Diário de Classe
 

A Escola no Mundo da Violência - 13/11/2012
Maria Tereza da Silva Sardinha do Prado

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Helen simboliza a força da violência anulando todas as iniciativas da escola em busca da produção da aprendizagem.

Proveniente de lar completamente desestruturado em termos de relações familiares, era vítima de espancamentos, tanto por parte da mãe como do irmão mais velho.

Como se pode imaginar, era privada da figura paterna. Em sua versão capenga, o “Pai” que o irmão tentava ser, tinha nele o pior referencial possível.

Talvez por esse e por outros mil motivos, Helen odiasse a escola e tudo o que dissesse respeito a ela, incluindo aí a aprendizagem: o canal mais que perfeito para despejar todo o seu desprezo e a sua revolta.

Na 4ª série de aceleração, era a mais alta da fila, não sem motivo visto contar já com treze anos de idade.

Já se enfeitava como uma mocinha, sem dispensar um batonzinho de gosto duvidoso, que vinha todo dia dentro da velha mochila.

Trazia também outros “apetrechos de beleza” à escola, os quais prevaleciam sobre o próprio material escolar.

Não era incomum reclamar que estava sem lápis ou que alguém havia “roubado” a sua caneta.

Registrava as atividades pela metade e, às vezes, queria dormir durante a aula.

Quando era solicitada para ler ou produzir um texto espontâneo, muito pouco se aproveitava de sua produção.

Não gostava de ser corrigida, não refazia uma atividade. Helen, simplesmente, não aceitava a escola.

Faltava muito e, no dia em que vinha, era confusão na certa.

Os problemas corriam ao seu encontro como as abelhas em direção ao mel.

Ela nunca tinha culpa de nada.

Geralmente, era outra criança quem havia provocado tudo e colocado a culpa nela.

Desvencilhava-se dos problemas com uma naturalidade desconcertante aos olhos dos que ainda não a conheciam.

Com todo esse “histórico”, não é preciso dizer que Helen não conseguia se integrar em nenhuma equipe de trabalho cooperativo.

Ela não conhecia a palavra colaborar porque tudo o que queria era atrapalhar, tumultuar.

Aquela menina se constituía num verdadeiro “furacão” na sala de aula e, à noite, não me deixava dormir.

Eu não conseguia encontrar uma forma de trabalhar com ela.

Um dia, contudo, nossa classe recebeu Gislene, uma aluna que havia sido transferida de outro Estado.

Gislene estava chegando do Paraná, de onde viera com a mãe e mais uma irmã um pouco mais velha que ela.

Essa aluna também estava sem o pai, que permaneceu em seu Estado devido ao término de seu casamento com a mãe da menina.

Minha nova aluna era tão miudinha que, no meio da turma, parecia uma criança em idade pré-escolar.

Desde o início, percebemos que Gislene era triste, fechada e demonstrava sofrimento com aquela mudança em sua vida.

Ela não procurava se enturmar e chorava facilmente.

As crianças logo desistiram de integrá-la ao grupo e eu fiquei com a tarefa de lutar também por ela.

Além dessas dificuldades, Gislene também tinha problemas de aprendizagem.

O caderno era limpinho e organizado, mas a única atividade que ela desenvolvia com competência era uma boa cópia.

Não tinha escrita autônoma, lia penosamente e não possuía compreensão leitora.

Bem, agora eu tinha dois desafios: Helen e Gislene.

Helen tinha caminhado muito pouco e o máximo que eu tinha conseguido com ela era impedir que entrasse em conflito com as demais crianças, além de uma melhora em sua frequência escolar.

Gislene, depois de fazer um “giro” pela sala, acabou sentando-se perto de Helen.

Sem ter tempo de me preocupar com aquela aproximação, presenciei o inusitado acontecer: Helen praticamente adotou Gislene.

Nunca havia pensado numa possibilidade dessas.

Uma criança de difícil manejo como Helen de repente se transformar numa autêntica mãezinha para outra criança.

Helen era carinhosa e protetora, não permitia que ninguém aborrecesse Gislene e queria resolver todos os seus problemas.

Gislene, embora tivesse já onze anos, era muito pequena.

Helen, se quisesse, poderia colocá-la no colo, talvez tenha sido por isso que a pequena Gislene se transformou num “bebê” da mais nova amiga.

Então, o mais surpreendente começou a acontecer.

Helen queria ajudar Gislene a desincumbir-se em suas lições escolares, mas suas próprias dificuldades a impossibilitavam para tal missão.

Pegava o caderno de Gislene e vinha até mim para perguntar se estava certo ou como se resolvia aquilo.

Ela fazia isso sem perceber que estava provocando, ainda que inconscientemente, sua própria aprendizagem.

Era a chance que eu tinha que agarrar com todas as minhas forças.

Comecei a investir firme na aprendizagem de Helen, escorada no seu interesse de ajudar Gislene.

As dificuldades de Helen eram tão graves que, às vezes, Gislene aprendia primeiro que ela.

Quando menos se percebia, os papéis se invertiam e, não raras vezes, era Gislene quem ensinava Helen.

À medida que sua relação com Gislene se consolidava, as atitudes agressivas de Helen iam diminuindo gradativamente.

Trocavam presentes entre si e, por ocasião das competições da classe (combate de tabuada, de ortografia ou nos relatos orais de piadas ou histórias), Helen “treinava” Gislene.

Eu não precisava fazer nada, era só planejar atividades em que as duas fossem solicitadas e o resto elas faziam sozinhas.

Elas me enchiam de alegria e eu antevia um final feliz para esse caso.

Contudo, um dia, Helen não apareceu mais.

O ano letivo ainda não tinha terminado quando Helen engravidou.

O pai da criança era seu mais novo padrasto, e a mãe a colocou para fora da casa.

Mais uma vez, a violência batia à sua porta e agora a escola não podia mais protegê-la.

A família de Gislene voltou ao Paraná e Gislene, quando se despediu de mim, parecia outra pessoa: era uma pequena vencedora.

Tempos atrás, encontrei Helen com um bebê novinho nos braços.

Agora, estava casada. Seu primeiro filho foi dado à avó, para que fosse cuidado, seu nome era Matheus.

Não pude evitar pensar nessa criança sendo criada pela avó, provavelmente sendo maltratada por parentes grosseiros a exemplo do que acontecia no passado de Helen.

Estaria sua triste história se repetindo na vida de seu filhinho?

Helens, Matheus, Gislenes...

Que lições a escola ainda precisa aprender para amenizar a dura saga de crianças como vocês?

Maria Tereza da Silva Sardinha do Prado é Professora de Educação Básica I, aposentada desde 2007; Habilitada em Pedagogia pela PUC-SP em Educação Infantil e Fundamental Ciclo l; Credenciada no curso “Alfabetização Teoria e Prática à Distância” pela CENP; Formada pelo MEC (PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores) sob a consultoria de Regina Câmara e Telma Weiss; Formada pela CENP no curso “Letra e Vida” (consultoria de Kátia Lomba Bräkling e Yara Prado); Fez curso de Formação de Coordenadores de 1ªs a 4ªs séries, ministrado pela FDE e curso de Parâmetros Curriculares Nacionais em Matemática, ministrado pela Secretaria Municipal de Arujá; Trabalhou também no Projeto Pedagógico para orientar toda a Rede de Ensino Municipal de Igaratá, destinado a Professores e Coordenadores da Rede.

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1 COMENTÁRIOS

1  marcelo - 10
como uma pessoa pode viver tanto e ter um lugar só para uma pessoa escrever uma coisa só pra ler,escrever e estudar
13/11/2012 20:08:23


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