Diário de Classe
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Leituras Compartilhadas, Consensos e Diagramas - 08/04/2004
Coluna Diário de Classe

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Uma das maiores dificuldades que temos em aulas está relacionada ao trabalho com textos teóricos. Recentemente experimentamos em alguns projetos (com alunos de ensino médio) uma alternativa de trabalho com esse tipo de material que tem se revelado muito útil e bastante proveitosa. Trata-se de uma estratégia que acabei chamando de Leituras Compartilhadas (nome que vai ser mais bem compreendido na medida em que descrevermos o desenvolvimento de algumas práticas em que utilizamos esse recurso).

O mais interessante é que para desenvolver qualquer atividade com textos utilizando a estratégia das Leituras Compartilhadas não requer que tenhamos em mãos nada além do próprio texto, de papel, caneta ou lápis e muita criatividade.

Como surgiu essa idéia?

Para começo de conversa, nada como o final de um bimestre e a constatação de que nosso planejamento ainda não foi cumprido integralmente. É, parece que terei que entrar no próximo período de aulas com alguns assuntos que deveria ter tratado no anterior. Até aí nenhuma novidade, praticamente todos os professores já passaram ou passam por essa situação (até com alguma regularidade).

O que fazer para agilizar o processo e fazer com que os alunos leiam, se interessem e produzam (escrevam, aprofundem o conhecimento com novas pesquisas, componham respostas para eventuais questionamentos,...) a respeito do material que está atrasado sem que sofram nenhuma perda ou defasagem?

Que tal promover uma leitura individualizada para começar o tal trabalho? Até aqui nenhuma grande novidade!

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Ler, destacar as idéias mais importantes e escrever sobre elas, encaminhamentos básicos para as Leituras Compartilhadas.

Tente então aumentar o grau de compromisso com o material pedindo aos alunos que destaquem no texto aqueles trechos que consideram mais importantes para explicar os principais conceitos e idéias apresentados no texto em questão. Alguns de vocês devem estar pensando que eu estou tentando ensinar o Pai-Nosso para o vigário!

Calma, isso é apenas uma introdução a Leitura Compartilhada.

Para complementar essa etapa inicial dos trabalhos com o texto peça a seus alunos que escrevam em seus cadernos ou numa folha avulsa, em suas palavras (de forma que fique mais clara a compreensão dos dados conceitos e idéias para eles e os colegas em leituras posteriores), os tópicos por eles considerados mais importantes em relação aos textos lidos. Dê-lhes liberdade para decidir qual o melhor modelo a adotar para escrever essas anotações (alguns preferem textos dissertativos, outros podem optar por colocar as idéias em tópicos).

Tenha um pouco de paciência, ainda falta um pouco de tempo para definir a atividade e os motivos para chamar essa estratégia de Leituras Compartilhadas.

Terminada essa primeira etapa (que deve ser avaliada, de preferência atribuindo-se a ela algum valor, uma nota residual como parte de um conjunto de práticas relacionadas), reúna os estudantes em grupos de 2 ou 3 pessoas e peça a eles que troquem suas anotações com colegas de grupo.

Peça a eles que comparem os trabalhos feitos por cada um individualmente (é aconselhável que ao reunir os grupos o professor se preocupe em unir pessoas que não estão acostumadas a trabalhar juntas; isso permite aos alunos que se conheçam melhor e saibam que existe no grupo uma heterogeneidade que pode e deve promover o engrandecimento do grupo todo) e proponha que eles, após a leitura e visualização dos trabalhos dos demais, tentem entrar em consenso quanto a que tópicos são realmente fundamentais para explicar o texto estudado.

Seria interessante que o professor estipulasse uma quantidade mínima e também máxima de tópicos ou idéias a serem selecionadas pelos alunos. O propósito dessa delimitação para mais e para menos é criar um grau de dificuldade que impeça os alunos de produzirem de forma preguiçosa, estabelecendo apenas conceitos básicos e evitando que eles utilizem informações demais, que muitas vezes podem atrapalhar a plena compreensão de um conceito ou idéia principal.

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É hora de socializar os conhecimentos!
(foto de divulgação do filme “O Clube do Imperador”)

O consenso deve gerar a produção de uma resposta do grupo para a atividade relacionada à leitura do texto.

Próximo passo: Socializar o conhecimento produzido.

Para tanto, peça aos estudantes que transformem os tópicos do consenso em um diagrama. Vale lembrar que os diagramas são formas esquemáticas de apresentar idéias, muito utilizadas por professores, através das quais os conceitos, explicações e fórmulas trabalhados em aulas são visualizados na lousa ou através de transparências. Nos diagramas há uma idéia central que deve (como o próprio nome diz) estar localizada no centro da folha que servirá para a produção do diagrama. Na atividade que desenvolvemos o tema central era a Escravidão.

A partir desse centro de discussões (o assunto do diagrama) surgem setas que ligam o tema a explicações relacionadas ao mesmo. Essas explicações, para melhor compreensão por parte dos estudantes, devem ser organizadas como ramos de uma árvore, cada galho indicando um setor que esclarece o assunto tratado.

Estávamos, por exemplo, falando da Escravidão e traçamos uma seta indicativa de dados objetivos como período a que nos referíamos (Idade Moderna e Início da Idade Contemporânea), locais onde concentramos nossos estudos (Brasil e América Espanhola) ou o tempo de duração da escravidão nessa região (aproximadamente 390 anos, do século XVI ao final do século XIX).

Diagramas
Exemplos de Diagramas (esse recurso sempre foi muito utilizado pelos setores produtivos da economia e tem, recentemente, se tornado importante ferramenta para os educadores).

Uma outra seta ou ramo definia as características da escravidão nessa região; uma terceira focava nas conseqüências dessa condição para os escravos; num outro setor nos preocupamos com as repercussões da escravidão para a economia colonial; criamos um outro galho em nosso organograma indicativo de pessoas que estudaram ou combateram a escravidão no período em que ela estava em vigor na América Ibérica.

Ao pedir aos alunos que transformassem os dados obtidos a partir da leitura em um diagrama, deslocamos o foco da leitura inicial e criamos um problema a ser resolvido. Eles precisavam, a partir de então, codificar os dados obtidos, organizando-os tematicamente, relacionando-os a um assunto central, numa disposição diferenciada dos textos (esquemática e espacializada), passível de utilização como recurso explicativo de uma aula que poderia ser dada a eles e seus colegas de sala.

O grupo já havia passado por uma boa prova ao discutir a produção de cada um deles e selecionar as idéias mais importantes sem ultrapassar os limites definidos pelo professor quanto a quantidade mínima e máxima de idéias a serem trabalhadas.

Agora, ao redefinir a leitura do texto e dos tópicos selecionados, adequando-os ao formato de diagramas, um novo e complexo exercício foi proposto.

O mais importante é perceber que no desenvolvimento da atividade os estudantes vão sendo obrigados a pensar e repensar os conceitos e idéias do texto. Tudo começou com a leitura solitária e com a seleção particularizada das idéias principais. Depois os estudantes tiveram que colocar no papel o que consideraram primordial no texto. Passamos num terceiro momento a consideração e leitura daquilo que outros colegas haviam escrito sobre o mesmo texto.

A negociação entre os membros do grupo para se chegar ao consenso sobre o que realmente deveria constar no documento a ser elaborado pelo grupo foi uma quarta leitura. Transformar o objeto do consenso num diagrama foi à etapa final, que concluindo as atividades lhes legou seu maior desafio.

Será que deu para aprender o que tinha no texto?

Ainda não! Na verdade, acredito que já conseguimos fixar, mas falta ainda dividir o que foi produzido com os outros grupos. Para tal, sugeri que os estudantes transformassem seus diagramas em transparências para explicarem aos colegas na próxima aula (se você não tiver retro-projetor a disposição ou se o custo das transparências for alto para seus alunos, use a lousa, ela pode ter a mesma repercussão nessa etapa do trabalho).

Ufa, agora acho que deu, parece que chegamos lá...

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2 COMENTÁRIOS

1 Doroni Hilgenberg - manaus
Bem interessante e legal esta pedagogia ilustrada por você. acho que quanto mais incentivamos os alunos a ter ideias, mais eles se mostrarão interessados em assuntos que podem abranger um universo inteiro de leituras. Mas o caso é que a rede educacional promovida pelo governo deixa muito a desejar, pois os professores não são capacitados e a classe chega a faculdade sem saber fazer um resumo ou escrever uma carta com desvelo.
24/07/2010 21:09:31


2 maria ilidia fernandes rodrigues - rio tinto
muito bom, penso ser bastante interessante essa forma de estudar e muito mais agradavél
29/04/2009 06:52:39


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