A
tão incensada emersão da chamada classe C,
decorrente da expansão de crédito e aumento da
renda média, trouxe obviamente melhoria de vida para
milhões de trabalhadores e seus familiares.
Há também melhorias para a economia: o aumento da
demanda propicia a criação de mais empregos e
pagamento de mais impostos.
Por isso, mediante as ameaças ao crescimento do PIB, o
governo tem optado por mecanismos de estímulo ao consumo.
No entanto, o consumo é apenas uma etapa de um processo
maior: muito mais importante do que ser consumidor é ser
cidadão.
Cidadania inclui o direito de morar, de ter dignidade,
segurança e conforto; e também o de ser dono de
seu destino, de garantir o futuro de seus filhos, de participar das
decisões que influenciam sua vida,
condições obtidas normalmente através
do prolongamento dos estudos e melhor
qualificação profissional.
O Ministério da Educação tem
enfrentado o problema de acesso de estudantes ao ensino superior, mas
não o de controlar sua evasão.
A viabilização da entrada, através da
expansão da rede de instituições
universitárias, com o auxílio das
políticas de ações afirmativas,
raramente implica correspondente democratização
do acesso ao saber.
O estudante advindo das camadas populares sai do ensino
médio para um mundo novo, pleno de novos códigos
e repleto de desafios e, nessa experiência, vivencia
inúmeras rupturas.
Afinal, a condição de estudante
universitário foi, durante muitos anos, exercida apenas
pelos filhos das classes mais privilegiadas, e tal
transição não tem sido simples,
podendo condenar o ingressante ao fracasso, em que pese o maior
número de vagas disponíveis.
Aprender a aprender não é simples, e grande parte
do abandono ocorre ao longo do primeiro ano do nível
superior, precisamente porque a adequação
às exigências universitárias, tanto em
termos intelectuais, no aprendizado da linguagem mais
próxima das normas cultas – ou pelo menos do
jargão mais elitizado, mesmo se tratando de
gírias – e da tradição
cultural implícita, exige adaptação e
flexibilidade.
Confrontar-se com novos códigos e rotinas pode trazer a
insegurança e o sentimento de não pertencimento
que afastam muitos alunos.
O capital cultural insuficiente é frequentemente
interpretado como limitação cognitiva ou
intelectual, pois esse jovem terá dificuldades
até em leitura e sua interpretação, o
que provoca atraso em muitas disciplinas, e não apenas nas
relacionadas à língua portuguesa.
É preciso lembrar também que
concentração não é virtude
inata, ou seja, dificilmente existirá sem
exercício da disposição natural, em
diversas técnicas requeridas ao longo da aprendizagem, com
bons professores e correta estrutura pedagógica; e
considere-se a necessidade do aluno trabalhar em tempo integral, tendo
menos tempo para estudo e envolvimento em projetos da
própria escola.
Exatamente nessas condições objetivas, ocorrem os
maiores erros de escolha de curso, pois as opções
costumam ser determinadas mais pela facilidade de
aprovação, ou possibilidade de custeio do que
real interesse na área.
Ao lado de mais e melhores políticas públicas,
instituições universitárias necessitam
de projetos culturais que preencham lacunas, valorizem possibilidades e
promovam a verdadeira inclusão, concretizando a
permanência desse novo alunado para o bem de toda a sociedade.
Wanda
Camargo é
educadora e presidente do Processo Seletivo das Faculdades Integradas
do Brasil – UniBrasil.