difícil, o tratamento é demorado e muito custoso
emocionalmente para o dependente, sua família e
círculo social.
O tratamento da dependência não pode estar
restrito às medicações. Há
nesse aspecto uma observação, muito disseminada,
sobre o êxito na recuperação estar
ligado a uma reorganização psicossocial do
indivíduo.
Psicólogos e terapeutas apresentam um grande arsenal de
estratégias que colaboram nesse processo, deixando claro que
um problema de tal complexidade exige uma abordagem
terapêutica aliada a iniciativas que afastem o dependente das
drogas. A arte, a prática esportiva e outras atividades
prazerosas são capazes de ocupar o tempo utilizado
anteriormente com as drogas, dentro de um contexto saudável,
construtivo e estimulante.
Para isso, é fundamental o papel do tripé
"escola, comunidade e família", atuando conjuntamente em
harmonia. Isso favorece o processo de recuperação
das vítimas da dependência. O desafio dos pais e
educadores é promover um amálgama de saberes
tradicionais (“legado”) com novos saberes
(“futuro”) por meio de práticas que
atinjam os jovens nos sentidos, levando-os a desenvolver uma
percepção de que há vida, alegria e
saúde longe das drogas.
Incorporando o pensamento do sociólogo Bauman, deve-se criar
uma nova matriz “líquida”, capaz de
promover uma cultura de tolerância, solidariedade, respeito
mútuo, cidadania, autonomia e protagonismo social. Vivemos
na fluidez, em períodos desafiadores, tempo de incertezas e
novos desafios, mas fortalecidos pela certeza de que a luta contra as
drogas é dever de cada um de nós.
Claudio
Paris é licenciado
em Ciências e Biologia e pós-graduado em
Educação pela Universidade de São
Paulo (USP). É professor, músico e
gestor da Nova Geração, comunidade
terapêutica que assiste jovens vítimas de
exclusão social e drogadição.