A Semana - Opiniões
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

19/4/2004 - Governos Paralelos - 19/04/2004
Quando os traficantes mandam no morro

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Agulha-de-traficante

- A semana passada começou muito quente no Rio de Janeiro, com o morro da Rocinha ocupado pela polícia, numa mega operação em que se tentava capturar os chefes do tráfico de drogas responsáveis por várias mortes em sua luta pelo controle desse lucrativo negócio na região referida. A morte de um desses marginais acabou promovendo situações para lá de inusitadas, como a obrigatoriedade dos comerciantes da Rocinha fecharem seus estabelecimentos em respeito ao enterro do traficante ou a arruaça promovida por muitos de seus seguidores (comparsas, adeptos) nas proximidades do cemitério em que o tal bandido foi sepultado.

- O “luto” decretado pelos bandidos impediu o trabalho dos comerciantes e fechou as escolas da região. A polícia, na execução de seus trabalhos se viu impotente para reverter à ação dos marginais que, mesmo com mais de mil policiais na região, conseguiram impor sua vontade e deixar as lojas e escolas com suas portas fechadas.

- Pior ainda foi a sugestão do vice-governador do Rio de Janeiro que para solucionar o problema da Rocinha defendeu publicamente a necessidade da construção de um muro ao redor da favela carioca...

- Enquanto isso, através da mídia (tvs, rádios, Internet e jornais) o secretário da segurança pública do Rio de Janeiro e o ministro da Justiça trocavam farpas enquanto deveriam estar preocupados em assegurar a resolução dos problemas da cidade que é considerada como o maior cartão postal de nosso país.

Jovem-viciado

- Através das redes de televisão víamos os policiais cariocas (protegidos pelo anonimato, com seus rostos escondidos) comparando o disparate das armas utilizadas por eles e as submetralhadoras ou metralhadoras compradas pelos traficantes e usadas na proteção de seus territórios e negócios.

- Num outro round para lá de interessante, a mídia divulgou a existência do disque-droga, serviço de entrega em domicílio que colocava nas mãos dos usuários qualquer tipo de entorpecente ou tóxico, da maconha a cocaína, entre outras encomendas possíveis.

- Divulgava-se também que a sobrevivência do negócio era garantida pelo consumo de drogas em grande escala na zona sul do Rio de Janeiro, comprovando que a manutenção do tráfico só acontece pela existência de um grande contingente de pessoas de classe média para cima com potencial de compra e interessadas em adquirir tal sorte de produtos. Mesmo sabendo que essas “mercadorias” são ilícitas e totalmente prejudiciais a saúde de qualquer pessoa...

- Quem compra a droga financia não apenas o tráfico e seus agentes, mas também a corrupção, a violência e o medo que assolam não só o Rio como todas as capitais brasileiras e cidades onde o consumo de entorpecentes é elevado.

- Na semana passada vi o marido de uma das vítimas inocentes sacrificadas pela disputa entre as gangues pelo controle do tráfico no morro da Rocinha dar uma entrevista no programa “Mais Você”, apresentado por Ana Maria Braga na Rede Globo. Com extrema sensatez apesar do choque pelo qual havia passado e da perda de sua esposa, deu a todos uma única resposta quanto a o que poderia ser feito para acabar com toda a violência promovida pelo tráfico de drogas:- Parem de consumir drogas.

Incentivo-de-não-as-drogas

- Só assim poderemos realmente fazer com que os traficantes sejam derrotados. Dessa forma estaremos levando seu negócio a bancarrota. Ao agirmos dessa maneira não permitiremos o contrabando de armas. Várias pessoas poderão se recuperar dos males causados pelo consumo de drogas. Os gastos com saúde tenderão a diminuir. A corrupção promovida pelos traficantes não poderá acontecer por falta de recursos para financiá-la. As pessoas poderão viver com tranqüilidade naquela que é, sem sombra de dúvidas uma das cidades mais bonitas do mundo...

- Sei que pode parecer fácil demais ou até mesmo ingenuidade da parte de qualquer pessoa acreditar que é possível derrotar o tráfico, e seu governo paralelo, com uma medida tão simples quanto essa, mas acho que se cada pessoa fizesse sua parte poderíamos chegar lá.

- Se queremos uma cidade mais segura, onde nossos filhos possam ir a escola sem qualquer risco, sem que tenhamos medo de “balas perdidas”, onde o dinheiro público possa ser gasto com o aperfeiçoamento das vias públicas ou dos hospitais, em que o turismo possa desenvolver todas as suas possibilidades atraindo mais e mais turistas para as praias e belezas naturais, onde a noite possa ser curtida por todas as pessoas que gostam de shows, cinemas, teatros e bares, temos que ajudar, somos todos, de certa forma responsáveis.

- Isso teria que ser reforçado pelo aperfeiçoamento das forças policiais com treinamento, novas armas e remuneração justa. Além disso, políticas sociais capazes de ativar a economia e permitir o aperfeiçoamento profissional das pessoas através da educação seriam fundamentais. Com mais e melhores empregos, escola de boa qualidade e demais serviços públicos de bom nível (água encanada, esgoto, saúde, iluminação pública, lazer,...) quem realmente gostaria de atuar no tráfico de drogas?

- Aqueles muitos jovens e crianças recrutados pelos traficantes lá atuam pela total falta de opções dadas pela sociedade. Quem se aventuraria a trabalhar numa empreitada tão perigosa quanto essa, onde a maioria acaba perdendo a vida antes dos 24 anos de idade?

- No mesmo dia em que foi entrevistado o marido de uma das vítimas da luta das quadrilhas pelo domínio do morro da Rocinha, a apresentadora Ana Maria Braga recebeu um jornalista que morou durante alguns meses na Rocinha e escreveu um livro sobre essa que é uma das maiores favelas do mundo. Sua maior revelação, que muitos de nós já sabíamos, mas que muitas vezes acabamos desprezando, é que a vida da maioria dos moradores da Rocinha (assim como de qualquer morro dominado por traficantes) é a de pessoas honestas, que tem que suar muito para conseguir seu pão, para cuidar de suas famílias e garantir sua sobrevivência.

- Jurado de morte pelos traficantes, o jornalista foi obrigado a fugir da Rocinha. Até quando teremos que nos conformar com histórias como essas? Será que um dia as “Rocinhas” que existem no Brasil, capazes de fomentar uma média de 30 mil homicídios por ano no país (maior que qualquer guerra travada nos últimos 20 anos), de acordo com índices divulgados na semana passada pelo IBGE, serão locais onde as pessoas poderão viver em paz? Espero que sim...

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