6/4/2004 - Lições de Harvard - 06/04/2004
Ensinar a aprender
• “Num mundo em transformação tão rápida, talvez ensinar a aprender seja mais importante do que ensinar conteúdos específicos.”
A afirmação acima é de autoria do economista Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro do governo Clinton e atual reitor da mais tradicional e conceituada universidade norte-americana, Harvard. Em passagem pelo Brasil onde participou de encontros políticos e proferiu palestras, Summers trouxe algumas idéias importantes para o centro das discussões no terreno da educação.
Talvez a mais importante de todas elas seja justamente a que destacamos no início desse editorial, especialmente num país tão apegado a tradições e conservadorismos na área educacional como o Brasil. Poucos setores são tão vagarosos em suas mudanças quanto à educação. Há anos acompanhamos a reformulação proposta pelo governo para o setor; do mesmo modo estudamos as novas propostas pedagógicas lançadas por estudiosos estrangeiros e brasileiros; participamos de congressos e feiras educacionais e verificamos as novas publicações e as novas teorias que estão sendo utilizadas ou sugeridas; Entretanto, a educação na sala de aula pouco difere dos modelos e esquemas utilizados por professores que já se aposentaram ou que lecionavam há 20 ou 30 anos atrás.
Existem escolas e professores sintonizados com as modificações e que, atentos às novidades, tem se mobilizado (de corpo e alma) para implementá-las. Conseguem resultados notáveis e tornam-se referências em seus locais de trabalho (vale destacar que algumas vezes esses educadores acabam sendo hostilizados pelos colegas ou incompreendidos pela comunidade e acabam tendo que desenvolver seus projetos em outras cidades ou escolas). São ainda muito poucos aqueles que conseguem levar adiante seus sonhos de uma educação plena, efetiva...
A leitura dos clássicos, o contato com a palavra culta, a possibilidade da filosofia, as lições da história, análises das humanidade
que nos permitem definir melhor os projetos para qualquer área do conhecimento.
• “Se aqueles que nos levaram à Guerra do Vietnã tivessem lido um pouco mais dos romances de Joseph Conrad e um pouco menos de análises de sistemas, teriam sido mais sábios em suas decisões. As humanidades fazem falta”.
Summers ao fazer afirmação como a que vemos acima nos abre os olhos para uma outra importante consideração acerca da educação ao afirmar que o modelo educacional necessita de um maior apoio por parte das ciências humanas. De certa forma ele percebe que a formação tecnicista, voltada para as especializações em engenharia, saúde, administração ou economia carece de um apoio mais sistemático e constante da sociologia, da história, da filosofia, da antropologia e de todos os ramos do conhecimento que tentam aumentar a compreensão que temos da própria humanidade.
A interação entre as humanidades e as áreas tecnológicas tem que ser constante. Não podemos desenvolver novos equipamentos se não temos a noção exata de como vive a sociedade contemporânea. Para ficar em apenas um exemplo, o intercâmbio entre a produção literária, cinematográfica e musical com a matemática, a física ou a biologia permitiria aos pesquisadores da área de tecnologia de ponta uma maior capacidade de elaboração e realização em seus projetos já que estariam em maior sintonia com as pessoas que serão beneficiadas por seus experimentos e produtos.
É corrente na área da educação que para realizarmos um trabalho adequado e efetivo junto a nossos estudantes temos que ter um conhecimento razoável da realidade de nossas crianças, adolescentes ou jovens. Acompanhar aquilo que é assistido pelos alunos na televisão ou no cinema, ouvir suas músicas, saber como são suas turmas, conhecer um pouco de suas relações familiares ou que livros são lidos fora do âmbito escolar nos permitem entender melhor nossa clientela.
(A Estudante, Jean Puy, Musée dArt Moderne, Paris)
Conhecer nossos estudantes é a melhor forma de atingir nossos objetivos e
realizar
nossos projetos em parceria com os mesmos.
A humanização das relações entre professores e alunos ou entre as escolas e a comunidade por elas servidas tem repercussões muito positivas para a educação. A humanização das áreas tecnológicas poderia causar uma verdadeira revolução no setor. Pode-se argumentar que a preocupação final de todo e qualquer projeto de engenharia ou economia é o bem-estar geral, no entanto, temos que admitir que a leitura de Shakespeare ou Machado de Assis, o contato com o Jazz ou com a MPB, assistir filmes como “Cidade de Deus” ou “Sociedade dos Poetas Mortos” podem ajudar a sensibilizar e a esclarecer melhor o que significa ser humano e participar dessa grande aventura que é a vida...
• “Em sua relação com o resto do mundo, os Estados Unidos precisam buscar legitimidade, e não apenas controle. Temos de colaborar com as outras nações, em vez de tentar submetê-las sempre.”
A colocação de Summers é importante não apenas para os Estados Unidos em sua relação um tanto quanto conturbada com o resto do mundo. A busca de legitimidade deve ser preocupação de todas as pessoas que trabalham em contato freqüente com o público, com a comunidade. Seja na educação, na saúde, no comércio ou nos serviços, temos que ter a necessária consciência da repercussão de nosso trabalho e realiza-lo em prol da obtenção da tal legitimidade mencionada na frase acima.
Ir a teatros ou ao cinema, freqüentar bibliotecas ou visitar asilos, parte fundamental da educação que
muitas vezes é totalmente esquecida pelas escolas e pelos educadores.
Não podemos continuar tentando impor a nossos estudantes a Educação como temos feito. Temos que conseguir convencê-los através de nosso trabalho (sério, profissional, prazeroso, envolvente) a perceber a importância dessa educação. Devemos necessariamente seduzi-los, fazê-los sentir que sem os elementos que lhes são concedidos pela educação não poderão melhorar, não irão prosperar, não terão condições de viver como realmente gostariam...
A colaboração, a capacidade de se aproximar e verdadeiramente conquistar o aluno, a possibilidade de tê-lo como aliado somente ocorre quando se percebe que há uma possibilidade de companheirismo, de ação conjunta, que valoriza as qualidades dos outros, quando tornamos nossos alunos e a comunidade verdadeiros parceiros do processo educacional (o que também pode ser efetivado em todos os outros setores).
• Gilberto Dimenstein também aproveitou a visita e as lições de Summers para compor sua coluna no final de semana na Folha de São Paulo (Domingo, 4 de Abril, Folha Cotidiano, página C12). A respeito das declarações de Summers, destacou Dimenstein:-
“Erguer uma cidade educadora implica, em poucas palavras, derrubar os muros da escola e fazer da cidade, um aglomerado de salas de aula, convidando o aluno a trilhar pelas mais diversas experiências. Teatros, cinemas, praças, parques de diversões, exposições, bibliotecas, concertos, empresas – passam a compor o roteiro permanente de aprendizado.”
Nessas palavras reside uma necessidade básica da educação que reside na necessidade de, literalmente, “sair da toca”, permitir o contato dos estudantes com a realidade, estimular a troca que dá vida, que permite o crescimento, que instrui e constrói uma retaguarda verdadeira, dos ensinamentos que ficam e florescem. Sair das escolas e visitar museus, cinemas, teatros, bibliotecas; ir a mercados municipais e conversar com as pessoas que ali trabalham; fazer visitas a asilos ou creches para aprender lições de solidariedade; conhecer o trabalho em fábricas, escritórios ou hospitais para entender o que significa ser profissional; que melhores aulas poderíamos ter?
Obs. Para maiores informações sobre Joseph Conrad, visite o link http://www2.folha.uol.com.br/biblioteca/1/noticias/2003071201.html.
1 Renato Hoffmann - Caxias do Sul-RS
Concordo totalmente com o texto; sou professor de matemática há 40 anos, e em todas as minhas aulas além do conteúdo, sempre passo valores, família, espiritualidade e humanismo. Parabéns.
29/04/2007 20:56:26
Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.